Tuesday, April 03, 2007

Acerca da "discriminação positiva"

Na mesma página do DN de ontem, estava uma noticia que as universidades britânicas estavam preocupadas com uma estatistica que o governo estava a coligir, referente às origens sociais dos alunos universitários. Pelos vistos, as universidades receiam que, de forma mais ou menos disfarçada, o governo pretende introduzir politicas de "discriminação positiva".

Ora, eu não sei como se processam a admissão às universidades no Reino Unido* - se é por um processo objectivo (notas), como em Portugal, ou se é por um processo subjectivo (em que intervenham factores como avaliação do curriculo, entrevistas aos candidatos, etc.).

No entanto, sem fazer ideia de como o sistema funciona, pelo teor da noticia, faz-me parecer que o sistema deve ter uma componente subjectiva. Porquê? Porque pareceu-me que as suspeitas são de que o governo quer implementar uma "discriminação positiva" disfarçada; ora, num sistema objectivo (nota de exame), é impossivel uma discriminação disfarçada - a única forma de discriminar é mesmo estabelecendo, abertamente, contingentes especiais (como acontece para os alunos dos Açores e da Madeira). Logo, se ninguém me corrigir, vou assumir que o admissão às universidades brirânicas tem critérios subjectivos.

Ora, se efectivamente a admissão às universidades for de acordo com critérios subjectivos, o caso contra a "discriminação positiva" perde muita força: o argumento tipico costuma ser "os alunos devem ser escolhidos de acordo com o mérito académico, não de acordo com a sua origem social!"; mas, se os alunos são escolhidos por outros critérios que não os exames, quer dizer que os alunos já não são escolhidos (apenas) de acordo com o mérito académico! Por exemplo, se na selecção houver entrevistas, isso faz logo que um dos factores que influenciará seja o "savoir-fair social" (algo que até pode ser contraditório com a capacidade académica - ou estarei a me deixar levar pelos estereótipos?).

* Para as universidades de elite norte-americanas, "Quem sai aos seus..." deu-me a impressão que recorrem, entre outros, a critérios como entrevistas e cartas de recomendação dos professores do secundário.

10 comments:

aL said...

«quer dizer que os alunos já não são escolhidos (apenas) de acordo com o mérito académico! Por exemplo, se na selecção houver entrevistas, isso faz logo que um dos factores que influenciará seja o "savoir-fair social"»

Miguel, consideras apenas como mérito académico os resultados pontuais do aluno [isto considerando que esse merito académico é revelado pelos resultados em exames]??

A entrevista não é apenas "savoir-fair social", por vezes os alunos estão mais à vontade na comunicação oral do que na escrita, e isso não diminui em nada o seu mérito académico e o seu conhecimento...

[ohhh.... o family ties :) ]

AMN said...

Miguel, penso que nas universidades portuguesas existem outros critérios, objectivos mas com justificações subjectivas (se é que isto é possível...). Existem diversas quotas de entrada, desde estudantes das ilhas a desportistas federados. Não estou muito por dentro da coisa, uma vez que não sou insular nem sequer desportista (muito menos federado!) e desconheço em que termos estão estabelecidas e se não existem outros critérios.
Um abraço,
a.

Miguel Madeira said...

"Miguel, consideras apenas como mérito académico os resultados pontuais do aluno(...)?"

Um exame, provavelmente, não é medida do mérito acabémico, mas um conjunto de exames, sim, penso que pode dar uma boa aproximação.

Aprofundando a questão, digo que os exames são melhores para ordenar os alunos do que para fazer uma avaliação absoluta - isto é, uma baixa nota em termos absolutos (digamos, um 7/20) não me parece grande prova que o aluno em questão saiba pouco em termos absolutos; mas ter a pior nota do exame já pode ser uma boa indicação que esse aluno sabe menos que os outros

Miguel Madeira said...

