Tuesday, January 31, 2006

O homem mais genial do mundo?

A revista Sábado chama a Bill Gates "o homem mais rico e genial do mundo".

Eu até estou convencido que ele deve ter uma inteligência acima da média (como cerca de 50% da população), mas daí a ser o "mais genial do mundo"...

Entre os argumentos para essa distinção, a revista apresenta o facto de ele tar começado a fazer programas informáticos aos 13 anos - mas isso é a idade com que quase toda a gente que programa por hobby começa (desde que tenham um computador programável à mão)!

Poderão dizer "Ele desenhou o sistema operativo usado, se calhar, por 97% dos utilizadores", mas, actualmente, não é ele que cria e desenvolve o Windows, são os empregados dele.

O trabalho infantil

(tema que me ocorreu pelos comentários a este post)

A respeito do trabalho infantil em países do Terceiro Mundo, por vezes argumenta-se que fazer qualquer coisa contra isso só vai tornar essas populações mais pobres.

Mas, imaginemos uma fábrica com 100 trabalhadores, 30 dos quais "crianças" (o conceito é díficil definir, mas, digamos, com menos de 13 anos). Suponhamos que a empresa em questão deixa de contratar crianças (seja por legislação local, por legislação nos países importadores, por boicotes da "sociedade civil", etc.). Assim, se deixa de contratar essas 30 crianças, vai contratar 30 adultos no lugar delas, logo, o país em questão não vai ficar mais pobre (e mesmo que as tais 30 crianças - e respectivas famílias - fiquem mais pobres, as famílias - e respectivas crianças - dos tais 30 adultos vão ficar menos pobres).

Poder-se-á argumentar: "mas, não haverá a possibilidade de a empresa, pura e simplesmente, não contratar ninguém para substituir a 30 crianças?". Isso poderia ser se não houvesse mais mão-de-obra disponível que não as crianças, mas, regra geral, não é o caso nesses países (e, se fosse, também não era mau: se as empresas ficassem com falta de gente para trabalhar, isso iria originar uma subida dos salários).

Monday, January 30, 2006

Vaga de frio desmente "aquecimento global"? Não!

"As we rapidly increase Earth's average temperature, some regions, such as high latitudes, will experience greater warming than others, such as the tropics. As warming alters ocean and atmosphere circulation patterns, some regions could even experience cooling. Much of Western Europe is now warmed by ocean circulation as well as the atmosphere. Heat is transported to the region by a global ocean circulation pattern variably known as thermohaline circulation, the North Atlantic heat pump, or the "Great Ocean Conveyor Belt." This "heat pump" pulls warm salty water northward from the tropics into the North Atlantic, where heat is released, warming air temperatures over Europe."

"As Earth warms, melting of ice caps and glaciers, increased precipitation and other inflows of fresh water to the North Atlantic Ocean may weaken or shut down thermohaline circulation. This change in ocean circulation could disrupt the transfer of heat northward from the tropics, resulting in cooling in the North Atlantic region. Regional cooling of as much as 14-29°F (8-16°C) has been seen in the past climate record."

Sunday, January 29, 2006

A "esquerda radical" fora do "Ocidente"

Há quem reclame que "os activistas d[as] causas radicais-chic (..) só tenham por hábito manifestar-se no Ocidente capitalista e nunca em países como a Arábia Saudita, o Irão, Cuba, a Coreia do Norte ou a China".

Bem, o Afeganistão não faz parte da lista, mas, se estivéssemos no tempo dos talibãs, faria. E era no tempo dos talibãs que a Organização Revolucionária Trabalhista do Afeganistão organizava aulas clandestinas para mulheres.

Quanto aos Fedaien do Povo do Irão, não sei se fazem algo com utilidade prática, mas fizeram uma queixa ao "Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos" sobre a violência contra as mulheres por parte da policia iraniana.

