Monday, March 13, 2006

A questão da propriedade intelectual

Acerca da polémica entre o CMF e o agitador acerca da propriedade intelectual, há varios argumentos que podem ser usados, quer para a defender, quer para a atacar.

Um poderoso argumento a favor da "propriedade intelectual" parece-me mesmo o de que os artistas/intelectuais/cientistas/inventores, etc. precisam de viver, e, para isso, precisam de poder obter um rendimento com a sua actividade. No entanto, há várias criticas que podem ser feitas este argumento:

  • Em primeiro lugar, é um argumento que perde grande parte da sua importancia se a discussão não for se deve haver PI, mas sim se este deve durar 10 ou 80 anos (direitos de propriedade intelectual com vida curta são suficientes para assegurar um rendimento ao autor - e, sobretudo, direitos que se mantêm décadas após a morte são dificilmente justificáveis), ou se a PI deve restringir todas as formas de uso ou apenas algumas (p.ex., algumas licenças Creative Commons continuam a dar aos criadores alguma propriedade sob a sua "criação", mas menos que a PI tradicional: há licenças que autorizam o uso livro em "paises em desenvolvimento", ou se for para fins não-comerciais, etc.);
  • Muito antes de haver "copyrights" e similares (por exemplo, no Renascimento), os artistas/cientistas/inventores/etc. sobreviviam. Mesmo sem PI, um escritor pode, por exemplo, fazer um contrato com um editor em que este lhe pague para editar o seu livro, ou um dramaturgo pode ser pago por um teatro para escrever peças. Claro que, em principio, o pagamento será menor do que se houvesse "direitos de autor", já que o editor (ou o teatro) está apenas a pagar o privilégio de ser o primeiro a publicar o livro (representar a peça), não o único (já que, a partir do momento em que o livro é publicado - ou a peça representada - outros podem copiar).
  • Os criadores podem obter os seus rendimentos de actividades derivadas: p.ex. um programador informático pode ganhar dinheiro dando assistência técnica aos utilizadores dos seus programas (refira-se, aliás, que a inexistência de PI não obriga os criadores a cederem as suas obras de graça: um programador pode cobrar pelas cópias do seus programas, não pode é impedir outras pessoas de também distribuirem cópias); isso é relevante no caso da ciência pura, já que, em larga medida, as descobertas/teorias cientificas não tem protecção directa a nível de PI - frequentemente, os "investigadores" acumulam a profissão com a de "professores".
Outro argumento (que, se calhar, vai dar no mesmo que o anterior) é de que a propriedade intelectual estimula os criadores (ao longo do post, vou usar esta palavra no sentido de "artistas/intelectuais/cientistas/inventores/etc") a "produzir", mas vejo dois contra-argumentos:

  • Se, por um lado, pode estimular a produção de obras de arte, invenções, etc., a PI também limita a sua divulgação, logo o seu benefício social global é ambiguo;
  • A "produção intelectual" de um individuo, muitos vezes, é a matéria-prima para a "produção intelectual" de outro: à primeira vista, parece que se Einstein tivesse direitos de propriedade sobre a "teoria da relatividade" teria tido mais incentivos para a desenvolver; mas, se os herdeiros de Maxwell tivessem direitos de propriedade sobre o conceito de campo electromagnético e os herdeiros de Newton ou Liebnitz sobre o cálculo diferencial, teria sido mais dificil para Einstein desenvolver a teoria de relatividade. Isto é relevante, p.ex. no software informático, em que o principal argumento dos defensores do Open Source e do Software Livre (sinceramente, ainda não percebi a diferença) é, exactamente, de que há mais progresso se os utilizadores poderem livremente alterar, desenvolver, re-combinar, etc. o software que utilizam.
Há mais alguns argumentos que podem ser usados contra a PI:

