Monday, December 03, 2007

O referendo na Venezuela - rescaldo

Recordo o que escrevi aqui:

"Por outro lado, se ganhar o "Não", aí a questão está resolvida: a Venezuela é, sem dúvida, uma democracia (já que isso significará que as eleições são suficientemente livres e justas - caso contrário, como poderia o "Não" ganhar?)."

No entanto, nos comentários, Filipe Abrantes pôs uma questão importante: "existem n critérios para distinguir uma democracia de uma ditadura"

Portanto, talvez seja melhor dizer que "a Venezuela é um país em que a oposição tem possibilidade real de ganhar eleições contra o governo do momento" (ou seja, a definição mais minimalista de democracia).

Há outras definições possíveis:

- Poderiamos considerar que "democracia" implica, não apenas a possibilidade de o povo escolher os governantes, mas a possibilidade do povo intervir directamente - nesse caso, a Venezuela está longe de ser uma democracia; é verdade que há uns referendos e uns "conselhos comunais" de base, mas isso é, em larga medida, cosmética: os tão falados "referendos revogatórios" apenas permitem substituir um governante pelo seu sucessor legal (excepção: o Presidente), não permitindo, portanto, alterar a linha politica da governação; quanto aos "conselhos comunais", não têm orçamento próprio, estando dependente de verbas atribuidas caso-a-caso pela Presidência (ou seja, não têm poder de decisão: apenas podem apresentar projectos e esperar que o poder central os financie ou não).

- Poderiamos considerar que (atendendo a que passamos grande parte do dia a trabalhar) "democracia" implica, também, "democracia" no local de trabalho - também aí, a Venezuela não é uma democracia; há um ou outro caso de auto-gestão, mas, no geral, quem manda no sector privado são os patrões e nas empresas públicas são os burocratas estatais. E, sobretudo, o actual Ministro do Trabalho tem apoiado a destruição de experiências de "controlo operário", como a que decorria nos Sanitarios Maracay.

- Acho que também há quem considere que nacionalizações e reforma agrária (pelo menos, a partir de certa escala) são intrinsecamente anti-democráticas; aí, talvez a Venezuela não seja uma democracia (digo "talvez" porque depende de onde pormos a fasquia a partir da qual nacionalizações são anti-democráticas); no entanto, penso que o que é normalmente invocado não é que nacionalizações em larga escala vão contra a "democracia", mas sim que vão contra a "democracia liberal".

Seja como fôr, se adoptarmos a tal definição minimalista de democracia (a que em tempos se chamava "democracia burguesa"), penso que a Venezuela pode ser considerada uma democracia (embora, na minha opinião, se tenha safado por pouco de cair numa ditadura caudilhista).

1 comment:

Anonymous said...

Importante também seria perceber por que motivo a "esquerda" (em geral) tem mais complacência (já veio hoje o DOliveira garantir-nos que Chavez não é um ditador) com a democracia minimalista do que a "direita". Isso faz sentido? Não deveria a esquerda criticar a falta de limites para a acção dos governantes? Desde quando a direita é o porta-voz da democracia "maximalista" (demo liberal)?