Há dias, a Maria João Marques e o João Miranda discutiam sobre as causas do crescimento do chamado sector não-transacionável em Portugal: para o João Miranda o Estado andou a adquirir bens não-transacionáveis, enquanto para a Maria Marques o que o Estado fez foi sobretudo produzir bens não-transacionáveis.
A respeito da questão sobre se o crescimento desproporcionado do sector não-transaccionável foi criado pelo lado da oferta ou da procura, há um teste simples - se fosse motivado pela oferta (muita gente a querer produzir bens não-transaccionáveis), o preço dos bens não-transaccionáveis desceria face aos transaccionáveis; se fosse motivado pela procura (muita gente a querer comprar bens não-transaccionáveis) o seu preço subiria. Ora, os preços no sector não-transacionável subiram mais que no sector transacionável (regra simples - se um pais tem uma inflação maior que a dos seus parceiros comerciais, em principio quer dizer os preços no sector não-transacionável estão a subir mais), pelo que pudemos concluir que o crescimento do sector não-transacionável foi motivado pela procura e não pela oferta (o que, aliás, deita por terra as análises do género "o mal é que já ninguém quer ir alancar para agricultura, para pesca ou para as fábricas e só querem estar armados em pipis atrás dum balcão ou num escritório").
Mas será que esse crescimento da procura de bens não-transacionáveis deriva de uma politica especifica de procura de bens não-transacionáveis?
Eu venho propor uma explicação alternativa - o que houve (para aí nos últimos 20 anos, mais ano menos ano) foi um aumento global da procura interna (motivada quer pelas baixas taxas de juro, quer pelos deficits orçamentais); e, quando há um aumento da procura interna (nomeadamente quando esta cresce mais que a externa), há sempre uma tendência para esse aumento se reflectir nos bens não-transaccionáveis do que nos transaccionáveis: mesmo que aumente a procura de ambos os tipos de bens, parte do aumento da procura de bens transaccionáveis levará a mais importações, enquanto o aumento da procura de não-transaccionáveis terá, por definição, de ser satisfeito pela produção nacional; assim, as empresas locais do sector não-transaccionável serão sempre sujeitas a um maior aumento da procura do que as do sector transaccionável, levando a uma deslocação de recursos do segundo para o primeiro.
[Isto é um exemplo do chamado "Primeiro apontamento de Miguel Madeira à lâmina de Occam" - "se algo pode ser explicado com um modelo macroeconómico, não perder tempo a pensar em explicações microeconómicas"]
Já agora, em tempos estive para dizer algo a respeito deste post do Blasfémias: haverá alguma razão para supor (como está implícito nesse post) que um tal "plano estratégico para a economia" fosse beneficiar especificamente o sector não-transaccionável? Na verdade até me parece que, historicamente, as politicas estatais, das manufacturas de Colbert às "politicas industriais" que alguns economistas defendem, das Corn Laws à PAC (e sem esquecer os nossos subsídios aos produtores de energia) até costumam ser mais dirigidas aos sectores transaccionáveis (até suspeito que isso é influenciado por uma certa tendência para idealizar a agricultura e/ou a industria - considerados como o "pais profundo", os "verdadeiros portugueses"/"the real americans"/etc, "os homens a sério", ou então como a "classe operária" - enquanto o comércio e os serviços tendem a ser vistos como uma coisa mais de gente "decadente", de "cosmopolitas urbanos desenraizados", ou então de "pequeno burgueses" ou "meninas do shopping"...).
Saturday, June 16, 2012
As causas do crescimento do sector não-transacionável
Publicada por Miguel Madeira em 00:58
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