Tuesday, October 27, 2009

Re: a Direita que a Esquerda quer


Por mim, esclareço desde já que não quero (nem deixo de querer...) que a direita ou os liberais não sejam "conservadores"; nomedamente, acho que a combinação que algumas pessoas (estilo Reason) tentam fazer entre a defesa do liberalismo e do capitalismo e o "progressismo" em questões sociais está condenada ao fracasso, por uma razão: a empresa capitalista é uma instituição hierarquizada, logo necessita que na familia, na escola, etc. os futuros empregados sejam ensinados a respeitar os seus "superiores" - assim, acho que o capitalismo é inseparável do conservadorismo social (diga-se que também acho que o "liberalismo conservador" também está condenado ao fracasso, mas isso é outra história).

E de uma perspectiva puramente interesseira, também é útil à esquerda que a direita e os liberais sejam conservadores: há um grande mercado eleitoral (nomeadamente na classe média urbana/"lugares contraditórios de classe entre a pequena burguesia e o proletariado") de pessoas "progressistas" em questões sociais e relativamente agnósticas em questões económicas, que assim caem para a esquerda; é verdade que (nomeadamente nalguns sectores do classe operária tradicional) também há eleitores socialmente "conservadores" e economicamente de esquerda, mas nesses a identificação económica costuma prevalecer sobre as questões sociais.

No entanto, Rui A. escreve:

"A razão reside no facto de que alguma direita partilha dos pressupostos do liberalismo clássico, enquanto que a esquerda é sempre, pelo menos, estatista, voluntarista e igualitarista. "

Nem toda a esquerda é "estatista" - mesmo deixando de lado os que pretendem "abolir o Estado aos poucos" (que, quando chegaram ao poder, muitas vezes o que o que fizeram foi reforçá-lo), ainda há a esquerda que o pretende abolir de uma só vez (afinal, era o próprio Rui A. que há tempos falava de Proudhon). E, mesmo dentro dos limites do debate politico nas democracias ocidentais, há muitas questões em que é a esquerda (ou alguma esquerda) que é anti-estatista (p.ex., prisão preventiva, propriedade intelectual, etc.).

Já agora, qual é a grande contradição entre o "voluntarismo" e o liberalismo clássico? O liberal é o Rui, não eu, mas imagino que, se uma sociedade tiver caracteristicas que violem os principios liberais (p.ex., escravatura, assassinios de honra, titulos de propriedade ilegitimos, etc.), um liberal tentará, "voluntaristicamente", alterar essa sociedade, sem ficar à espera que a sociedade evolua por si, ou não? Ou estou a interpretar mal o significado de "voluntarismo" e/ou de "liberal"?

Alías, até há uma esquerda que defende "[a] propriedade, [a] liberdade económica, [o] estado mínimo e [o] governo limitado pelos valores do individualismo." - o anarquismo individualista (isto, assumindo que a anarquia conta como "estado mínimo" e "governo limitado" - querem estado mais mínimo e governo mais limitado do que isso?); Benjamin Tucker até chegou a escrever que a sua doutrina era a "escola de Machester" levada às ultimas consequências (mas pronto, é uma escola tão pequena e praticamente extinta, logo podemos descartá-la).

Finalmente, acerca da tese que "é que esta diluição dos conceitos de esquerda e de direita aproveita invariavelmente à primeira e prejudica sempre a segunda"; bem, eu sempre ouvi dizer que, quando alguém diz que não há esquerda e direita, isso é a prova que esse alguém é de direita, o que parece ir em sentido contrário. A mim, parece-me que tudo o que diminua a polarização direita-esquerda é benéfico para a direita, por uma razão muito simples - a maior parte das pessoas é beneficiária liquida das politicas redistributivas do "estado social", logo num confronto fortemente polarizado entre esquerda e direita, a esquerda ganha. Em contrapartida, veja-se a Polónia, em que o confronto politico passou a ser entre direita liberal e direita conservadora; a esquerda polaca ganhou algo com isso? Parece-me que não.

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