Sunday, June 11, 2006

Linux, Wikipedia, etc. - capitalistas, comunistas ou o quê?

No LewRockwell.com, há este texto, "Linux is Capitalist" (via My Guide to your Galaxy):

"In 2000, Microsoft's Steve Ballmer made a questionable remark: he referred to Linux (and the open source/free software community) and its development process as "communist." He said that "Linux is a tough competitor. There's no company called Linux, there's barely a Linux road map. Yet Linux sort of springs organically from the earth. And it had, you know, the characteristics of communism that people love so very, very much about it. That is, it's free." Ballmer's statements show his ignorance of economics and the nature of human action."

"Free market capitalism is not characterized specifically by the existence of companies, but by individuals who, thanks to private property, plan the most efficient way of attaining their ends. Companies are in many cases the most adequate unit of calculation for carrying out entrepreneurial action but this is not always the case. They are not the prerequisite of capitalism, but an organizational consequence of it."

"Just because a product is free of charge it does not mean that it is communist. Communism means complete state ownership of every resource within its reach and thus the impossibility of human action without the authorization of the Central Planning Board; it means the absolute lack of private property, including body ownership and labor. Thus, when Ballmer exclaimed that Linux had the characteristics of communism, he completely erred."

"Linux and free software programmers often do not receive any financial compensation whatsoever. Indeed, the "Free software community" is a group of people who voluntarily use their time and skills. But just because they donate time and labor it does not mean that this is communism. On the contrary, they freely direct their human action to the fulfillment of their ends, without any centralized imposition about what had to be done; people are exchanging their scarce resources (time and labor) to satisfy their ends. In the case of the Linux programmer, the end can range from fixing a software bug to adding a new feature or enhancing documentation. Where is the communism here? How is this socialist? Linux is a market phenomenon, just as charity is."

"And as we mentioned above, communism implies that the invested money, time and skills (any means of human action) must be state owned. If Mr. Ballmer were right, then the state must own Linux and direct the time and labor of the coerced "volunteers." As much as he would like to believe that, the development of free software is not communist"

Bem, isso depende tudo das definições utilizadas. Mas, em primeiro lugar, convém ser coerente no uso das definições: p.ex, no seu post sobre o assunto, Dos Santos escreve "a quantidade de vezes que é necessário apontar isto, incluindo a próprios participantes nos projectos de software livre que julgam estar a contribuir para a causa anarco-comunista". Ora, não se pode demonstrar que o Linux não é "anarco-comunista" a partir do texto citado: o texto claramente define "comunismo" como um sistema "em que tudo é propriedade do Estado e que qualquer acção humana precisa de autorização do Departamento de Planeamento Central", logo o "anarco-comunismo" não está incluido na definição.

Mas, será que o software livre/open source (ou, já agora, projectos como a Wikipedia) são "capitalistas"? Charles Johnson escreve que "capitalismo" pode significar 3 coisas:
  1. The free market: capitalism has been used, mostly (but not exclusively) by its defenders to just mean a free market, i.e., an economic order that emerges from voluntary exchanges of property and labor without government intervention (or any other form of systemic coercion).

  2. The corporate State: capitalism has also been used, sometimes by its opponents and sometimes by the beneficiaries of the system, to mean a corporate State—that is, active government support for big businesses through instruments such as subsidies, central banking, tax-funded infrastructure, development grants and loans, special tax exemptions, funding plants, acquiring land through eminent domain, government union-busting, and so on down the line. Since government intervention is always, by nature, either services funded by expropriated tax dollars or regulations enforced from the barrel of a gun, it’s worth noting that being capitalist in the sense of a free marketeer requires being anti-capitalist in the sense of opposing the corporate State, and vice versa. The fact that state socialists and the anti-communist Right have spent the past century systematically running these two distinct senses of capitalism together (in order to make it seem that you had to swallow the corporate State if you believed in the free market—which the Marxists used for a modus tollens and the Rightists used for a modus ponens) doesn’t make these two any less distinct, or any less antagonistic.

