Provavelemente alguns dos leitores estão a pensar "o que é isso de «mutualistas»" (alguns também estarão a pensar o que são "austríacos").
O mutualismo é uma teoria (importante no século XIX) que defende que se for possivel a criação de moedas privadas (ou cooperativas), garantidas, não por metais preciosos (recorde-se que estamos a falar de um movimento criado no século XIX, no tempo do padrão-ouro), mas por hipotecas sobre activos reais, os juros dos empréstimos irão ser muito mais baixos, permitindo aos trabalhadores tornarem-se proprietários e acabando com a divisão patrão-empregado (ou seja, o "mercado livre" destruiria o "capitalismo").
Vou tentar explicar como isso funcionaria:
Imagine-se que eu tenho uma casa no valor de 100.000 euros. Agora imagine-se que eu assinava 1.500 documentos dizendo "A partir de 08/04/2007, pagarei ao portador 50 euros. Em caso de incumprimento, a minha casa será vendida para pagar essa dívida". Ora, se houvesse certeza absoluta que os portadores dessas "notas" iriam, daqui a um ano, receber 50 euros por "nota", não haveria razão para essas não serem aceites ao "valor de mercado" de 50 euros - ou seja, eu estaria a receber um empréstimo de 75.000 euros, sem juros.
À primeira vista poder-se-á argumentar "Não. As suas notas só irão valer 50 euros daqui a um ano. Hoje, o seu valor de mercado irá ser 50 euros descontado pela taxa de juro do mercado", mas não: suponhamos que, hoje, a minhas notas valiam 47 euros; isso quer dizer que, no próximo ano, iriam valorizar 6,38%, em relação ao euro (já que é um dado que irão valer 50 euros a 08/04/2007). Logo, as pessoas iriam preferir usar as minhas notas em vez de euros, fazendo subir o seu valor. Assim (repito, se não houvesse qualquer risco de incumprimento), mesmo a um ano de distãncia, as minhas notas iriam valer 50 euros (se valessem menos, quer dizer que iriam valorizar em relação ao euro ao longo do ano, logo iria ser uma moeda mais procurada que o euro). Na realidade, valeriam um pouco menos, devido ao risco de eu não pagar (mesmo vendendo a casa), e também devido ao incómodo de usar uma moeda "não-convencional" - ou seja, para todos os efeitos, eu pagaria um juro (ou seja a diferença entre 50 euros que vou pagar daqui a um ano e o valor, hoje, das notas que emiti) equivalente apenas ao "prémio de risco".
Claro que o modelo mutualista não é cada individuo imprimir a sua própria moeda: a ideia é criar cooperativas de crédito que emitem moeda garantida pelos bens hipotecados pelos seus sócios/devedores, mas, no fundo, é como o mecanismo acima descrito, mas em ponto grande - assim, eu, em vez de pagar aos meus 1.500 potenciais credores, apenas tenho que pagar a minha dívida à cooperativa (em rigor, o sistema que descrevi é uma adaptação de um modelo específico de mutualismo: o de Tucker, em que os titulares das notas, a partir de uma certa data, podem ir ao banco cooperativo trocar as notas por ouro; outras variantes funcionam de modo diferente).
Textos sobre o assunto:O mutualismo é uma teoria (importante no século XIX) que defende que se for possivel a criação de moedas privadas (ou cooperativas), garantidas, não por metais preciosos (recorde-se que estamos a falar de um movimento criado no século XIX, no tempo do padrão-ouro), mas por hipotecas sobre activos reais, os juros dos empréstimos irão ser muito mais baixos, permitindo aos trabalhadores tornarem-se proprietários e acabando com a divisão patrão-empregado (ou seja, o "mercado livre" destruiria o "capitalismo").
Vou tentar explicar como isso funcionaria:
Imagine-se que eu tenho uma casa no valor de 100.000 euros. Agora imagine-se que eu assinava 1.500 documentos dizendo "A partir de 08/04/2007, pagarei ao portador 50 euros. Em caso de incumprimento, a minha casa será vendida para pagar essa dívida". Ora, se houvesse certeza absoluta que os portadores dessas "notas" iriam, daqui a um ano, receber 50 euros por "nota", não haveria razão para essas não serem aceites ao "valor de mercado" de 50 euros - ou seja, eu estaria a receber um empréstimo de 75.000 euros, sem juros.
À primeira vista poder-se-á argumentar "Não. As suas notas só irão valer 50 euros daqui a um ano. Hoje, o seu valor de mercado irá ser 50 euros descontado pela taxa de juro do mercado", mas não: suponhamos que, hoje, a minhas notas valiam 47 euros; isso quer dizer que, no próximo ano, iriam valorizar 6,38%, em relação ao euro (já que é um dado que irão valer 50 euros a 08/04/2007). Logo, as pessoas iriam preferir usar as minhas notas em vez de euros, fazendo subir o seu valor. Assim (repito, se não houvesse qualquer risco de incumprimento), mesmo a um ano de distãncia, as minhas notas iriam valer 50 euros (se valessem menos, quer dizer que iriam valorizar em relação ao euro ao longo do ano, logo iria ser uma moeda mais procurada que o euro). Na realidade, valeriam um pouco menos, devido ao risco de eu não pagar (mesmo vendendo a casa), e também devido ao incómodo de usar uma moeda "não-convencional" - ou seja, para todos os efeitos, eu pagaria um juro (ou seja a diferença entre 50 euros que vou pagar daqui a um ano e o valor, hoje, das notas que emiti) equivalente apenas ao "prémio de risco".
Claro que o modelo mutualista não é cada individuo imprimir a sua própria moeda: a ideia é criar cooperativas de crédito que emitem moeda garantida pelos bens hipotecados pelos seus sócios/devedores, mas, no fundo, é como o mecanismo acima descrito, mas em ponto grande - assim, eu, em vez de pagar aos meus 1.500 potenciais credores, apenas tenho que pagar a minha dívida à cooperativa (em rigor, o sistema que descrevi é uma adaptação de um modelo específico de mutualismo: o de Tucker, em que os titulares das notas, a partir de uma certa data, podem ir ao banco cooperativo trocar as notas por ouro; outras variantes funcionam de modo diferente).
Proudhon's Bank of the People, de Charles Dana
Mutual Banking, de William Greene
Individual Liberty, de Benjamin Tucker
J.5.6 What are the key features of mutual credit schemes?, no Anarchist FAQ
A minha opinião é que estas teses têm alguma lógica, mas são talvez demasiado optimistas.
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