  • No caso de patentes industriais, há quem argumente que as patentes até podem reduzir o progresso técnico: uma empresa que detenha uma patente poderá "deixar-se estar" e usufruir dos lucros da patente; se não houver patentes, as empresas terão que estar constantemente a inovar para preservarem a sua vantagem competitiva (um exemplo, em PDF, deste teoria: Boldrine & Levin, Against Intellectual Monopolly, The Pharmaceutical Industry)
  • Pode-se também pegar na hipocrisia de empresas como a Disney, que são fortes defensoras da PI, ao mesmo tempo que grande parte das suas histórias, filmes, etc., se baseiam em histórias/lendas tradicionais do dominio público
  • É também discutível se há grande beneficio na aplicação mundial das patentes como é feita actualmente: p.ex., se os paises do Terceiro Mundo estivessem isentos de respeitar as patentes dos medicamentos contra a SIDA, será que as companhias farmacêuticas perderiam assim tanto dinheiro que desincentivasse o seu investimento em investigação?
Seja como fôr, independentemente dos argumentos a favor e contra a PI, uma coisa parece-me óbvia: nas situações em que a lei dos direitos de autor é alterada para alargar a protecção (p.ex., passar de 20 para 40 anos), não faz sentido que essa alteração tenha efeitos retroactivos, já que isso vai ter todos os incómodos que a existência de PI causa, sem o que é suposto ser o seu principal beneficio social, que é estimular a criatividade: não é por a protecção legal de obras realizadas no passado ser alargada que a produção dos criadores do passado vai ser estimulada (ainda não é possível viajar no tempo, nomeadamente para o passado).

Finalmente, gostaria de recomendar dois textos sobre o assunto (curiosamente, ambos são de liberais - no sentido europeu - ou seja, não é só entre os "esquerdistas anti-capitalistas" que há críticos da PI): "Patents are an Economic Absurdity", de François-Réne Rideau, e "Copy Catfight - How intellectual property laws stifle popular culture", de Jesse Walker.

Nota: poder-se-á criticar o eu, neste post, ter tratado as patentes e os direitos de autor por igual, mesmo em exemplos que dei. No entanto, creio que todas as defesas ou ataques que podem ser feitos a uns podem também ser feitos aos outros.

21 comments:

Anonymous said...

bem apanhado.

já sabia que haviam liberais criticos da PI. para mim é a unica coisa inteligente a ser feita.

existe o (cc)- "some rights reserved";
e o copyleft("mais radical")- "all rights dispersed".

um exemplo deste ultimo é o yomango (yomango.net), estes são declaradamente anarquistas, e algumas imagens podem chocar os liberais mais zelosos.

para ver algumas das suas acções é só ir ao youtube e escrever yomango.

Anonymous said...

Epá, nem sabia que havia aqui polémica! (a sério, esqueci-me que tinha deixado um comentário!)

Anonymous said...

Antes de mais, tenho que dizer que apenas comentei a seguinte frase: "é preciso acabar com todos os tipos de patentes". Todos os tipos! É aí que eu tenho as minha dúvidas.
Depois, é preciso saber se falamos de patentes ou direitos de autor!

Em relação a Einstein e à ciência: Einstein tinha muito mais a perder se alguma vez patenteasse a sua teoria da relatividade (e nem sei como isso poderia ser feito). Porquê? Porque um cientista tem muito mais a ganhar com a divulgação do seu trabalho. E, além disso, nenhuma teoria é genial quando é divulgada. Primeiro, tem que passar pela análise e crítica dos pares. Quantas teorias aparentemente geniais não ficaram pelo caminho da crítica racional!?

Agora vamos para outra das minhas áreas de trabalho: a fotografia. Se eu vir uma fotografia minha publicada algures, sem que alguma vez me tenha sido dito alguma coisa, eu devo ficar calado? A minha "fotografia" é do povo? Não, lamento, mas é minha. Ninguém pode usá-la para uma capa de um livro ou para ilustrar um artigo de um jornal sem a minha autorização.
E, sobre Fotografia, olhemos também para a sua História. O facto da calotipia ter sido patentada pelo seu criador não impediu esse processo de suplantar a daguerreotipia (em meados da década 1850's), cuja patente havia sido comprada pelo Estado francês, e doada ao mundo em 1839. Cerca de 15 anos depois da invenção das 2duas Fotografias" (calotipia e daguerreoptipia), já se faziam mais calótipos (e continuámos a fazê-los, de certa forma, até à era digital) do que daguerreotipos.

"No caso de patentes industriais, há quem argumente que as patentes até podem reduzir o progresso técnico: uma empresa que detenha uma patente poderá "deixar-se estar" e usufruir dos lucros da patente; se não houver patentes, as empresas terão que estar constantemente a inovar para preservarem a sua vantagem competitiva."
Bem, aqui é tudo uma questão de princípio. Se uma empresa se quiser "deixar estar", que autoridade temos (ou o Estado) para nos intrometer no processo? A frase do Miguel revela ideias centralizadoras, as quais eu não partilho. As empresas inovam se quiserem, não inovam se assim o entenderem. E depois aguentam as consequências das suas opções, claro...
Agora, restringir as liberdades individuais em benefício de um hipotético bem global, não aceito.

