8. O papel dos Bancos como puros intermediários foi, no entanto, desde cedo, posto em causa, de forma deliberada e consciente, e por razões óbvias o negócio bancário sempre foi mantido na maior discrição.
A razão é a facilidade com que os Bancos podiam e podem manipular as contas correntes. Assim a Situação 2 descrita atrás passa a Situação 2B.
Situação 2B: Crédito por criação de moeda do Banco a B -> situação final
Corresponderia a esta representação do Balanço do Banco:
Activo do Banco:
Cofre com moedas armazenadas: 100 moedas de ouro
Crédito à entidade B: 50 moedas de ouro
Passivo do Banco:
Conta corrente da Entidade A: 100 moedas de ouro
Conta corrente da entidade B: 50 moedas de ouro (valor criado por simples registo)
________________
A entidade B recebeu em conta corrente um valor que pode agora utilizar para transferir. Assim, B pode agora adquirir bens a C e transferir o valor monetário acordado para C.
Balanço do Banco:
Activo do Banco:
Cofre com moedas armazenadas: 100 moedas de ouro
Crédito à entidade B: 50 moedas de ouro
Passivo do Banco:
Conta corrente da entidade A: 100 moedas de ouro
Conta corrente da entidade B: 0 moedas de ouro (por compras feitas a C)
Conta corrente da entidade C: 50 moedas de ouro
Agora, temos 100 moeda de ouro físico existente e 150 moedas que podem ser reclamadas pelos detentores de contas correntes.
__________________
De assinalar que nada impede o Banco de criar moeda em conta corrente em seu próprio proveito directo. Exemplo:
Balanço do Banco:
Activo do Banco:
Cofre com moedas armazenadas: 100 moedas de ouro
Crédito à entidade B: 50 moedas de ouro
Edifício comprado a entidade D por 50 moedas de ouro
Passivo do Banco:
Conta corrente da entidade A: 100 moedas de ouro
Conta corrente da entidade B: 0 moedas de ouro (por compras feitas a C)
Conta corrente da entidade C: 50 moedas de ouro
Conta corrente da entidade D: 50 moedas de ouro (valor simplesmente creditado por registo pelo Banco)
O Banco abriu um registo em conta corrente a D para pagar a aquisição de um edifício que faz agora parte do activo do Banco.
Neste momento, os economistas diriam que a "massa monetária" é de 200 moedas de ouro e as "reservas" de 100 moedas de ouro. Fácil de ver que se a entidade A, C, e D tentam por esta ordem levantar os seus depósitos, a entidade A receberá as suas moedas de ouro, mas C e D não. Assim se dão as "corridas aos bancos".
9. Para uma melhor clareza, podemos afirmar que agora, as contas correntes que o Banco agora apresenta, não representam agora o depósito de moeda realmente depositada à guarda mas sim, títulos de promessa de entrega.
Ou seja, podemos ter dois tipos de relações jurídicas:
a) a conta corrente como título de propriedade de moeda depositada à guarda. A terminologia refere-se a isto como "100% de reservas".
b) a conta corrente como título de promessa de pagamento, em que apresentado o pedido de levantamento, o Banco promete entregar as moedas de ouro. A esta prática dá-se o nome de "reservas fracionárias". Emprego a expressão "promessa de pagamento" porque agora não existe uma relação de depósito mas sim a promessa por parte do Banco em gerir o seu negócio de forma a que as reservas possam satisfazer os pedidos de levantamento ou transferência para outros Banco.
É importante ter em conta que nunca os Bancos estiveram verdadeiramente interessados nesta distinção. E ainda hoje não se faz. Todos os Bancos beneficiaram e beneficiam da confusão entre estes 2 estatutos e foi essa confusão que lhes permitia criar crédito, e muito importante, financiar o Estado de forma flexível. Razão pelo qual o legislador nunca se preocupou muito com o assunto. Era assim que o legislador ganhava crédito e daí vem a longa relação entre o poder político e os bancos.
