Thursday, March 11, 2010

O referendo islandês

No sábado passado, cerca de 98% dos islandeses votaram contra o acordo de pagamento ao Reino Unido e aos Paises Baixos acerca do banco Icesave.

Para começar, uma explicação preliminar: o Icesave era a "filial electrónica" de um banco islandês, que efectuava as suas operações essencialmente no Reino Unido e nos Países Baixos, oferecendo depósitos de alto rendimento (aparentemente, o volume de negócios desse banco era muito superior ao PIB islândês).

Quando o sistema financeiro da ilha faliu, os governos britânico e holandês indemnizaram os seus nacionais que tinham investido no Icesave, tendo depois entrado em negociações com a Islândia para reaver o dinheiro (embora seja duvidoso que a Islândia tenha uma obrigação legal de pagar esse valor).

Em Dezembro, o novo governo islandês assinou um acordo com britânicos e holandeses, prevendo pagamentos bastante elevados pela Islândia, que foi bastante contestado, tendo (em resposta a uma petição popular) o presidente vetado o acordo e convocado o tal referendo.

Ali em baixo, o Filipe Abrantes escreve que "Vai haver renogociação. Como aquando dos referendos ao tratado de Lisboa. Votar Não não garante o Não, garante sim que se dê a volta até o Sim vingar na prática."; na verdade há meses que já esta a haver renogociação - inclusivemente há dias a primeira-ministra dizia que esse referendo já não fazia sentido porque ia-se referendar o acordo feito em Dezembro quando já foi assinado um acordo muito mais fabvorável para a Islândia.

No entanto, podem-se concluir duas coisas daí:

A primeira é que, se é assim, os cidadãos que se opuseram ao governo e se mobilizaram contra o acordo de Dezembro (e o presidente que convocou o referendo) prestaram um serviço ao país, mesmo de acordo com a primeira-ministra: afinal, parece já se conseguiu um acordo melhor (o que não aconteceria se o acordo original tivesse sido aprovado)

A segunda é uma questão mais importante, porque já não tem a ver com um problema concreto da Islândia mas com uma questão de politica geral - o tal acordo de Dezembro foi negociado por um governo de coligação entre a "Aliança Social Democrata" (centro-esquerda) e o "Movimento Esquerda Verde" (até há pouco tempo considerado "esquerda radical"), constituido após a queda do anterior governo de "bloco central.". O que dá que pensar é que a "Esquerda Verda" (que tem orgânica e historicamente muito mais a ver com partidos como o "nosso" BE, o Die Linke alemão ou o Synaspismos grego do que com os partidos "verdes" europeus), cujo líder é o novo Ministro da Economia, aceitou tão rapidamente impor pesados custos ao povo islandês para pagar os erros financeiros dos milionários locais; nos sites de noticias islandeses em inglês, era frequente os comentários do género "a Esquerda Verde, ansiosos por mostrar que sabiam «gerir o sistema», trairam tudo pelo que lutaram".

Tal mostra, por uma lado, que a participação de um partido de esquerda num governo dentro do sistema capitalista deve ser precedida de uma definição clara de que compromissos são aceitáveis ou não, para evitar a tendência para abandonar o programa mal entram para o governo; por outro, que tão ou mais importante que pôr a "esquerda radical" no governo, é haver lutas de movimentos de cidadãos suficientemente fortes para conseguirem alterar as decisões dos governos.

[também no Vias de Facto]

1 comment:

Zé Manuel said...

A situação na Islândia é idêntica à do BPP. Ou seja, os grandes capitalistas ingleses (nomeadamente estes) na ânsia do juro alto (pois a Islândia necessitava de dinheiro para a construção da barragem que iria abastecer de energia uma fábrica de alumínio) e vai dai retiraram o capital da banca inglesa e depositaram-no na ilha. Por cá sucedeu o mesmo com o BPP, o portuga esperto retirou a massa do seu banco a juros irrisórios e foi depositar a juros elevados no BPP na procura do lucro fácil, foi o que se viu. Agora pergunto: temos de ser todos a pagar a ganância de uns e a incompetência de muitos? Acho que não.