  3. Boss-directed labor: third, capitalism has been used (by for example, Marxians and socialists who are careful about their use of language) to refer to a specific form of labor market—that is, one where the dominant form of economic activity is the production of goods in workplaces that are strictly divided by class. Under capitalism in the third sense, most workers are working for a boss, in return for a wage; they are renting out their labor to someone else, in order to survive, and it is the boss and not the workers who holds the title to the business, the shop, and the tools and facilities that make the business run. (Or, as the Marxists would have it, the means of production.) It’s worth noting that capitalism in this third sense is a category independent of capitalism in either of the first two senses: there are lots of different ways that a free labor market could turn out (it could be organized in traditional employer-employee relationships, or into worker co-ops, or into community workers’ councils, or into a diffuse network of shopkeeps and independent contractors) and someone who is an unflinching free marketeer might plump for any of these, or might be completely indifferent as to which one wins out; whereas an interventionist statist might also favor traditional employer-employee relationships (as in Fascism) or any number of different arrangements (as in various forms of state socialism).

Adoptando estas 3 possíveis definições, creio que estes projectos são "capitalistas" no sentido "1" (se descontarmos o facto de se basearam na Internet, uma rede criada pelo Estado e cuja infra-estutura é mantida, muitas vezes, por empresas fortemente reguladas), mas já não serão no sentido "3". Claro que a novidade aqui é ter sido um "capitalista" (o Steve Ballmer) a, implicitamente, ter adoptado a "definição 3" (algo que, em público, só os socialistas costumam fazer).

Já agora, diga-se que a "linha oficial" dos "rockwellianos" costuma ser a de que "o socialismo não funciona porque, sem propriedade privada não há mercados, sem mercados não há preços, e sem preços não há cálculo económico racional". Esse raciocínio já foi refutado em vários sitios (até por outros anti-socialistas), mas, se seguirmos a sua lógica, tal significa que o software livre, a wikipedia, etc. serão "quase-socialistas", já que também não recorrem muito aos preços.

Adenda: como nota o Luis Pedro nos comentários, Bryan Caplan (o tal "outro anti-socialista"), não "refuta" a tese "austríaca" de que o cálculo racional é impossível em "socialismo". Caplan apenas afirma que não se pode, de um ponto de vista puramente teórico, concluir se (e a partir de que dimensão - 2, 100, 1.000 pessoas?) os problemas de cálculo serão suficentemente fortes para, só por si, tornarem o socialismo impossível de funcionar (e se este não terá problemas mais graves).

15 comments:

Anonymous said...

http://www.youtube.com/watch?v=FFHLIRSJv6w&search=linux

neste documentario fala-se um pouco dessa questão.

eu concordo com o interveiente no fim do documentario, que afirma ser socialismo.

pode-se ver isto de varias perspectivas, incluindo a motivação para...

Anonymous said...

Basta ver algumas das pessoas mais influentes do movimento software livre (jon postel: anarquista de direita, o tipo da wikipedia: randiano, eric raymond: pro-gun fanatic, Electronic Frontier Foundation: tendencialmente anarquista de direita) e todo o movimento hacker que o precedeu para se ver que, quando são políticas, são todas de extrema-direita anarquista que usam como definição de mercado livre o sentido 1, chamando ao sentido 2 "socialismo" visto que era aquilo que o lenine instala na URSS e defende como "capitalismo de estado".

Por outro lado, não me lembro de uma única personalidade importante que se diga "socialista."

Não me parece que Ayn Rand (para ir buscar um ídolo de extrema-direita) dissesse mal do software livre sendo baseado, como é, na dádiva livre. A caridade nunca foi monopólio "socialista" (antes pelo contrário, constituí uma das bases de qualquer sistema libertário) embora hoje às vezes se escreva como se fosse "esquerda"="boas intenções" e "direita"="más intenções." Logo, como o software livre é bom, é de esquerda.

