Tuesday, April 03, 2007

"Alunos escolhem mais com o coração do que com a cabeça"

No DN de ontem, havia um artigo comentando que «[n]a altura de escolherem um curso, a maioria dos estudantes (39%) elege a "vocação" como o factor decisivo. A "empregabilidade" surge apenas em segundo lugar, sendo o motivo apontado num quarto dos casos (25,5%). Estes dados (...) sugere[m] que os estudantes se comportam como "clientes imaturos" nas suas opções. (...) "Não sei se podemos dizer que optam mal", ressalva Diana Amado Tavares, do CIPES. "O que podemos dizer é que eles não optam por critérios racionais. O critério da vocação é sempre subjectivo, sobretudo naquelas idades", explica.»

Ora, porque é que escolher com base na "vocação" há-de ser menos racional do que escolher com base na "empregabilidade"? Diana Tavares refere que a "vocação" é subjectiva. Se ela se refere à vocação depender das preferencias subjectivas do individuo, claro que depende, e depois? Estranho seria se as pessoas não fizessem escolhas de acordo com as suas preferencias.

Na verdade, eu suspeito que, com "subjectivo", o que Diana Tavares quer dizer é "impreciso" - isto é, que um aluno de 17 anos, ao escolher o curso, ainda não sabe bem o que gosta. Mas o mesmo se passa com a "empregabilidade" - o facto de haver menor percentagem de desempregados com o curso A do que com o curso B não quer dizer que, se um dado individuo tirar o curso A vai ter mais facilidade em arranjar emprego do que se tirar o curso B. É verdade que uma baixa taxa de desemprego dos alunos com um determindado curso é um indicio que, se um um dado individuo ir para esse curso, provavelmente terá facilidade em arranjar emprego. Mas o mesmo se passa com a "vocação" - julgar que se tem "vocação" para um dado curso também é um indicio que, provavelmente se terá vocação para esse curso.

Já agora diga-se que, se os alunos escolhessem o curso com base na "empregabilidade" tal podia revelar-se bastante "irracional" - se toda a gente fosse para o curso com melhores perspectivas de "empregabilidade", quer dizer que, ao fim de 4 anos (quando concluissem o curso), essa área estaria a abarrotar de gente à procura de emprego (ou seja, seria uma "profecia auto-destruida").

5 comments:

Pedro Fontela said...

Caro Miguel, há áreas e áreas... quem tem um enorme gosto e/ou talento pela literatura pode seguir a sua paixão sem ter em conta o critério da empregabilidade mas eu aposto que quando acabassem o diploma não lhes iria servir para rigorosamente nada. É triste que assim seja mas é a situação que temos hoje em dia.

Anonymous said...

"quem tem um enorme gosto e/ou talento pela literatura pode seguir a sua paixão sem ter em conta o critério da empregabilidade mas eu aposto que quando acabassem o diploma não lhes iria servir para rigorosamente nada."

Claro que servia. Mesmo tirando o facto de certos empregadores gostarem de ter empregados formados, mas não se interessarem muito por qual é a formação; um curso pode servir pelo prazer que dá tirá-lo. É perfeitamente aceitável que alguém diga que quer tirar um curso de literatura porque gosta sem que seja uma formação profissionalizante (desde que saiba e aceite que não vai ter emprego "na área"). É um curso visto como um luxo que se tem e não um investimento, digamos.

Pedro Fontela said...

Em termos de emprego e reconhecimento social servia-lhes para quê? Ao gozo de tirar o curso iria seguir-se a frustração do desemprego.

Miguel Madeira said...

"Ao gozo de tirar o curso iria seguir-se a frustração do desemprego."

Se ele estivesse consciente, logo à partida, que não iria arranjar trabalho nessa área e que o curso era só por uma questão de "auto-satisfação", não iria haver "frustração" nenhuma.

Um exemplo alternativo - imaginemos um licenciado em Economia que trabalhe a contar folhas de ponto (e que das cadeiras que fez no curso, só utilize, e vagamente, o que aprendeu em "Introdução à Informática"). Mesmo assim, ele pode não se sentir frustrado - pode usar os seus conhecimentos de Economia para participar em debates em blogues, p.ex.

Pedro Fontela said...

Miguel,

A adequação do trabalho ao nível de formação é uma componente da satisfação profissional. O exemplo que dás é possivel mas imporvável. Como argumento sistemático não se aguenta.