Tuesday, September 23, 2008

Contradição?

Paulo Pinto Mascarenhas escreve "Não percebo porque é que alguma esquerda está tão incomodada com as nacionalizações de grandes empresas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Mas não foi isso que sempre defenderam?".

Em primeiro lugar, nem me parece que haja muita esquerda incomodada com a nova vaga de nacionalizações no Hemisfério Norte - os comentários a elas parecem oscilar entre o triunfalista e o gozo, não o incómodo. O incómodo parece ser pela crise que levou às nacionalizações, não a elas.

Aliás, até me parece que a esquerda tem gasto mais tempo a criticar a "direita idealista" que se opõe às nacionalizações, bail-outs e afins do que a criticar a "direita pragmática" que os está a pôr em prática - ou seja, o discurso padrão da esquerda não tem sido "não temos nada que gastar os dinheiros públicos a salvar os capitalistas privados" mas sim "a desregulamentação permitiu aos capitalistas e gestores fazerem asneiras e agora, por culpa disso, vai ser necessário gastar os dinheiros públicos para salvar a economia"; nem sei se, ultimamente, muita esquerda (e não me estou a excluir) não estará a desempenhar o papel de "idiotas úteis" ao serviço do grande capital e da Administração Bush (criticando o que eles fizeram no passado, mas dando apoio implícito ao que estão a fazer agora) - será por isso que a Sonae nos patrocina?

Em segundo lugar, antigamente a esquerda gostava era de nacionalizações sem indemnização ou que, pelo menos, dessem prejuízo aos capitalistas (ainda hoje em dia, parte da esquerda venezuelana critica o Chavez por ele andar a pagar muito pelas empresas que nacionaliza) - não de nacionalizações em que o estado ainda paga por empresas provavelmente com valor negativo.

Finalmente, alguêm de esquerda que não estivesse particularmente entusiasmado com estas nacionalizações até não teria dificuldade em arranjar base teórica para o seu cepticismo - afinal, nos "bons velhos tempos" a posição da esquerda pura e dura era de que as nacionalizações no contexto do sistema capitalista e do estado burguês frequentemente mais não eram do que uma forma de "socializar os custos e privatizar os lucros".

Um exemplo - uma passagem de "Uma Introdução à Economia Política", dos trotskistas Pierre Salama e Jacques Valier, publicado inicialmente em 1973 pelas Edições Maspero:
"Finalmente, além das despesas públicas propriamente ditas, deve-se igualmente ter em conta as intervenções estatais através das empresas nacionalizadas. O Estado tomou a seu cargo sectores de base, que muitas vezes não são rentáveis [Chega, por vezes, a desnacionalizar empresas que tinham sido nacionalizadas porque não eram rentáveis, mas que passaram a sê-lo: exemplos, em França, podemos citar uma parte das telecomunicações, uma parte do sector de construção, etc.]. Essas nacionalizações, em alguns casos, fizeram-se sobre pressão da classe operária: por exemplo, em França, em 1945. Mas o Estado burguês não tendo sido destruído, as empresas nacionalizadas foram utilizadas no sentido dos interesses da burguesia, quer o Estado as utilize para fornecer aos monopólios energia e matérias-primas baratas, quer as torne rentáveis, isto é, valorize o capital público"

7 comments:

Anonymous said...

resumindo, este episodio nao é nada de novo, a nao ser na questao da dimensao.

em relaçao a esquerda... eu acho que o estado americano fez bem em agir, afinal apenas limpou a borrada em que se meteu.

Anonymous said...

Tanto tempo gasto para criticar o Paulo Pinto Mascarenhas!

Não vê o Miguel Madeira que esse pobre diabo não passa de um ex-assessor governamental, ainda por cima de um mau ministro (Paulo Portas), que se dedica à propaganda política, na esperança - vã - de o voltar a ser?

Não tem mérito intelectual para ser criticado pelo Miguel Madeira.

Luís Lavoura

Anonymous said...

Este é gozo ou triunfalista?

Anonymous said...

ter o privilegio de patrocinar ad eternum a existência do capitalismo financeiro não me parece motivo de regozijo para ninguém de esquerda. Muito se fala da criação de fundos, da distribuição de liquidez da emissão de moeda, mas afinal alguém já disse o que é que vai ou tem de acabar? Isto não é apenas salvar o esquema existente ignorando o facto de ele ser sustentável ou não?

Anonymous said...

"os comentários a elas parecem oscilar entre o triunfalista e o gozo, não o incómodo"

Eu tenho visto muita esquerda incomodada com a "socialização dos custos e a privatização dos lucros" (como os bónus dos gestores das instituições falidas). Logo, a oscilação vai até ao ponto descrito pelo PPMascarenhas.

Marco Gomes said...

Opinião correcta (na minha opinião), caro Miguel Madeira.

Nacionalizar foi um passo preciso e essencial (imagine o que Bush e cia. sofreram e sofrem com tais medidas).

Agora, concordo com o "desvio de atenções" perante as causas que levaram à 'crise'. São estas as preocupações que devem ser debatidas incessantemente.

Paulo Pinto Mascarenhas said...

Aceito as opiniões de (quase) todos. Mas o sr. Lavoura tem um problema psicossomático, não tem?