Alguns dados empiricos -

a) As minhas notas nos testes de matemática do 10º ano (escala de 0 a 20):

16-4-5-12,5-8 (sou capaz de me ter esquecido de algum, isso foi há 18 anos)

qualquer destas notas, tomada individualmente, poderia ser enganosa (nomeadamente o 16 ou o 4), mas em conjunto talvez signifiquem alguma coisa

b) a nota da melhor aluna da minha turma na prova de matemática para o ISCTE - vinte e tal por cento; em termos absolutos, de certeza que ela sabia muito mais do que essa nota; mas em termos relativos, foi a melhor nota da turma e acho que do Algarve, logo deve ter sido reveladora da sua posição relativa.

(outra conclusão que se pode tirar daqui é que não faz sentido as notas minimas para a entrada na faculdade)

aL said...

bom, diria que a minha opinião sobre o assunto est´+a um pouco condicionada pela experiência pessoal, uma vez que pertenço àquela geração de alunos que experimentou ano após ano novas metodologias de avaliação no ensino secundário.

E de facto, para a minha nota de entrada na universidade teve um excessivo peso a nota conseguida num único e determinado momento [e não falo das provas expecíficas para os cursos em causa], fazendo tábua rasa do "percurso" académico até então.

é curioso, agora que penso nisso eu entrei no curso que era a minha 1º hip. vocacional mas que era apenas a 3ª aposta em termos de empregabilidade.

bom, acho que dispersei... voltando ao assunto do post não me choca nada que sejam usados metodos subjectivos de avaliação, como as tais entrevistas, por exemplo.

Pedro said...

Só não entendo porque se os métodos de selecção forem subjectivos, com o tal "savoir faire" social e a entrevista, nesse caso já faz mais sentido a discriminação positiva. O argumento do mérito das notas não deve ser mais forte do que o argumento de um bom desempenho numa entrevista (com ou sem savoir faire social). Quer dizer que a subjectividade tem de abrir brechas para critérios como a discriminação positiva? Tornar assim a subjectividade mais objectiva? Não será o mesmo que dizer "já que os métodos nem objectivos são vamos favorecer as minorias coitadinhas"?

Miguel Madeira said...

"já que os métodos nem objectivos são vamos favorecer as minorias coitadinhas"

Bem, a "discriminação positiva" que se falava até era a favor do que penso seja a maioria (os filhos de pais não-licenciados), mas isso não afecta muito a questão.

Mas, no fundo, o meu argumento acaba por ser esse, exactamente. Nas minhas palavras "Já que os métodos nem objectivos são, porque não favorecer os grupos desfavorecidos? Já que, de qualquer maneira, isto é uma lotaria."

Miguel Madeira said...

Agora, ocorreu-me uma questão sobre o conceito de "discriminação positiva". Imaginemos que um grupo representa 35% da população, e que uma universidade estabelecia quotas de "pelo menos 20%" para membros desse grupo. Será que poderíamos chamar "discriminação positiva" a um caso desses?

Pedro said...

Miguel

"Imaginemos que um grupo representa 35% da população, e que uma universidade estabelecia quotas de "pelo menos 20%" para membros desse grupo."

É por isso mesmo que a dita discriminação positiva, no meu entender, nunca faz sentido. É precisamente assente em cálculos desses, grosso modo, que ela foi posta a funcionar em muitos estados americanos. A discriminação nunca é positiva seja em que cálculos ela for calculada. Nunca encontraremos uma lógica que a justifique em pleno, por isso eu acho preferível deixar que o mérito funcione e seja avaliado com isenção e imparcialidade.

Miguel Madeira said...

"É por isso mesmo que a dita discriminação positiva, no meu entender, nunca faz sentido"

Pode fazer sentido para neutralizar "discriminações negativas" - estabelecendo um minimo para cada grupo (mesmo que inferior ao peso demográfico desse grupo), dificulta a vida a quem queira discriminar contra esse grupo.

Voltando ao exemplo das universidades, a "discriminação positiva" a favor dos filhos de não-licenciados poderia contrabalançar a discriminação que, num sistema de selecção por entrevista, pode haver a favor de "filhos de boas familias" (ou de filhos de amigos ou antigos colegas de professores da universidade).