Pelo menos no que diz respeito ao desempenho profissional.
Emotional intelligence can predict performance – but not as well as you might think, por Lorenzo Galli:
Have you heard recent claims about the power of emotional intelligence? Are you considering using an emotional intelligence assessment tool? Some say that emotional intelligence (EI) 1 is a good predictor of people’s job performance. The idea is that if you are more emotionally intelligent — which means that you can understand and regulate your emotions, and empathize with others — you will perform better. Many have been skeptical about this statement, which is why independent scientists tried to verify this relationship with a rigorous study. (...)
They found that emotional intelligence correlates moderately (0.29) with job performance as evaluated by supervisors. This means that emotional intelligence can predict only 8.4% of your people’s performance. This moderate degree of correlation between EI and job performance is not as strong, or practically useful, as most EI advocates usually claim. As a comparison, General Mental Ability — which correlates strongly with job performance (0.51) — can predict 26% of one’s performance at work.
O artigo faz mais algumas criticas ao conceito de "inteligência emocional", mas essas outras já não as acho muito relevantes (basicamente os autores também dizem que mesmo o pouco efeito da "inteligência emocional" desaparece totalmente quando se controla para outros traços da personalidade - como estabilidade emocional, responsabilidade e extroversão - mas isso não refuta que há uma conjunto de traços psicológicos que tem influência no desempenho profissional, apenas põe em causa a relevância de os juntar num agregado chamado "inteligência emocional").
Contexto - há dias Josie Cluer publicou um artigo, "
Three traits more important than being clever – but we don’t teach them til you get to work", a n-ésima versão da teoria "na vida real a inteligência emocional e outros fatores psicológicos interessa muito mais que a inteligência propriamente dita"; em resposta,
Rob Briner publicou
uma porção de links para artigos e estudos (incluindo este) desmentindo essa tese.
Mas ocorre-me uma possibilidade talvez ainda mais radical - a invocação da "inteligência emocional" costuma vir acompanhada pela conversa de "a escola só se preocupa em desenvolver as capacidades intelectuais dos alunos, quando depois na vida profissional a inteligência emocional interessa mais"; mas, será que não é ao contrário? Será que não acaba por ser na vida real (ou pelo menos no trabalho) que a inteligência tradicional interessa mais, enquanto é exatamente na vida escolar (ou pelo menos na fase da vida associada à frequência da escola) que a "inteligência emocional" é mais necessária?
O meu raciocínio - parece-me que no mundo do trabalho é relativamente fácil trocar aptidões sociais e emocionais por aptidões técnicas, no sentido de, se alguém for bom no seu trabalho, as outras pessoas não se importarem com algumas "excentricidades" comportamentais que ele possa ter (no fundo,
isto transposto para o mundo real); um possível exemplo: em tempos trabalhei num serviço em que, uns dias antes de para lá ir um novo trabalhador, a pessoa que o havia escolhido para aquele cargo fez uma espécie de briefing informativo aos seus futuros colegas dizendo "o gajo é um bocado esquisito, mas dá muito jeito para os computadores". Em compensação, na vida escolar um professor não tem grandes incentivos para aceitar as maluquices de um aluno, por mais intelectualmente brilhante que este seja. E, sobretudo se pensarmos, como disse atrás, "na fase da vida associada à frequência da escola" (ou seja, infância e adolescência) e não apenas na escola, a importância da "inteligência emocional" ainda mais relevante se torna - nessa fase da vida, praticamente tudo depende de conseguirmos manipular emocionalmente as outras pessoas (e não apenas pais, professores, educadores, etc. mas provavelmente mesmo os próprios colegas - ver, p.ex.,
este texto de Paul Graham onde ele refere que a frequente ausência de objetivos reais a serem atingidos torna a vida social dos adolescentes um puro "concurso de popularidade", em que o "ser popular" depende unicamente da habilidade para ser popular, e não de qualquer outra aptidão).
