Ainda comentando este post de Filipe Faria, agora a respeito da questão da esquerda, da direita e do individualismo, eu diria que a(s) direita(s) tende(m) a cair para os extremos de individualismo e de anti-individualismo, enquanto a esquerda tende a uma posição intermédia.
Para começar, vamos imaginar um exemplo - uma empresa em que há uma greve:
- O Joaquim faz greve - ele acha que os trabalhadores devem se unir para lutar pelos seus objectivos comuns
- O Pedro não faz greve - ele acha que devemos aceitar o mundo tal como ele é; para ele, a submissão, a paciência e a resignação são as virtude fundamentais de alguém temente a Deus
- O Anibal não faz greve - ele acha que o caminho para subir na vida é pelo esforço e pela iniciativa individuais, e tentativas de melhor as condições de vida pela acção colectiva apenas leva mà mediocridade e ao mínimo denominador comum e são ideia próprias para quem não se consegue desenrascar sozinho
Pela classificação esquerda/direita, o Pedro e o Anibal estão na direita e o Joaquim na esquerda; mas num eixo de individualismo/colectivismo ou de individualismo/anti-individualismo, não há uma fácil consonância com o eixo esquerda/direita; afinal, o direitista Anibal é individualista e o esquerdista Joaquim é colectivista; mas o direitista Pedro não tem nada de individualista - em certo sentido, até é mais anti-individualista que o Joaquim: afinal, o Joaquim defende que o colectivo é mais importante que o individuo, mas o colectivo continua a ser, em ultima instância, um conjunto de individuos; já o Pedro defende a submissão pura e simples (nem sequer é a submissão de um individuo aos outros individuos).
Falando em termos mais gerais, podemos considerar que a direita liberal representa o extremo do individualismo e a direita conservadora representa (ou representava, já que o conservadorismo tradicional está largamente extinto) o extremo do anti-individualismo, ficando a esquerda socialista entre os dois: enquanto os liberais defendem o primado do individuo sobre o colectivo, tanto socialistas como conservadores defendem o primado do colectivo sobre o individuo; mas os socialistas, apesar de tudo, tendem a ver o colectivo como a agregação aritmética dos individuos (mais ou menos aquilo a que os conservadores chamam "massas inorgânicas/invertebradas/etc"; no fundo, tanto o socialista como o liberal acham que a sociedade é criada pelos individuos (as teses de Rosseau ou de Rawls sobre o "Contrato Social" são um bom exemplo de como se pode chegar a conclusões - mais ou menos - colectivistas partindo do principio que são os individuos que criam a sociedade) e pode ser re-criada por estes.
Já os conservadores, não só põem (como os socialistas) a sociedade acima do individuo, como vêem a sociedade, não como um conjunto de individuos, mas como um conjunto "orgânico" de instituições e valores que transcedem e, de certa forma, são anteriores ao individuo ("Não são os indíviduos que formam a sociedade, mas a sociedade que forma os indíviduos" - Louis de Bonald).
[Para se perceber melhor o que quero dizer quando digo que o grupo tem significados diferentes para um socialista e para um conservador, imagine-se uma organização humana em que a maior parte dos individuos que a integram quer uma coisa mas os seus orgãos "estatutários" querem outra - p.ex., uma família composta por um pai, uma mãe e 3 filhos, em que os filhos querem ir à praia mas os pais decidem ir ao campo]
Já agora, fazendo uma analogia biológica, se os individuos fossem células, eu diria que os liberais tendem a ver a sociedade como simplesmente organismos unicelulares autonomos (que até se podem associar uns aos outros, tal como podem não se associar), os socialistas vêm a sociedade como um "organismo" pluricelular que pouco mais é que um agregado de células (como uma esponja), e os conservadores como um organismo pluricelular "a sério", com orgãos, tecidos, diferenciação funcional, etc.
Ainda sobre isto, estes meus dois posts: Gatos e Cães, Esquerda e Direita e Re: Pequeno esclarecimento; e também este texto de 1965 do anarco-capitalista Murray Rothbard (que quando escreveu o artigo defendia a teoria que o liberalismo clássico seria a esquerda, o conservadorismo a direita e o socialismo o centro).
Monday, August 13, 2012
Esquerda, direita e individualismo
Publicada por Miguel Madeira em 16:14
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6 comments:
Eu não concordo com vários pontos desta análise.
Em primeiro lugar, creio que o termo "liberal" é propenso a confusões várias (e não é só por causa do significado que os americanos lhe dão...) e aqui está a ser usado de forma muito pouco abrangente, e a meu ver pouco correcta, ao considerar a propriedade como uma "vaca sagrada", quase o âmago do que é ser liberal.
Curiosamente é precisamente essa a razão pela qual podemos considerar que o liberalismo, definido dessa forma, acaba por não ser assim tão individualista. Afinal, a protecção da propriedade privada é vista como uma tarefa "colectiva", e não individual. Ou seja, em vez de ser cada um a proteger os recursos a que tem acesso, conta-se com o colectivo (o estado) para o fazer.