Miguel Madeira said...

«Bem, aqui é tudo uma questão de princípio. Se uma empresa se quiser "deixar estar", que autoridade temos (ou o Estado) para nos intrometer no processo? A frase do Miguel revela ideias centralizadoras, as quais eu não partilho»

Creio que isso se pode aplicar a qualquer visão "consequencialista" da PI, seja a favor, seja contra. Aqueles que defendem a PI com o argumento de que estimula a inovação (já é diferente os que usam argumentos de "direitos naturais") também estão a advogar a intervenção do Estado (protegendo a PI) "em beneficio de um hipotético bem global".

Aliás, até é capaz de ser mais centralizador defender que o Estado deve fazer respeitar a PI do que defender que o Estado não deve fazer respeitar a PI.

Anonymous said...

peço desculpa, mas está a confundir as coisas.
no regime CC (some rights reserved), caso uma foto sua seja modificada ou usada para fins lucrativos, tem palavra nisso, incluindo ganhos que advenham disso.

penso que não vê nenhum mal nisso.

por outro lado, ninguem o obriga a seguir o regime CC. assim como quem não quer usar o PI.

na minha perspectiva, e repito é pessoal e filosofica, a cultura (conhecimento, arte e ciencia) possui um forte caracter existencialista.
assim como a cultura de um povo, a cultura numa maior extensão tem uma continuidade, e tal como a primeira pertence a toda uma comunidade, no ultimo caso à humanidade.

desde o primeiro hominideo que bateu num tronco, até à guitarra do jimmy hendrix, um não existia sem o outro.
a inspiração e apreciação de outros trabalhos, tecnicas, conhecimentos, e através deles segui-los ou modifica-los. isto é, para mim, cultura e o processo creativo.

e sinceramente, caso não seja usada para fins lucrativos, isto é quem a usou ou modificou não recebe benificios por isso, e por isso ninguem é prejudicado. sinceramente, não vejo qualquer problema.

mas como disse, sou anarquista e o dinheiro não me diz nada.

Anonymous said...

exatamente caro miguel... tinha me esquecido de fazer essa critica.

Anonymous said...

"que defendem a PI com o argumento de que estimula a inovação"
Mas eu não defendo a PI por causa disso. Eu defendo-a como um direito!

"e sinceramente, caso não seja usada para fins lucrativos, isto é quem a usou ou modificou não recebe benificios por isso, e por isso ninguem é prejudicado. sinceramente, não vejo qualquer problema."
Mas isto não tem só a ver com fins lucrativos (falando de dinheiro, claro). Quando alguém utiliza algum trabalho feito por mim para escrever um artigo ou uma tese, não esá a ganhar dinheiro com isso(estou a falar da área da investigação científica agora). E também não pretendo que me paguem (seria aburdo). Só quero uma citação, mais nada! Não lucro envolvido neste processo? Claro que há, uma citação é sempre bom, tal como o facto de o outro indivíduo usar trabalho já feito o ajudou na sua investigação. Todos lucram (mas atenção, não é por todos lucrarem que defendo a citação; é pelo respeito pela PI do indivíduo; o resto é um bónus).
Essa é a forma de respeitar a PI na Ciência: a citação (e o número de citações, mais tarde, até se podem transformar em dinheiro, através de um bom contrato académico). Quem desrespeitar será ostracizado mais tarde ou mais cedo.

Anonymous said...

Como disse, não tenho uma visão "consequentalista2 da PI, mas não posso deixar de comentar esta frase.
"Aliás, até é capaz de ser mais centralizador defender que o Estado deve fazer respeitar a PI do que defender que o Estado não deve fazer respeitar a PI."
Miguel, perdoe-me, mas mais uma vez tenho que dizer que esta frase denuncia um pensamento colectivista. Vou tentar explicar. "dfender que o Estado deve fazer respeitar a PI". Não, o Estado, no máximo servirá para gerir conflitos entre indivíduos devido à PI. Se alguém desrespeitar a PI, está a desrespeitar a lei. E a função primária do Estado é garantir o cumprimento da lei. Ou seja, o Estado não faz respeitar a PI; eu é que tento fazer respeitar a PI e o Estado garante-me regime legal que respeita a propriedade e um tribunal para julgar o caso, se tal for necessário.
Não vejo onde está a posição centralizadora!

