Gostei tanto deste texto (já com quase 2 semanas) de Miguel Serras Pereira sobre as eleições legislativas (publicado por Zé Neves no 5 dias) que decidi repostá-lo aquí:
Caro Zé Neves, tenho lido com todo o interesse as tuas reflexões pré-eleitorais, que têm, entre outros, o mérito de relativizar o alcance da intervenção no correspondente jogo (intervenção recomendável, todavia, pois quem quer o mais, quer o menos, e dizer que votar – em branco, se se quiser – nas eleições não vale a pena deixa-nos numa posição desconfortável para pedir mais ocasiões de deliberação e decisão política à margem dos aparelhos e contra a actual divisão do trabalho político). Mas para não me alargar demasiado direi aqui que te acompanharei votando no BE, por razões que ora são solidárias das tuas, ora nem tanto, deixando-te e aos outros a tarefa de julgar onde nos aproximamos e onde nos afastamos. Votarei no BE porque este é o partido que, apesar de tudo, [é] mais aberto a perspectivas de alargamento da cidadania activa, e o horizonte da minha perspectiva política é o governo igualitário e regular dos cidadãos pelos cidadãos – ou, se quiseres, a cidadania governante contra o poder de Estado e o poder político por ele enquadrado que se exerce através e a coberto da esfera económica “despolitizada”. Votaria no BE com mais convicção se este em vez de insistir tanto na conquista por dirigentes de lugares dirigentes na cena política estabelecida, insistisse na transformação dos modos e lugares de exercício do poder, apresentando a possibilidade de ter deputados na Assembleia da República como um passo não para virmos a ter Francisco Louçã (ou qualquer outro militante do BE) no lugar de primeiro-ministro, mas para avançarmos na construção de uma democracia que dispensasse esse cargo; não para virmos a ter o BE no governo, mas para transformarmos o modo de ser e a lógica hierárquica do governo; não para termos outras medidas políticas, mas outra maneira de fazer política. É, de resto, por isso que, admitindo embora a possibilidade e a necessidade de o grosso dos militantes e companheiros de jornada do PCP virem a integrar as fileiras do combate pela cidadania governante, penso que o PCP enquanto tal é, não só irrecuperável, como continua portador de um projecto de sociedade e tipo de regime que qualquer projecto de autonomia terá de remover do seu caminho. Do mesmo modo, é porque no BE – e apesar dos lugares mais ou menos cimeiros que possam ocupar – o contingente de “revolucionários profissionais”, que pretendem deter a consciência, a verdade histórica e o direito à direcção dos trabalhadores (disciplinando por via policial e militar em sendo caso disso as “ilusões” e “erros” da sua mão-de-obra), me parece, ao contrário do que pensa o Miguel Vale de Almeida, tender a esbater-se, que – tendo também em vista tornar mais instável a hegemonia da cena política e o próprio regime, pondo a democratização das instituições na ordem do dia – darei ao Bloco o meu voto, estando disposto a apoiar muitas das lutas que trava. Haveria por certo muito mais reservas a pôr ao programa do BE, não só no plano das cedências práticas que tem feito à política profissional (a democracia e a classe política, bem como a distinção permanente e estrutural entre governantes e governados, são incompatíveis), mas também no das medidas concretas propostas (e, entre outras coisas, no que se refere à política internacional). Só que, para comentário, este já vai longe. Aceita pois editar este meu apelo ao voto no BE, baseado embora em considerandos que por vezes divergem dos teus, mas que remetem para o que penso serem aspectos nucleares à conquista dessa condição necessária da autonomia a que chamo a cidadania governante. Um abraço, miguel serras pereira
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