Sunday, March 17, 2013

O caso de Chipre

Tenho a ideia que muita gente está a achar a situação de Chipre como pior do que é efectivamente, tanto na versão "estão a ver do que a troika é capaz?", como na "estão a ver o que aconteceria se não fosse a troika?".

No fundo, o que é que tem assim de tão especial confiscar 6,5% ou 10% dos depósitos bancários? Pelas minhas contas, se me confiscassem 10% do que eu tenho no banco, seria menos do que os subsídios de férias e Natal que deixei de receber o ano passado.

Fazendo as contas de outra maneira - se (como por vezes é recomendado) tivermos poupanças no banco equivalentes a 6 meses de ordenado, um imposto de 10% sobre os depósitos equivale ao valor anual de um imposto de 5% sobre os rendimentos. Em aumentos do IRS e do IVA já tivemos muito mais que isso.

Suspeito que o título enganoso do Público ("Cipriotas em choque tentam levantar dinheiro mas contas já estão bloqueadas") terá contribuído para fazer a situação parecer pior - quem lesse só o título ficaria com a ideia que tinha havido um "curralito" à argentina, sem se puder mexer nas contas; afinal, a única coisa que está "bloqueada" é o dinheiro equivalente ao imposto que vai ser pago.

É verdade que isto é potencialmente perigoso, mas não tanto para Chipre - é perigoso para países como a Espanha ou a Itália, onde as pessoas podem pensar "E se decidem fazer o mesmo aqui?", e ir já levantar o dinheiro, antes de isso ser decidido (provocando assim o colapso dos bancos desses países).

Uma nota final - a evolução de Chipre pode funcionar como uma "experiência natural" no contexto da discussão sobre se a austeridade afecta a economia pelo efeito Laffer (mais impostos > menos incentivos para produzir) ou pelo efeito Keynes (mais impostos e menos despesas > redução da procura) - um imposto sobre os depósitos não tem "efeito Laffer" (como incide sobre o dinheiro que já foi ganho e poupado, não vai afectar incentivos para as decisões futuras de trabalhar/investir mais ou menos), mas tem "efeito Keynes" (como as pessoas passam a ter menos dinheiro no banco, passam a gastar menos).


1 comment:

PR said...

Foi exactamente nisso que pensei. Mas acho que na prática poderá ser difícil usar este caso como um verdadeiro "teste", na medida em que se houver uma recessão os "lafferianos" tenderão a dizer que não foi o efeito "procura" a agir, mas sim o efeito "confiança na banca" (com alguma razão, parece-me).