10. O outro efeito que podemos retirar é que o Banco que cria moeda para dar crédito pode obviamente praticar uma taxa de juro inferior e esse é o argumento da escola austríaca para explicar a formação das bolhas de crédito e as subsequentes crises.
A seguir vou tentar responder mais directamente ao MM.
9 comments:
Uma vez discutia com alguém o facto desta "criação artificial" de dinheiro causar inflacção, e que sendo a inflacção uma forma de tributação os bancos não a deveriam poder causar, e alguém respondeu-me com um argumento muito forte.
Simplesmente mostraram-me como para impedir essa situação as limitações à liberdade contratual teriam de ser extremamente severas com o seguinte exemplo:
Eu emprestei 5 moedas ao José. Eu tinha 20 moedas, e o José tinha zero. Agora eu tenho 15 e o José tem 5, portanto a massa monetária manteve-se.
No entanto, vamos supor que o Pedro me quer vender um produto que vale 20 moedas, que eu não tenho. Ele pode propor que eu crie um documento dizendo que vale a dívida do José: é ao detentor desse documento que o José tem de pagar. E esse documento é transaccionável por quem o desejar. A partir do momento em que eu crio esse documento, que só dependeu da vontade das partes envolvidas, passou a existir uma massa monetária de 25 moedas.
Assim, o natural não é exigir reservas de 100%, como pensava inicialmente. A "não intervenção" é exigi-las de 0%, e qualquer outra exigigência já é uma limitação à liberdade contratual, sendo a exigência de 100% a mais agressiva forma de regulamentação possível.
O que tem o CN a dizer quanto a este argumento?
(E já agora o Miguel Madeira)
Esse documento está a criar uma promessa de pagamento de 20 moedas e não a criar 20 moedas. Se as pessoas aceitam receber e depois pagar (e outras o aceitarem) títulos de crédito como moeda é a sua decisão e risco, mas nada indica que no façam sem exigir um desconto de risco e oreço entre ter moedas e uma promessa de pagamento de moedas.
De resto esse exemplo é parecido com o que apontei no exemplo , os bancos criam moeda transformando a moeda depositada em conta corrente numa promessa de pagamento de moeda. Esse é o problema jurídico em questão.
Ora na estrita defesa da liberdade contratual, as pessoas podem fazer s negócios e contratos que quiserem, não podem é tornar uniforme o que não o é. Os bancos ofereciam depósitos, e transformaram-nos em promessas de pagamento, ciclicamente de resto, depois sujeitos a corrida aos bancos para transformar a promessa em moeda.
CN,
O problema é que, segundo me disseram nessa discussão, esse tipo de contratos são transaccionados como se dinheiro se tratasse, portanto os economistas podem referir-se a eles como dinheiro não tanto pela realidade jurídica (que poderia ser apenas a do respeito pela liberdade contratual) mas meramente pela realidade económica: têm um impacto nos preços equivalente à de semelhante quantidade de moeda, pois são transaccionados enquanto tal.
Assim, o problema fica por resolver.
Os bancos poderiam fazer basicamente o mesmo que hoje fazem, mas criando uma espécie de "moeda alternativa" que seria transaccionada exactamente como a moeda "real" na medida em que os actores neles confiam.
As crise, os problemas, tudo isso seriam agravadas pelo facto de existirem então menos limitações às reservas.
Parece-me que para isto não tenho resposta.
"Os bancos poderiam fazer basicamente o mesmo que hoje fazem, mas criando uma espécie de "moeda alternativa" que seria transaccionada exactamente como a moeda "real" na medida em que os actores neles confiam. "
Sim, desde que essa dta "moeda alternativa" possa ser distinguida da moeda.
Circulariam assim:
- moeda física,
- notas -certificados de depósito de moeda-física realmente existente
- contas correntes de depósitos de moeda física realmente existente
versus
- títulos de promessa de pagamento de moeda física ou equivalente
- contas correntes de promessas de pagamento.