Miguel Madeira said...

“Essa é a forma de respeitar a PI na Ciência: a citação (e o número de citações, mais tarde, até se podem transformar em dinheiro, através de um bom contrato académico). Quem desrespeitar será ostracizado mais tarde ou mais cedo.”

Nesse caso especifico, em que a PI não é feita cumprir por sanções de tipo legal-coercivo, mas de tipo “moral”, penso que a maior parte (ou nenhum) dos críticos da PI se oporá a isso ( na sua maioria esmagadora,, nem considerarão isso como PI)

Aliás, os anti-PI, por vezes, até referem a “força moral” como forma de protegerr os interesses dos autores num mundo sem PI (veja-se este exemplo de Roderick Long)

Miguel Madeira said...

O meu pensamento até é um bocado colectivista, mas penso que não neste caso concreto (afinal, praticamente quase só citei autores liberais)

“Ou seja, o Estado não faz respeitar a PI; eu é que tento fazer respeitar a PI e o Estado garante-me regime legal que respeita a propriedade e um tribunal para julgar o caso, se tal for necessário”

A mim isso parece-me o Estado a fazer respeitar a PI, ainda que a seu pedido.

Anonymous said...

Miguel, então é a mesma coisa dizer que o Estado está a respeitar a propriedade privada a meu pedido se eu tentar meter alguém na prisão porque me assaltou a casa!?

(claro que a PI pode ser também propriedade privada no sentido mais "físico" do termo; se eu pintar um quadro, ele é meu, até o vender e assim passar a sua propriedade para outra pessoa; mas ainda nos resta o problema da reprodução do quadro sem autorização do seu legítimo proprietário; mesmo sem fins lucrativos, é sempre de bom tom referir a colecção à qual pertence uma obra quando se reproduz a mesma.)

Anonymous said...

"Quando alguém utiliza algum trabalho feito por mim para escrever um artigo ou uma tese, não esá a ganhar dinheiro com isso(estou a falar da área da investigação científica agora). E também não pretendo que me paguem (seria aburdo). Só quero uma citação, mais nada!"

sugiro que vá ver como funciona a licença em regime CC. eles defendem exactamente isso.

de resto, não pode comparar uma casa ao PI, pois:

1- ambos tem finalidades diferentes.

2- são propriedades de natureza distinta.

e é importante saber discernir diferentes tipos de propriedade e a sua natureza. embora para a maioria das pessoas diga que toda a propriedade é igual, eu discordo.

exemplo, o ar é propriedade, como dizem os liberais é um recurso, no entanto é colectiva e seria ilegal alguem vender-nos o ar, ou querer um feudo para termos acesso a ele.

para mim, o mesmo se aplica a todos os outros recursos naturais.

não sei se viu no jornal um homem que se dedica a vender terrenos na lua.
que legitimidade tem ele de fazer isso?
afinal de quem é a lua?
não pertence a todos?

Miguel Madeira said...

"Miguel, então é a mesma coisa dizer que o Estado está a respeitar a propriedade privada a meu pedido se eu tentar meter alguém na prisão porque me assaltou a casa!?"

Em primeiro lugar, eu não falei em "o Estado respeitar a propriedade", falei em "o Estado fazer respeitar a propriedade" (é diferente: "respeitar" é um acto "negativo" - o Estado não fazer nada que prejudique a minha propriedade; "fazer respeitar" é um acto "positivo" - o Estado fazer alguma coisa para defender a minha propriedade).

A respeito da diferença entre uma casa e a propriedade intelectual: mesmo numa sociedade sem Estado, de certeza que apareceria alguma espécie de propriedade privada (ou, pelo menos, posse privada) de casas (e do seu conteúdo), enquanto é mais díficil que surgisse propriedade intelectual.

Como a maioria das pessoas não gostaria que lhe entrassem estranhos pela casa adentro e a levar as coisas, é natural que a maior parte das pessoas acabasse por adoptar a norma de "não entres em casa dos outros sem autorização", nem que seja para os outros também respeitarem essa regra em relação à sua própria casa.

No caso da PI, não há esse incentivo ao aparecimento espontaneo de direitos de propriedade (ou de posse). Das duas, uma: ou a maior parte das pessoas na sociedade em questão são "produtoras de ideias", e aí até beneficiam mais se poderem todos usufruir das criações uns dos outros do que se estabelecerem estritos direitos de propriedade (possível exemplo: Internet); ou a maioria das pessoas não são "produtoras de ideias" e então também não têm interesse em respeitar direitos de PI.

