Thursday, November 26, 2015

Afinal muita coisa é só para 2017

Impostos. O que muda (e o que não muda) em 2016 :

Em meados deste mês, o economista Mário Centeno (...) anunciou em entrevista que (...) seria criado um novo escalão de IRS para os mais pobres. Este escalão estaria ligado "à questão do complemento salarial anual, que é a criação do imposto negativo de um crédito fiscal", ou seja, "criar um novo escalão de IRS abaixo dos escalões que já existem". Mas este objetivo não se deverá cumprir através do Orçamento de Estado (OE) para 2016, segundo Fernando Rocha Andrade. (...)

A progressividade do IMI, outra promessa do Governo, também terá de esperar por 2017. Os socialistas pretendem, entre outros aspetos, introduzir no Imposto Municipal sobre Imóveis mecanismos semelhantes ao que existem no IRS: casas mais caras pagam mais; casa mais baratas pagam menos. Até agora, o sistema tem sido proporcional: a percentagem para todos os imóveis é igual, definida pelas autarquias, independentemente do valor do que é tributado. Esta é outro a tema a "exigir estudo", pelo que "nuca será aplicada antes de 2017", referiu o secretário de Estado.

O aumento da taxação dos dividendos também ficará adiada por outro ano. Atualmente, só paga imposto quem detenha participações inferiores a 2%. Agora, o novo Governo pretende alargar a base de incidência do imposto, fixando a fasquia de isenção em 10%. A medida, prevista no acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda, será mais uma das que precisa de ser analisada com mais tempo.

Do mesmo problema padece a questão das compensações de crédito. Neste momento, uma empresa que seja devedora ao Fisco de mil euros (devido aos pagamentos especiais por conta) e tenha a receber dez mil euros (em devolução por acerto de IVA), não poderá receber esta quantia enquanto não pagar o que deve. O Governo socialista pretende que estes dois pagamentos possam ser acertados. Apesar de esta medida possa ser criada por despacho governamental, sem ter de ser aprovada em Parlamento, também não será para já implementada: "precisa de ser estudada".

Wednesday, November 25, 2015

A pobreza causa terrorismo?

O papa parece considerar que sim.

No entanto, tal parece ser desmentido pela evidência empírica:

Cash rewards and poverty alone do not explain terrorism [PDF], por Alan Kruguer (2003):

The stereotype that terrorists are driven to extremes by economic deprivation may never have held anywhere, least of all in the Middle East. New research by Claude Berrebi, a graduate student at Princeton, has found that 13 percent of Palestinian suicide bombers are from impoverished families, while about a third of the Palestinian population is in poverty. A remarkable 57 percent of suicide bombers have some education beyond high school, compared with just 15 percent of the population of comparable age.

This evidence corroborates findings for other Middle Eastern and Latin American terrorist groups. There should be little doubt that terrorists are drawn from society's elites, not the dispossessed. (...)

It is still possible that well-off people in poor countries with oppressive governments are drawn to terrorism. (...)

To investigate this possibility, I have analyzed data the State Department collects on significant international terrorist incidents. The home countries of the perpetrators of each event were identified. More terrorists do come from poor countries than rich ones, but this is because poor countries tend to lack civil liberties.

Once a country's degree of civil liberties is taken into account -- measured by Freedom House, a nonprofit organization that promotes democracy, as the extent to which citizens are free to develop views, institutions and personal autonomy without interference from the state -- income per capita bears no relation to involvement in terrorism. Countries like Saudi Arabia and Bahrain, which have spawned relatively many terrorists, are economically well off yet lacking in civil liberties. Poor countries with a tradition of protecting civil liberties are unlikely to spawn terrorists.

Evidently, the freedom to assemble and protest peacefully without interference from the government goes a long way to providing an alternative to terrorism. (...)