Assim, a questão de saber, por exemplo, se acabamos com o rendimento mínimo garantido não é tanto uma questão de saber se o colectivo tem mais poder sobre o indivíduo, mas sim saber como o usa. Pode usar o poder que tem para contratar um número adicional de polícias e guardas prisionais, que não terá de usar se mantiver essa prestação social. Em ambos os casos haverá sub-grupos prejudicados e beneficiados consoante a forma como a colectividade aloca os seus recursos, mas em ambas as situações temos uma "ajuda colectiva" a quem não consegue fazer algo sozinho, seja manter o controlo da sua propriedade, seja ter uma fonte de rendimento acima de um determinado limite.
Questões que tocam no âmago do individualismo parecem-me questões em que a comunidade impõe algo ao indivíduo não para beneficiar terceiros (como por exemplo "não podes matar"), mas sim para beneficiar o próprio: proibição de consumir drogas, obrigatoriedade de uso de cinto de segurança, proibição de prostituição, ou de pornografia, ou de demasiado sal no pão, e a lista continua... Estas sim são questões em que não se trata de arbitrar que grupos recebem mais benefícios do colectivo, mas sim se o colectivo deve ter poder sobre o indivíduo para bem do próprio. Creio que é a aversão ao paternalismo comunitário, a convicção de que os indivíduos devem julgar o que é melhor para si, que verdadeiramente caracteriza o liberalismo, seja de esquerda ou de direita.
PS.Parece-me que a diferença fundamental entre a esquerda e a direita está na forma como encaram o "poder", se deve ser mais concentrado e vertical, ou disperso e horizontal.
A forma como hoje ambas as partes lidam com a economia de mercado é um reflexo disto (por causa da relação entre dinheiro e poder), mas noutro tipo de sociedades, onde a direita não defende(u) a economia de mercado (ex. antigo regime, regimes fascistas, etc.) esta definição continua a fazer sentido.
Nota: é bem verdade que nas ditaduras comunistas o poder não era "horizontal" e "disperso" e muita esquerda defende tais regimes.
Mas enquanto que os defensores de direita dos regimes fascistas não têm problemas em admitir que o poder estava concentrado e vertical e assim é que deve ser, os defensores das ditaduras comunistas estão efectivamente convencidos que o poder estava melhor distribuído nesse tipo de regimes, por muito absurda que muitos considerem as suas alegações.
oh joão vasco quem foram os percussores da ideia de dispersão de conhecimento? acaso foram os socialistas?
só diz asneiras joão vasco,
a defesa de propriedade privada é uma forma de proteção (poder) dispersa. A defesa da propriedade publica (estatal) é uma forma de protecção (poder) centralizado. Eu protejo a minha casa com um cão, o meu vizinho deixa a porta aberta a dar entender que não tem nada de valor. Quer mais dispersão que isto?
e por ultimo ser individualista não significa ser contra associações, ou colectivos ou familia ou quaisquer grupos. significa ser contra a imposição de grupos aos individuos. por isso o seu argumento de que a prop privada é defendida de forma colectiva não interessa ao menino jesus.
escreveu tanta coisa para dizer tanta asneira.
1 - Imagino que o João Vasco se esteja a referir à protecção do propriedade no contexto de um sistema liberal - minarquista (não aos casos em que cada um defende a sua propriedade ou que essa defensa é feita por uma associação voluntária)
2 - Acerca da dispersão do conhecimento: a tese "um grupo restrito de planificadores não tem informação suficiente para ser capaz de dirigir centralmente a economia ou a sociedade" econtra-se facilmente, quer em autores liberais, quer em autores anarco-sindicalistas, conselhistas ou trotskistas (uns contra a planificação central, outros a defenderem uma planificação central feita por toda a gente). Não faço ideia de quem levantou o ponto primeiro.
Miguel Madeira e anónimo,
1- Sim. É exactamente isso. Está em causa o "liberalismo de direita", não o "anarco-capitalismo" que não consigo sequer encarar como um conceito consistente, por razões que posso explicar se discutirmos o assunto (só não o faço para não fugirmos ao tema)
2- Sim, quem levantou o ponto primeiro não é importante. O que importa é que podem existir diferentes filosofias compatíveis com a dispersão de poder.
Anónimo,
"ser individualista não significa ser contra associações, ou colectivos ou familia ou quaisquer grupos. significa ser contra a imposição de grupos aos individuos"
Mas ninguém defendeu o contrário. Se ler o que escrevi, é isso mesmo que defendo: "Questões que tocam no âmago do individualismo parecem-me questões em que a comunidade impõe algo ao indivíduo [...] para beneficiar o próprio: proibição de consumir drogas, obrigatoriedade de uso de cinto de segurança, proibição de prostituição, ou de pornografia, ou de demasiado sal no pão, e a lista continua... »
Note o termo usado: "impõe". É isso que está em causa e não uma aversão "estética" à organização comunitária. Portanto nisso já estávamos de acordo.
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