Logo acho pouco provável que, naturalmente (sem ser por imposição de uma autoridade central) surgisse uma norma social do gênero "não uses as ideias dos outros sem autorização deles". Já uma norma social do gênero "quando usares as ideias dos outros, dá-lhes o devido crédito" acho bastante provável que surgisse (e o facto de tanto o agitador como o CMF, partindo de posições opostas, terem chegado ambos a posições parecidas com essa é um bom indicio de que isso corresponde ao sentimento intuitivo do que é naturalmente justo).

Miguel Madeira said...

O engraçado disto é que quando escrevi aquela passagem (todo aquele parágrafo do "se não houver patentes, as empresas terão que estar constantemente a inovar para preservarem a sua vantagem competitiva") até a achei demasiado "liberal" (afinal era quase uma apologia da concorrência feroz como motor do progresso) e por isso até tentei escrevê-la de maneira a que não implicasse necessariamente a minha concordância.

Anonymous said...

"A respeito da diferença entre uma casa e a propriedade intelectual: mesmo numa sociedade sem Estado, de certeza que apareceria alguma espécie de propriedade privada (ou, pelo menos, posse privada) de casas (e do seu conteúdo), enquanto é mais díficil que surgisse propriedade intelectual."
Hum, não sei. Foi a sedentarização dos humanos, que abriu a porta aos excedentes alimentares e, consequentemente, aos embriões do conceito de Estado, que estabeleceu o conceito de propriedade privada. Por isso, não sei se conseguimos separar a existência de propriedade privada da existência de Estado. Julgo que o Estado (ou versões menos desenvolvidas do conceito) emerge sob determinadas condições, e são essas as mesmas condições que condeuzem ao aparecimento de propriedade privada.
Logo, penso que a emergência (mais tarde ou mais cedo) da noção de propriedade intelectual também pode ser inerente a qualquer sociedade sedentarizada. Seja através de patentes ou reconhecimento social, parece-me que o homem tentará sempre tirar algum lucro das suas ideias.

Anonymous said...

a propriedade privada já existia antes de existir estado ou sedentarização.
as tribos nomadas possuiam objectos, casas para as diversas familias, etc etc

não foi só a sedentarização que fez nascer o estado, tambem foram as crenças e a mentalidade estabelecida. os estados desenvolviam-se em torno de uma figura, normalmente considerado como um deus vivo ou com alguns poderes divinos.

a relação entre propriedade (PI ou outra) e a sedentarização não é, na minha opinião, muito relevante nem pode ser vista como uma inevitabilidade logica ou natural, pois a forma como olhamos para a propriedade e os diferentes tipos de propriedade é uma questão de mentalidade estabelecida.

a historia comprova o que eu digo.

Anonymous said...

"Seja através de patentes ou reconhecimento social, parece-me que o homem tentará sempre tirar algum lucro das suas ideias."

numa sociedade sem dinheiro a questão do lucro não se põe, e quanto ao reconhecimento social... ainda bem, só assim é que se pode influenciar novos individuos e continuar o processo creativo.
e como dizia o outro, ser pessoa é relação.

por outro lado, numa sociedade com uma mentalidade de individualismo e amor egoista, dar-se-á uma "união de egoistas" (max stirner).

Anonymous said...

1. Só a sedentarização pode alimentar um Estado (burocratas, edifícios, etc). Sem excedentes alimentares nunca teria surgido sequer um proto-estado.

2. Uma sociedade sem dinheiro? Só se for uma sociedade de caçadores-recolectores! A sedentarização leva aos excedentes alimentares e, a partir daí...temos o dinheiro, qualquer que seja a sua forma. O dinheiro emergiu da natureza humana, das relações humanas. E imaginar a "evolução" humana como um caminho para uma sociedade sem dinheiro é uma visão historicista/progressista que eu não compro. E é uma forma de ver a História que já nos trouxe tragédias suficientes.

3. O individualismo assente no valor da liberdade individual é a melhor forma de chegar ao respeito pelo próximo. Quando se substitui o individualismo pelo colectivismo, os homens transformam-se em Homem, em números. E quando se lida com números, qualquer quantidade é dispensável. Sacrificam-se indivíduos em função do grupo. A História está cheia de exemplos. Já dizia Estaline "uma morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística". Mas para um individualista, só existe uma morte e uma tragédia, mais uma morte e mais uma tragédia, mais uma...

