Thursday, October 08, 2009

RSI pago em géneros?

Imagine-se que o Rendimento Social de Inserção era pago (total ou parcialmente) em géneros - ou seja, em vez de o beneficiário recer, digamos, 90 euros, recebia bens no valor de 90 euros (ou vouchers no valor de 90 euros, que é um situação intermédia entre as duas).

Se o planificador central bem intencionado que decidir quais os bens que correspondem às necessidades dos beneficiários (de cada beneficiário!) acertar na previsão de quais são essas necessidades, a utilidade dos beneficiários será exactamente a mesma do que seria se fossem eles a decidir como gastar o dinheiro (e, de caminho, o argumento hayekiano contra o socialismo será definitivamente refutado...); mas mesmo assim, haverá algum prejuizo, já que será necessário pagar a mais uns quantos "peritos" para determinar quais as necessidades dos beneficiários.

Agora (cenário mais provável), vamos imaginar que os "peritos" não acertam nas necessidades dos beneficiários: p.ex., forneciam sandes de queijo a alguém que só gosta de sandes de fiambre; assim a utilidade do beneficiário seria menor do que se ele recebesse dinheiro para gastar como bem entendesse.

E quanto aos contribuintes? Eles de qualquer maneira vão pagar 90 euros - seja directamente em dinheiro, seja em géneros, logo a sua utilidade não se vai alterar (bem, talvez diminua também, porque, além do RSI, vão ter tambémque pagar as despesas dos burocratas do nanny state encarregues de decidir o que os pobres precisam).

Assim, uma medida que vai reduzir a utilidade dos beneficiários do RSI e (na melhor das hipoteses) não vai aumentar a utilidade dos contribuintes vai reduzir a utilidade total dos individuos na sociedade, ou, em linguagém económica, vai-nos afastar da eficiência paretiana.

Claro que se pode argumentar que a ideia é exactamente diminuir a utilidade dos beneficiários do RSI - assim, pelo menos alguns casos "na margem" abandonarão o programa e, aí, efectivamente, haverá um beneficio para os contribuintes. No entanto, o mesmo efeito (diminuir a atractividade do RSI) seria atingido, simplesmente, continuando a pagar o RSI em dinheiro mas reduzindo o seu valor (para os contribuintes, esta opção seria melhor do que passar a pagar o RSI em géneros, já que haveria poupanças, não apenas pela redução do número de beneficiários, mas na despesa por beneficiário; para os beneficiários propriamente ditos, poderia ser melhor ou pior - penso que é impossivel saber). Assim, a única "racionalidade" que eu vejo em se propôr o pagamento do RSI em géneros em vez da redução do valor do RSI é que a primeira opção soa menos "neo-liberal/capitalista selvagem", mesmo que a ideia seja a mesma que a segunda.

Para finalizar, não deixa de ser curioso que as pessoas que defendem o RSI pago géneros sejam, muitas vezes, as mesmas que defendem a "liberdade de escolha" na educação e na saúde, quando o principio em causa é, fundamentalmente, o mesmo (o Estado fornecer bens/serviços, ou permitir aos beneficiários decidir onde gastar o dinheiro). Claro que este meu último argumento pode ser virado ao contrário - afinal, as pessoas que defendem o RSI em dinheiro são, muitas vezes, também as mesmas que são contra os cheques-educação e afins.

*poderá-se dizer que este meu exemplo é caricatural - afinal, quase de certeza que o que iria ser dado seriam senhas que poderiam ser gastas em qualquer tipo de comida. Mas o principio é esse - a lógica dos "géneros" em vez de dinheiro é, exactamente, dar o produto A a alguém que prefere o produto B

P.S. ainda hei de escrever mais alguma coisa sobre os impostos negativos

2 comments:

Miguel Carvalho said...

Indo por uma argumentação económica (já que do ponto de vista social, o estigma de usar senhas no supermercado só pode de defensores da caridadezinha), bastaria pensar em quem tem uma horta, ou outra fonte dum bem fundamental, mas que ainda tenha direito ao RSI.

CN said...

Em espécie é equivalente a ter sob a forma de cheques para consumos específicos.

Seja com for, como com qualquer forma de imposto negativo, vai crescer o número de pessoas que o recebem e quando passar a ser um número não de desprezar em termos políticos, e passa a ser objecto de proposta de subida do seu valor.

E por aí adiante.