Saturday, March 06, 2010

Re: Propriedade privada e anarco-comunismo (III)

[Continuando a responder a Rui Botelho Rodrigues]

Por outro lado, o conceito de propriedade comum é impraticável: ou todos os cidadãos têm o direito de controlar todos os recursos e assim decidir o seu destino, ou então esse direito é delegado a outros indivíduos. Não é difícil imaginar o caos inerente a uma situação de real propriedade comum: todas as diferentes ideias e opiniões de todos os cidadãos sobre o uso de um determinado recurso iriam permanentemente estar em conflito; só no caso de todos concordarem sobre o uso específico de um determinado recurso poderia ser esse recurso utilizado justamente. Tal fenómeno é improvável numa comunidade de dez pessoas, e impossível numa comunidade maior.
 Repito o que escrevi aqui sobre como poderia funcionar a "propriedade comum" (ou o que lhe quisermos chamar):
[A] proposta apresentada por Neno Vasco no seu livro "Concepção Anarquista do Sindicalismo" (no capítulo "A Organização Comunista"):

"A garantia última e decisiva é o direito que, numa sociedade comunista, todos têm de entrar em cada uma das associações produtoras e de se servir dos instrumentos de trabalho que ela maneja (...)"

"Sob pena de não estarem socializados os meios de produção, nem abolida a autoridade, o sindicato, o grupo profissional do futuro tem de ser aberto e de não possuir exclusivamente os meios de produção. Cada um, se quiser, deve poder mudar de profissão ou até pôr-se a produzir individualmente. Quando, por exemplo, a união local tiver ultrapassado o ponto optimum, deixando a grandeza da associação de ser útil para embaraçar pela complexidade, fugindo à apreciação individual, os que assim o entenderem devem poder construir ao lado outra federação ou comuna".

Ou seja, basicamente Neno Vasco propunha um sistema em que os meios de produção, sendo propriedade da comunidade, fossem geridos pelos sindicatos / associações de produtores, que os poriam à disposição dos seus membros; qualquer pessoa teria o direito de entrar em qualquer sindicato; e um sindicato poderia subdividir-se se um grupo dos seus membros assim o entendesse.

Desta forma, teríamos uma sociedade, simultaneamente, sem Estado nem propriedade privada dos meios de produção (note-se que não digo "sem posse privada" - poderia perfeitamente haver instituições como o moshav israelita, em que a terra pertence à comunidade, mas cada família explora a "sua" parcela): os meios de produção seriam, em última instância, propriedade de todos, já que, se qualquer pessoa pode entrar em qualquer das sindicatos que os administram, quer dizer que toda a gente acaba por ter direito ao uso desses bens (podem é não exercer esse direito); e o poder não estaria centralizado num Estado, mas distribuído pelos vários sindicatos (em que até se poderiam subdividir).

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