Com tanta regulação e preocupação com o consumidor certamente qualquer regulador não poderia deixar passar que uns e outros não sejam confundidos,
Agora, porque razão uma pessoa na poesse de moeda física iria depositar a sua moeda física numa conta no qual no imediato acto de "depósito" passaria a ter a promessa de pagamento por confiança versus depositar numa conta onde o seu ouro físico existiria sempre disponível a qualquer momento.
Mais:
Porque os contratos de compra e venda e de operações de crédito haveriam de ser indiferentes a serem liquidados entre moeda física e títulos equivalentes ou promessas de pagamento de moeda física?
O mais natural seria essa "moeda" de promessa de entrega começar a circular a desconto em relação a moeda física e equivalente.
O meu argumento é que a não distinção entre ambos por confusão jurídica do próprio interesse dos bancos de poder político conduziu a que a moeda depositada acabasse toda a ser "promessa de pagamento" e não a certeza da moeda depositada.
Este simples facto faz com que o sistema bancário consiga expandir o crédito por crédito da conta corrente por criação dessa moeda alternativa, desaparecendo por completo a oferta de conta corrente de depósito de moeda realmente existente.
«Agora, porque razão uma pessoa na poesse de moeda física iria depositar a sua moeda física numa conta no qual no imediato acto de "depósito" passaria a ter a promessa de pagamento por confiança versus depositar numa conta onde o seu ouro físico existiria sempre disponível a qualquer momento.»
Porque quer maximizar os juros.
Os bancos só têm interesse em aceitar depósitos resgatáveis (em relação aos quais não podem emprestar dinheiro) se cobrarem por esse serviço.
Mas se um depósito for resgatável em "moeda alternativa", o banco pode emprestar a totalidade do depósito e cobrar um juro, pelo que a concorrência garante que também ofereça um juro ao depositante.
Desde que os depositantes confiem nos bancos (e é própria premissa do CN que confiaram em excesso) vão preferir resgatar os seus depósitos em moeda alternativa e receber juros do que resgatá-los em moeda real e ter de pagar os custos do serviço.
«O mais natural seria essa "moeda" de promessa de entrega começar a circular a desconto em relação a moeda física e equivalente»
Sim, mas o desconto poderia ser tão baixo quanto fosse alta a confiança nas instituições bancárias.
Assim, se ela fosse excessiva - como efectivamente foi - este arranjo não evitaria as crises. Potencia-las-ia pois as "reservas efectivas" já não teriam qualquer limitação (poderiam ser de 0%).
"Porque quer maximizar os juros."
Juros de depósitos à ordem sempre foram nulos ou muito baixos, e esse juros são pagos também em "promessas" e não em ouro físico.
"Sim, mas o desconto poderia ser tão baixo quanto fosse alta a confiança nas instituições bancárias."
Qualquer desconto levaria a má moeda a ser expulsa. Como depositar 1 Kg de ouro, por um registo que é aceite no mercado apenas por 99.5% (incluindo os supostos juros a pagar)?
Há aqui uma dimensão de direito que não pode ser ignorada.
Um contrato de depósito civil é uma coisa, um contrato de "promessa de entrega" é outro.
Ninguém faria contratos onde a liquidação ou contrato de crédito é uma coisa ou outra. Um vendedor quer receber em ouro físico ou equivalente. Se receber noutro contrato com outro risco pede um prémio no preço.
O que quero dizer, que toda esta questão tem de partir de uma premissa de direito.
Os contratos têm de ser totalmente bem expressos, definidos e identificados por quem os usa, ou seja, o público em geral.
Sem esta exigência é evidente que se cai na outra lei, a má moeda afasta a boa moeda, porque quem emite má moeda como se fosse boa, consegue oferecer mais crédito, melhores condições.