BTW, concordo com a referência da GMU (que já conhecia), mas esta NÃO REFUTA von mises, diz apenas que o argumento do "cálculo socialista" ainda que válido não é o único que explica porque é que o comunismo não ia funcionar. É muito muito diferente de refutar.

Miguel Madeira said...

Eu creio que o Richard Stallman é mais ou menos de esquerda, mas também não sei se ele pode ser considerado "importante" (eu sou apenas um "observador externo").

No entanto, até o direitista Raymonds (provavelmente num dia em que quis mostrar que não era um Republicano) diz que o "Open Source" tem paralelos com o socialismo (num post a criticar os marxistas):

"What do radical Marxists want? Among other things, they want to upend the system of industrial capitalism, abolish property rights, and give control of production to the workers."

(...)

"Poor impotent radicals. After all their theorizing, they can’t recognize a real revolution even when its goals and actual achievements strongly parallel what they’ve been saying they want since 1860"

http://esr.ibiblio.org/?p=207

Quanto à Ayn Rand, das duas uma: ou ela iria ser contra o software livre, ou contra o software proprietário, e, em qualquer caso, arranjar uma racionalização qualquer para demonstrar que o sistema que ela embirrasse era "moralmente preverso" (duvido que ela achasse ambos moralmente aceitáveis).

Quanto ao Bryan Caplan, se calhar faço uma adenda sobre isso.

Anonymous said...

Eu vinha aqui por este linque porque me tinha esquecido do Paul Graham (não é open-source, mas um grande defensor do hacker): http://www.paulgraham.com/america.html, mas já agora li o post do Eric Raymond e não é nada que eu me envergonhasse de assinar, especialmente:

«
The easy, cheap shot would be to say [leftist radical] are too busy masturbating in front of their Che Guevara posters to notice what a successful revolutionary looks like. And there’d be lot of truth in that cheap shot; Western Marxists, in my experience, are more about self-congratulation on their own moral superiority and radical hipness than they are about actually changing the world they live in. They’d rather mouth the right slogans than do the hard work needed to actually realize the revolution they want.
»

Anonymous said...

caro luis pedro,

não sei porque foi buscar a palavra caridade. alias isto nada tem a ver com caridade, e toda a gente de extrema esquerda e de esquerda que eu conheço tem horror à caridade nem se identificam com ela.


os anarquistas tem valores em comum, embora os libertarians não sejam anarquistas, nem mesmo os anarco-capitalistas, isso é uma "contradiction in terms".

o linus, embora não o admita, é socialista. muitos hackers (não a maioria) são de extrema esquerda.

Anonymous said...

os unicos anarquistas que existem e que não são de esquerda, são os postleft anarchists.

Miguel Madeira said...

"o linus, embora não o admita, é socialista"

O agitador está a referir-se ao Linux ou ao Linus Torvald mesmo?

Anonymous said...

ao linus torvald.

Miguel Madeira said...

Já agora, sem qualquer relevância para esta questão:

Não me parece que os "paleos" (aquilo a que nos EUA é considerado a "extrema-direita") sejam grandes admiradores da Rand. Imagino que o Luis Pedro esteja a usar a expressão "extrema-direita" nalgum sentido diferente do "tradicional", não?

Miguel Madeira said...

http://www.linuxjournal.com/article/3655

Por este entrevista, ele não me parece propriamente de esquerda ou de direita. Parece-me apenas um típico europeu, transplantado para os EUA (ele diz que, nos EUA, é muito mais de esquerda do que de direita, que é o que se calhar a maioria dos europeus diriam)

Anonymous said...

ele nasceu num ambiente muito politizado.

apesar de dizer que não é interessado em politica, de certo que a sua personalidade foi influenciada por esse ambiente.

por outro lado, quando falo de socialista libertario, obviamente, não falo apenas de ideologia, mas tambem de forma de pensar. a realidade é que não se pode destrinçar uma coisa da outra.

por exemplo, numa entrevista ele disse que se estava a borrifar para o que as pessoas diziam, pensavam ou faziam com, no caso do linux, o que ele tinha feito.

ele fez aquilo por ele, como hobbie. isto trata-se de "amor egoista", tipico de stirner.

quando as pessoas falavam do fenomeno "free riding", de que falou nuns posts atras, ele simplesmente respondia que não fazia diferença, pois já tinha o programa para ele.