The ultimate joke would be if civil liberties are sacrificed in the fight against terrorism, as a lack of civil liberties seems to be a main cause of terrorism around the world. Support for civil liberties should be part of the arsenal in the war against terrorism, both at home and abroad.
Apesar de tudo, pode haver um efeito indireto - por regra geral, os países com um nível de vida elevado tendem a ter mais liberdades civis do que os países em que há muito pobreza; o sentido da relação causa- efeito (se é que há algum) é discutível, mas se a pobreza contribuir para restrições das liberdades civis, e se (como parece demonstrado) poucas liberdades civis conduzem a terrorismo, então poderá haver aqui um canal indireto pelo qual a pobreza acabe por causar terrorismo; note-se que este mecanismo indireto não implica que os terroristas sejam pessoalmente pobres: mesmo que seja a pobreza a causar regimes autoritários, o autoritarismo afeta toda a gente vivendo nessas sociedades, sejam pobres ou, digamos, jovens universitários ou recém-licenciados da classe média-alta.

Sunday, November 22, 2015

Cavaco Silva, o presidente que sabe como reforçar as alianças?

Recordo o que escrevi em 2013:

...talvez a recomendação presidencial de negociações tripartidas PSD-PS-CDS tenha contribuído para melhor as relações entre o PSD e o CDS: nas negociações bilaterais entre o PSD e o CDS, gerava-se automaticamente uma dinâmica de "eu contra ti", com cada partido a tentar extrair concessões do outro; a partir do momento em que passaram a trilaterais, provavelmente gerou-se uma dinâmica de "nós contra ele", com o PSD e o CDS a fazerem "frente unida" contra o inimigo comum (aliás, a existência de um inimigo externo sempre foi, ao longo da História, uma das melhores receitas para juntar facções até então desavindas)...

Será que não se está a passar algo parecido agora com os acordos entre o PS, o BE e o PCP (neste momento suponho que os 3 partidos dão-se melhor do que se dariam se Costa tivesse sido logo indigitado)?

Tuesday, November 17, 2015

Porque os bancos andaram a emprestar a Portugal?

No Destreza das Dúvidas, Fernando Alexandre interroga-se sobre "o que terá levado os mercados financeiros a cederem-nos crédito a jorro, mesmo depois de se terem tornado evidentes os bloqueios estruturais que conduziram à estagnação da nossa economia desde o início do século XXI. O rendimento de Portugal deixou de crescer, o desemprego não parou de aumentar e os activos da economia portuguesa desvalorizaram-se, mas continuaram a emprestar-nos dinheiro."

 É verdade que em termos reais a economia portuguesa quase não cresceu este século - mas será que da perspetiva de um credor o crescimento real será o mais relevante? Imagine-se que eu emprestava 100.000 euros a alguém (um estado, um indivíduo, uma empresa, penso que não faz grande diferença) no estrangeiro, vivendo num país (usando o euro como moeda) com um crescimento económico real de -10% (ou seja, com a economia em recessão profunda)... e uma inflação de 80%; apesar da recessão seria um investimento muito arriscado? Talvez não - mesmo que o rendimento real do meu devedor estivesse a diminuir, o seu rendimento nominal estaria a aumentar, e é sobretudo o rendimento nominal dele que me interessa para saber se ele vai ter capacidade para me pagar os 100.000 euros (e mais os juros) de volta.

Pode-se dizer que se a inflação nesse país é assim tão alta, não é boa ideia emprestar dinheiro a alguém nesse país, já que a inflação vai reduzir bastante os juros reais (ou, então, só emprestar a um juro nominal elevado) - mas a mim a taxa de inflação no país onde vivem os meus devedores não me interessa para nada para o meu juro real, faço as contas é com a inflação do meu país; um exemplo, se eu vivo no país A com uma inflação de 2%, é melhor negócio fazer uma aplicação financeira no país B, com um juro nominal de 5% e uma inflação de 6%, do que no país C, com um juro nominal de 3% e uma inflação de 0%.

Bem, e então como evoluiu o crescimento nominal e real da economia portuguesa neste século?

