Friday, March 12, 2010

Fraudes no subsidio de desemprego: uma benção disfarçada?

Este meu texto foi publicado inicialmente n'O Valor das Ideias, de Carlos Santos, a título de "edição de aniversário" (em que o autor pediu a outros bloggers para escreverem textos). Como esse blogue já não está "no ar", republico-o aqui:

Imagine-se alguém trabalhando no “mercado negro” e recebendo um subsídio de desemprego ao mesmo tempo; ou não declarando esse rendimento para efeitos de RSI (recorde-se que 85% do valor dos rendimentos do trabalho auferidos é suposto serem descontados no RSI). Note-se que não estou a fazer qualquer juízo sobre se há muitas ou poucas pessoas nessas condições

É o género de coisa que costuma suscitar indignação generalizada, com a “direita” a dizer “Estes programas só servem para estimular a fraude” e a “esquerda” a dizer “Os programas são bons; claro, é necessário fiscalização a sério”.

Neste post vou explorar a hipótese alternativa: de as fraudes nos benefícios sociais poderem, em certos casos, contribuírem para uma maior eficiência económica.

Um dos argumentos económicos contra os programas sociais (ou, pelo menos, contra estes serem muito generosos) é estes, alegadamente, desincentivarem o trabalho – se eu estou a receber 100 contos de subsidio de desemprego e me oferecerem um emprego a ganhar 120, é possível que não o aceite, já que na prática iria apenas ganhar 20 contos. Mas, se eu continuar a receber os 100 contos (ou seja, recebendo 220 contos no total), o meu incentivo para aceitar o emprego é muito maior.

Assim, talvez possamos dizer que, quanto mais fraudes nos programas sociais existirem, menos esses programas terão efeitos distorcedores sobre a economia.

Claro que há o reverso da medalha – em princípio, mais fraudes significa mais dinheiro gasto nesses programas, logo mais impostos (e de novo as distorções económicas provocadas por esses impostos).

No fundo, determinar se as fraudes no subsídio de desemprego são boas ou más para a economia depende de duas questões: a primeira é o que fariam essas pessoas (que recebem subsidio e trabalham ao mesmo tempo) se lhes fosse impossível fazer isso? Iriam receber o subsídio e não trabalhar, ou iriam trabalhar legalmente (perdendo o subsidio)?

No primeiro caso, a fraude traduz-se em mais produção na economia com as mesmas despesas para o Estado; no segundo caso, a fraude traduz-se na (aproximadamente a) mesma produção e mais despesa pública. Ou seja, no primeiro caso a fraude é boa para a economia; no segundo é má (note-se que a realidade será provavelmente uma mistura desses dois casos extremos).

Depois temos a segunda questão: qual o grau de ineficiência económica provocada pelos impostos?

Recorde-se que as fraudes diminuem o desincentivo provocado pelos subsídios, mas ao mesmo tempo levam a um aumento da despesa pública, logo dos impostos.

Assim, se o aumento de impostos provocado pelas fraudes afectar bastante a actividade económica, pode contrabalançar o efeito positivo atrás descrito; pelo contrário, se essa sobre-carga fiscal não afectar o comportamento da generalidade dos contribuintes a fraude no subsídio de desemprego tenderá a ser globalmente benéfica.

Note-se que haver muitas ou poucas fraudes é irrelevante para aqui: a dimensão das fraudes poderá afectar o montante global dos efeitos positivos e negativos, mas não a questão sobre qual desses efeitos é maior.

De qualquer forma, acho que uma coisa podemos concluir – numa perspectiva puramente económica, faria sentido que quanto mais alguém acha que os programas sociais são “um enorme incentivo ao ócio e à dependência”, mais “tolerante” fosse perante as fraudes nesses programas (afinal, já vimos que as fraudes reduzem a tendência “ao ócio e à dependência”). No entanto, tal não parece suceder na realidade – muitas vezes as pessoas que mais criticam os efeitos “distorcedores” dos programas sociais são também as que mais falam contra as fraudes nesses programas.

Já agora, a minha opinião face a esses programas sociais – simpatizo com a ideia de serem substituídos por um subsídio uniforme pago a cada cidadão (o chamado “rendimento básico de cidadania”), o que em principio eliminaria os tais efeitos distorcedores e também reduziria bastante a possibilidade de fraudes (a única fraude possível seria criar “pessoas” falsas para receber subsídios adicionais, o que não é muito prático).

Uma nota final – este post foi vagamente inspirado por este (“In praise of benefit frauds”) do blogger britânico David Osler.

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