(e, já agora, como é que a "mentalidade estabelecida" se estabelece?)

Miguel Madeira said...

"Uma sociedade sem dinheiro? Só se for uma sociedade de caçadores-recolectores! A sedentarização leva aos excedentes alimentares e, a partir daí...temos o dinheiro, qualquer que seja a sua forma"

Como uma sociedade pode ter excedentes e não ter dinheiro:

Imaginemos primeiro um pequeno grupo de pessoas. Cada um produz o que decide produzir e põe a sua produção à disposição do grupo. Se o individuo achar (de acordo com a sua valorização subjectiva) que o que dá ao grupo é mais do que os outros membros dão a ele, pode abandonar o grupo, juntar-se a outro, etc. O grupo também poderá dissociar-se individuos que pareçam ser um peso morto (estes "grupos" não precisam de ser formais).

Agora imaginemos uma sociedade mais vasta. Há primeira vista, pode-se pensar "com muita gente, isso não funciona", mas uma sociedade vasta pode, primeiro organizar-se em pequenos grupos como os descritos acima, e, depois, os pequenos grupos podem "federar-se" uns com os outros do mesmo modo que os individuos se relacionam entre si dentro dos "grupos de base".

Isso será mais eficiente que um mercado clássico (eu digo "clássico" porque acho que este sistema acaba por ser também uma forma de mercado)? Sinceramente, não sei. Mas que um sistema desse género pode funcionar, isso pode.

Miguel Madeira said...

A respeito do Estado e da "mentalidade estabelecida":

ao contrário do agitador, acho que foi mais o Estado que criou a "mentalidade estabelecida" do que o oposto, embora essa "mentalidade estabelecida" tenha, depois, ajudado a reforçar o poder do Estado.

Por exemplo, na Rússia e na Escandinávia foram os reis que impuseram a conversão ao cristianismo, mas depois foi a Igreja que ajudou os reis a centralizarem poder nas suas mãos (teremos aqui uma questão de ovos e galinhas?).

Anonymous said...

"1. Só a sedentarização pode alimentar um Estado (burocratas, edifícios, etc). Sem excedentes alimentares nunca teria surgido sequer um proto-estado.

2. Uma sociedade sem dinheiro? Só se for uma sociedade de caçadores-recolectores! A sedentarização leva aos excedentes alimentares e, a partir daí...temos o dinheiro, qualquer que seja a sua forma. O dinheiro emergiu da natureza humana, das relações humanas. E imaginar a "evolução" humana como um caminho para uma sociedade sem dinheiro é uma visão historicista/progressista que eu não compro. E é uma forma de ver a História que já nos trouxe tragédias suficientes."

primeiro, não se trata de uma visão historicista nem de paradigma historico, a historia não tem rumo definido, apenas tem o rumo que as pessoas decidirem e escolherem. segundo os seus valores e mentalidade. pois é meu amigo, nem tudo se compra, e o dinheiro não legitima tudo.

segundo, o miguel já respondeu.

terceiro, o tipo de individualismo que falo, nada tem a ver com o individualismo liberal, de que você falou. leia o que stirner tem a dizer sobre o liberalismo.
em numeros somos nós transformados quando as empresas calculam os prejuizos causados por uma das suas acções e vão em diante, pois as "vantagens", para eles é claro, são maiores que as desvantagens. em numeros somos transformados quando se vê um economista a falar de estatisticas, taxas, desemprego, graficos, etc etc.
numeros somos nós quando somos vistos como meros recursos. e muitas vezes se sacrificam grupos de individuos em favor de um só.

essa visão colectivo versus individuo, é uma falacia, em nada são contrarios, podem ser complementares. e é aqui que temos visões opostas. um grupo é um conjunto de individuos, com as suas liberdades individuais.

estaline era uma besta.

em relação à forma como a mentalidade se estabelece é simples, basta ver a historia.
e como o miguel demonstrou,e não é contraditorio com o que eu afirmei, o fenomeno é ciclico.

exemplo, farao, era considerado deus vivo, em torno dele construiu-se o estado. as crenças destes dominam.

revolução de mentalidades.

reis, advogados de deus, o estado criou-se em torno deles.a mentalidade deles domina.

revolução de mentalidades.

uma franja da sociedade revolta-se, o estado desenvolve-se em torno deles. a mentalidade deles domina.