Além disso, a vida escolar frequentemente envolve uma muito maior arregimentação do que a vida profissional: na escola - ou pelo menos no ensino básico; no ensino superior tende a ser ao contrário - temos muito menos liberdade para escolher o que queremos fazer e mesmo a que horas o fazer, enquanto na vida adulta temos algum poder para escolher a nossa profissão ou mesmo o horário de trabalho (sobretudo se o mercado de trabalho estiver numa fase favorável aos trabalhadores) e muitas pessoas até têm horários flexíveis ; assim, sendo, é legítimo supor que as pessoas que ainda andam na escola precisem muito mais de "inteligência emocional", já que terão muito mais necessidade de controlar as suas emocões para se auto-motivarem para coisas como estudar para uma matéria que não os entusiasma ou levantarem-se a uma hora que vá contra o seu ciclo biológico natural (e, já agora, imagino que na vida profissional seja tão mais fácil alguém conseguir escolher a sua profissão, horário de trabalho ou até ter direito a um horário flexível quanto maior forem as suas competências técnicas específicas, o que pode ser mais um exemplo de alguém conseguir compensar com inteligência a baixa "inteligência emocional").
A este respeito, lembrei-me de um post que escrevi há uns nove anos,
Há prejuizos sociais na educação (II)?, onde falei dos estudos feitos pela pedopsiquiatra germano-escocesa Sula Wolff acerca de crianças e jovens com inteligência normal (ou até acima do normal) mas com grandes problemas de ajustamento social, em que esta concluía que na maior parte dos casos esses problemas largamente desapareciam quando eles deixavam a escola, e citava a mãe de um dos seus pacientes:
"He didn't really enjoy being at school and trying to learn wahat other people wanted him to learn nor the way they tried to do it. He always wanted to go his own way. He hasn't basically changed. It's just easier when you are not at school. (...) [He] is a non-conformist and if press [him] too far, you'll disturb him." (...)
"[there are] a lot of individuals with basically nothing wrong with them but at the extreme of the personality... school adive to insist and conformity (...) really makes matters worse"
Agora, há aqui um ponto - realmente os tais estudos indicam que a "inteligência emocional" tem pouco impacto na performance dos empregados; mas as pessoas, na sua maioria, não trabalham para serem produtivos para o seu empregador: trabalham para ganhar dinheiro (o ser produtivo é apenas um meio para atingir esse fim). Portanto a grande questão deverá ser "a «inteligência emocional» aumenta a produtividade dos trabalhadores?" mas sim "a «inteligência emocional» aumenta o salário dos trabalhadores?". Uma visão mais ortodoxa da economia diria que as coisas estão ligadas, e portanto qualquer efeito da "inteligência emocional" sobre a produtividade terá um efeito de nível similar sobre os salários; mas uma visão menos ortodoxa, que tenha em atenção coisas como os salários serem por vezes negociados, poderá ser mais otimista face às vantagens da "inteligência emocional": mesmo que não sejam muito mais produtivas, pessoas "inteligentes emocionalmente" tenderão (quase por definição) a ser melhores a negociar o seu salário do que "burros emocionais"; além disso, se existir um núcleo de empregos que só podem mesmo ser desempenhados por pessoas com alta "inteligência emocional" (p.ex. vendas), isso poderá aumentar os ordenados dessas pessoas mesmo fora desses ramos, já que o facto de terem essa saída profissional alternativa dá-lhes força na negociação de salários; finalmente, como é provável que pessoas com alta "inteligência emocional" tenham redes de contactos sociais maiores, mais facilmente saberão de bons empregos (e/ou melhor pagos) disponíveis.
Este estudo,
The Effects of Education, Personality, and IQ on Earnings of High-Ability Men [pdf] (que linkei
neste post de 2014 - este blogue está a tornar-se muito recursivo...), indica que (para o grupo restrito de pessoas estudadas) o rendimento tem uma correlação positiva com o "Quociente de Inteligência" mas negativa com traços de personalidade como "introversão" e "abertura (curiosidade intelectual)"; como escrevi no post, "rendimento ao longo da vida será positivamente relacionado com inteligência, mas negativamente relacionado com traços de personalidade (...) que, pelo menos a nível dos estereótipos populares, até costumam ser associados a inteligência". E o efeito positivo da extroversão até é maior do que o da inteligência, o que pode indicar que, quanto se trata de ganhar bem e não apenas de ser produtivo, fatores que podem ser classificados como parte da "inteligência emocional" até valem mais do que a inteligência propriamente dita.
A este respeito, ver também ainda este meu outro post,
Contra as "soft skills", que acho que acaba por ser também relevante para isto.