Existe outro ponto:
o facto de existir um risco de crédito na "moeda alternativa" significa que cada emitente tem o seu risco também, assim:
O Banco X emite notas com um risco (porque utiliza certa% reservas, etc.)
O Banco Y emites outras notas com outro risco.
P mercado tem de gerir potas do Banco X como diferente de notas do Banco Y...isto para além de notas do Banco com 100% de reservas com risco de crédito 0 dado ser um armazém de ouro físico.
«Juros de depósitos à ordem sempre foram nulos ou muito baixos, »
Os depósitos a prazo também são resgatáveis...
« Como depositar 1 Kg de ouro, por um registo que é aceite no mercado apenas por 99.5%»
Da maneira normal. Isso aliás é a situação comum, por outros factores.
«Há aqui uma dimensão de direito que não pode ser ignorada.
Um contrato de depósito civil é uma coisa, um contrato de "promessa de entrega" é outro.»
De acordo. E ao nível dos princípios isso faz diferença. Estou de acordo.
Mas o problema é que se as consequências económicas são semelhantes, então ambas as situações provocariam as crises que um sistema se propõe a resolver.
«P mercado tem de gerir potas do Banco X como diferente de notas do Banco Y...isto para além de notas do Banco com 100% de reservas com risco de crédito 0 dado ser um armazém de ouro físico.»
A questão é que se o mercado fosse capaz de fazer essa gestão adequadamente, então mesmo com a situação actual (reservas fraccionárias) não se tinham gerado as bolhas que geraram.
Para falar verdade, parece-me que a única justificação que sobra para proibir as reservas fraccionárias é uma de princípio.
Aquilo que me foi dito: que este sistema de transacção de "promessas" teria os mesmos efeitos que as reservas fraccionárias (ou piores) no que diz respeito à criação de bolhas, caso a lei exigisse reservas de 100%, parece fazer sentido, e não há uma boa resposta a esta objecção.
Isto até me incomoda um pouco porque esta explicação (a da transacção de promessas) foi-me dada num tom particularmente condescendente, que estava mesmo com esperança de que existisse uma boa resposta.
João Vasco
Historicamente, pelo que eu já li, não existe dúvida que a transfiguração das contas correntes de um contrato de depósito para uma promessa de pagamento foi no interesse dos bancos e do poder político e subvertendo o direito civil, por causa da ilusão do crédito barato.
A boa resposta é que assim os contratos em questão estejam bem definidos e ninguém teria interesse em trocar ouro físico por uma promessa de pagamento.
Quem emitir promessas de pagamento para por a circular veria esse título a ser rejeitado pelo desconto, porque quem o faz, mais tarde ou mais cedo ficará sujeito a uma corrida para trocar a promessa pela coisa prometida.
No padrão-ouro, pelo menos os bancos estavam sujeitos a corridas aos bancos, e as pessoas apercebiam-se do risco de depositar ouro nos bancos, por isso sempre existiu uma enorme desconfiança em relação aos bancos.
Foram essas corridas aos bancos que levou à formação de um cartel à volta de um banco central que evitasse as corridas aos bancos, gerindo as reservas de ouro colectivamente. Mas isso levou a aumentar ainda mais a capacidade de dar crédito cada vez com menos reservas.
Depois, nem isso salvou a banca e a a acção do Estado foi nacionalizar o ouro e passar a fabricar as reservas e na prática os bancos nem reservas precisam de ter.
E agora estamos aqui. As bolas e crises acontecem na mesma.
Bancos, poder, economistas e juristas irão sempre defender que dar crédito por emissão de moeda "falsa" é coisa boa.
A história mostra como as bolhas e as crises afectam a população recorrentemente há séculos.
Também mostra como os bancos ganharam poder e riqueza com o poder de criar moeda, criando uma classe oligárquica à sua volta.
Devem existir pouco pontos fulcrais de debate como este com consequências civilizacionais determinantes.
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