Miguel Madeira said...

"muitos hackers (não a maioria) são de extrema esquerda"

Realmente, este post do Dos Santos, nesse aspecto, concorda consigo.

http://myguidetoyourgalaxy.blogspot.com/2006/06/ainda-o-linux-e-o-open-source.html

"Isto porque, na realidade, uma parte bastante relevante (seria interessante saber estimativas para a percentagem) dos programadores de software da comunidade se define a si mesma como comunista ou simpatizante do anarquismo (no sentido apresentado pelo anarco-comunismo ou teses de âmbito e espectro idênticos"

Hoje deve postar uma ou duas respostas a esse post

Anonymous said...

Qual é a personagem importante do movimento soi hacker, soi open source que abertamente se diga socialista?

Claro que o Zé Maria de Santa Comba Dão pode ser aquilo e o João Francisco de Queluz de Baixo aqueloutro, mas das personagens importantes (escrito um livro ou começado um projecto influente), qual é que se diz socialista?

Não estou a falar de "entre as linhas lê-se que ele até é capaz de ter votado nos sociais-democratas em 1993, ouvia Beatles quando era pequeno e agora gosta de BWMs deportivos", estou a dizer afirmar-se socialista?

Não estou a dizer "não faz parte da direita tradicional" nem "não é republicano." Estou a dizer, diz-se socialista.

Quem?

Por outro lado, entre o Eric Raymond, o Paul Graham e o Jon Postel têm-se uma série de afirmações que são claramente políticas e libertárias.

O Matt Stone, um dos criadores do South Park (um desenho animado libertário: o Trey Parker, o outro criador, até é militante do partido; aqui há uns tempos também houve aqui na Europa um evento Reason com convidados South Park e Andrew Sullivan), diz que "até odeia os republicanos, mas ainda odeia mais os democratas" e esta é posição da maioria dos libertários americanos.

Agora se vamos dizer que os anarco-capitalistas não existem (porque é contradicção em termos), então estamos a ter uma discussão que não existe.

Anonymous said...

"estamos a ter uma discussão que não existe."

pois... luis pedro.

a questão é que na america e na europa as coisas são diferentes.

um libertario aqui é diferente de um libertarian lá.

de resto, não estamos a analisar as pessoas que fundaram isto ou aquilo, estamos isso sim, a analisar a natureza dos projectos e a sua filosofia.

o miguel e você até deram exemplos de direitistas que vêem algo em comum entre o que eles fazem e pensam e os socialistas, e criticam-nos pela inacção.

de resto, os unicos libertarios no sentido anarquista, e não estou a dizer que esas personagens não são libertarias, são os postleft anarchists.
estes tambem tecem duras criticas aos anarquistas de esquerda, até se dizem anti-esquerdistas.

se eles se declaram direitistas é uma coisa se se declaram anti esquerdistas e libertario-anarquistas, só podem ser post left anarchists.

Miguel Madeira said...

"de resto, não estamos a analisar as pessoas que fundaram isto ou aquilo, estamos isso sim, a analisar a natureza dos projectos e a sua filosofia."

Realmente, se nos fôssemos só guiar pela filosofia das pessoas envolvidas, teriamos que concluir que o capitalismo industrial era marxista (afina, Engels era um capitalista industrial).

Face a esta discussão, mantenho a minha posição inicial - depende do que definirmos por "capitalismo" e "socialismo". E se, seguindo as suas próprias definições, os liberais acharem que é "capitalismo" e os socialistas que é "socialismo" então, maravilha: está toda a gente contente.