Foi à base de dados do Eurostat, peguei nas estatísticas "GDP and main components - Current prices [nama_gdp_c]", "GDP and main components - Price indices [nama_gdp_p]" e "GDP and main components - volumes [nama_gdp_k]" (confesso que não estou seguro que estas sejam as melhores estatísticas para investigar o que quero saber, mas foram as primeiras que achei), de 2000 a 2010 para alguns países, trabalhei-as um bocadinho, e cheguei a estes resultados:



Taxa de crescimento
PIB real Inflação PIB nominal
Euro-18 12,1% 20,7% 35,2%
Alemanha 10,0% 10,8% 21,9%
Irlanda 27,4% 17,5% 49,7%
Grécia 22,3% 31,7% 61,1%
Espanha 22,4% 35,6% 66,0%
França 11,7% 20,4% 34,5%
Itália 3,7% 24,9% 29,5%
Portugal 7,1% 26,8% 35,8%

Atenção que estas percentagens são o crescimento total de 2000 a 2010, não é uma taxa anual de crescimento; bem, e o que concluo daqui? Que em termos de crescimento real Portugal foi uma desgraça no século XXI, mas em termos de crescimento nominal não foi mau de todo (esteve abaixo dos outros PIIGS, mas a um nível similar à média da zona euro); logo, se fizer sentido assumir que para os credores o crescimento nominal seja mais importante que o real, poderá estar aqui uma explicação para estes terem demorado uma década até deixarem de emprestar dinheiro?

"Matar em nome de Deus é converter Deus num assassino"

Muitos dos meus amigos andam a repetir isso nas redes sociais; é intenção deles é boa, mas a verdade é que a aceitarmos como verdadeira a suposta biografia autorizada de Deus (a.k.a. Bíblia - sobretudo o Antigo Testamento, aceite tanto por judeus como cristãos, e creio que mesmo os muçulmanos discordam nos detalhes - estilo se era Isaac ou Ismael que ia ser sacrificado - mas aceitam o geral da linha narrativa) já temos vários episódios que fariam de Deus um assassino - dilúvio, Sodoma e Gomorra, primogénitos do Egito, etc. (e aí nem são casos de alguém a matar em nome de Deus - é mesmo Deus propriamente dito a proceder a assassínios em massa).

Thursday, November 05, 2015

O que é a classe média (post n+1 sobre o assunto)?

What Middle Class?, por Marian Coombs, em The American Conservative:

Everyone loves the middle class. Everyone claims to be middle-class—some to put a gloss on their sketchy escutcheons, others to dodge chastisement for their awkward riches. But in fact both the socioeconomic reality and the concept of the middle class have been turned on their heads and, at the same time, trivialized into a mere lifestyle choice.

Economically, the middle classes were once proprietors, self-employed owners of property and their own labor. Morally, they were the equivalent of “solid citizens”: decent, hard-working, law-abiding, temperate, proper, staid, virtuous, and—well, moral. The qualifications for being middle class have gotten a whole lot looser, to say the least. (...)

Circa 1800, 80 percent of Americans were self-employed. By 1870 it was 41 percent. By 1940 it was 18 percent. By 1967 it was only 9 percent. (The figures are from Victoria Bonnell and Michael Reich, Workers in the American Economy: Data on the Labor Force.) Now, we are told, it is really only the “One Percent.” 

“Middle class,” meanwhile, came to mean anyone who works for a living. It is not unusual to see “middle class” and “working class” used interchangeably, which has led to the cheesy equivalence of “white collar” and “blue collar.” Even the unemployed are now eligible for elevation to the great middle. Anyone who has clung to a part-time job or might get one via state largesse is potentially middle-class. Only the rich don’t qualify.

Middle class, in other words, has completely lost its socioeconomic bearings.

Wednesday, November 04, 2015

"Rendimento Básico Incondicional", "Rendimento Social de Inserção" e "Complemento Salarial" - hipótese de um entendimento mínimo?

Em primeiro lugar, para quem não saiba bem a diferença entre os três, ver aqui ou (numa versão mais complexa) aqui (o "complemento salarial" é o que eu nos posts chamei "estilo EITC").

Apesar das polémicas entre os defensores de cada um dos três modelos, talvez haja uma coisa em que possam concordar; atualmente, por cada euro de rendimentos do trabalho auferido por beneficiários do RSI, são descontados 85 cêntimos no valor do subsídio; e se esse valor for reduzido (p.ex., para 75 cêntimos), de forma a que o ritmo a que o RSI desce à medida que o rendimento familiar aumenta seja menos acentuado?

- Os defensores do sistema RSI poderiam ser a favor, já que significaria à mesma mais dinheiro para grande parte dos beneficiários do RSI

- Os defensores do sistema RBI também poderiam ser a favor, já que é um passo no sentido de universalizar a prestação (no fundo, se o desconto por euro recebido descesse para 0 cêntimos, o RSI tornaria-se algo quase igual a um RBI)

- os defensores do sistema EITC/Complemento Salarial também poderiam ser a favor, já que esse aumento dos subsídios seria canalizado exatamente para os trabalhadores com baixos salários, que é suposto serem os destinatários do "complemento"

Agora, uma potencial objeção - uma medida dessas não poderá ter exatamente a mesma objeção que eu aqui faço ao Complemento Salarial, que se pode converter indiretamente num subsídio ao empregadores (pelo efeito de aumentar a oferta de trabalho e assim fazer baixar os salários)?

Depende do que estivermos a comparar - um RSI em que se desconte 75 cêntimos por cada euro ganho poderá levar a uma maior oferta de trabalho do que um RSI em que se desconte 85 cêntimos por euro (digo "poderá" por causa dos dois possíveis efeitos contraditórios que refiro no fim deste post), logo a salários mais baixos; mas nunca serão mais baixos do que num sistema em que não exista RSI (pelo contrário, dependendo dos moldes em que for desenhado, um sistema de EITC/Complemento Salarial, poderá levar mesmo a salários mais baixos do que haveria se o estado não fizesse nada).

[Post publicado no Vias de Facto - podem comentar lá]

Patriotismo - uma forma de "politicamente correto"?

Patriotism as Political Correctness: The Conquest of America, por Bryan Caplan:

I scorn political correctness in all its forms - and its most widespread and successful form is patriotism.  Think about it: Schools take millions of kids, then endlessly tell them they all belong to the same glorious blameless imaginary community.  Any child who thinks otherwise - who insists that his so-called "fellow Americans" are mere strangers with no special claim on his time or affection - is a pariah.  The patriotism of political correctness is so powerful that only a few iconoclasts treat it as controversial.

Tuesday, November 03, 2015

As revoluções são violentas?

A Paradise Built in Hell, por Robert Kirchner (Center for a Stateless Society):

Solnit’s discussion of the similarity between disaster responses and political revolutions includes a striking insight. We are used to thinking of revolutions as often violent events; indeed, it is a staple of classic conservatism, from Burke onwards, that revolutions inevitably lead to bloodbaths. In fact, revolutions proper, i.e. the sudden overthrow of existing state power, are typically relatively bloodless (e.g. the storming of the Bastille, the establishment of the Paris Commune, the Zapatista uprising in Chiapas). It the reconquest of such a society by those who want to establish a new state, or a return of the old state, that results in bloodbaths.
[O artigo é sobretudo sobre desastres naturais - esta referência às revoluções até aparece numa nota de rodapé]

Monday, November 02, 2015

Decapitações

Algo que li num comentário a um artigo da Reason (artigo isso que provavelmente voltarei a linkar daqui a uns dias ou semanas, mas achei que este comentário mereceu o seu próprio post):

So she either defers to French law or she defers to Islamic tradition.

Knowing full well the barbaric extent of Islamic tradition, I think I'd rather "suffer" the imposition of laicite. France hasn't beheaded anyone since 1789. Muslim-majority societies haven't had a beheading since, uh... 20 minutes ago?