A respeito da China: se considerarmos que criticar a "exploração dos trabalhadores na China" pode ser considerado uma causa "radical-chic", o "Grupo de Acção 5 de Agosto" e o "Pioneiro" fartam-se de falar nisso (bem, eles não estão exactamente na China, mas em Hong Kong, mas vai dar ao mesmo)

Poder-se-á argumentar "estamos a falar da «esquerda radical» do Ocidente, não dos seus «irmãos» nesses paises", mas qual seria a utilidade de algum "esquerdista" ocidental ir fazer "agitação" para um desses países? Sem um "núcleo de apoio" local, alguém lhe iria ligar?

Saturday, January 28, 2006

Marx X Bakunine

Pelos vistos, se lermos com atenção, os blogs de direita estão a relembrar os conflitos da velha esquerda do tempo da I Internacional.

A militância partidária é legítima?

Para começar, com "partido" quero dizer "organização que concorre a eleições". Assim, será que participar num partido não é contraditório para um defensor da democracia directa?

Esta é uma questão mais complexa que as anteriores (e que me é particularmente cara, devido à minha condição de militante partidário).

Por um lado, pode-se usar argumentos muito parecidos com os do post anterior: já que há governantes e governados, a militância partidária até é uma forma de ter mais alguma influência sobre os "governantes"; alem disso, pode-se usar a participação nos orgãos da "democracia representativa" para abrir portas à "participativa" (p.ex., um eleito para uma Assembleia Municipal pode organizar reuniões de moradores nos bairros e aldeias e levar as conclusões dessas reuniões à Assembleia).

No entanto, por outro lado, ao se participar num partido (sobretudo num partido que não tenha, no programa, a "democracia directa"), acaba-se muitas vezes por se ter que fazer campanha a favor do sistema "representativo". Um exemplo: está-se a distribuir panfletos na rua e alguém recusa, dizendo "Isso, vocês, políticos, são todos iguais!". Aí, numa campanha eleitoral, a resposta "padrão" é "Nós nunca estivemos lá. Só por os dos outros partidos serem assim, não quer dizer que nós sejamos"; mas esta resposta, na prática, equivale a fazer propagando pela "democracia representativa": no fundo, está-se a dizer "o mal não está em haver governantes e governados, está nas pessoas concretas escolhidas para governantes: substituam os «maus» governantes por «bons» e tudo correrá bem".

Somando todos os "prós" e "contras", acho que não há uma contradição fundamental em pertencer a um partido (sobretudo se for um partido mais de "contra-poder" do que de "poder"); e, seja como fôr, talvez não seja possível um democracia 100% "directa", apenas um evolução ao longo de um continuo "democracia representativa-democracia directa".

Mas, para visões alternativas nesta matéria (e na anterior):

"What is Direct Action?", no Anarchist FAQ.
"Open Letter to Comrade Lenin", de Herman Gorter (texto a refutar o "clássico" de Lenine, "O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo")

Votar é um acto legítimo

Mas, para um defensor da democracia participativa, votar não será contraditório? Afinal, é jogar as regras de um jogo que se contesta. Penso que não: uma pessoa pode achar que o ideal seria não haver governantes e, no entanto, achar "já que eles existem, ao menos escolher os que acharmos melhores". Afinal, também há muita gente que é a favor da autogestão dos trabalhadores, e não é por isso que deixa de procurar o melhor emprego que conseguir encontrar (ou seja, age como "já que há chefes e subordinados, ao menos que tenhamos os melhores chefes que consigamos arranjar").

E no caso das eleições até é mais flagrante, já que nem há a opção de "ficar de fora": enquanto um desempregado não tem nem os direitos (p.ex., ordenado) nem os deveres (p.ex., submissão) de um empregado, um abstencionista continua a ter todos os deveres de um súbdito do Estado.

A abstenção é um acto legítimo

Eu, achando que a democracia não se deve esgotar no voto, tenho votado sempre (embora não sei o que faria numa segunda volta Cavaco-Soares).

No entanto, discordo dessa conversa do "dever cívico" (a fazer lembrar o tempo em que quem não votava recebia a visita da PIDE) e do "quem se abstém, depois não pode dizer mal".

Vejamos: na Assembleia da República, sempre que se vota uma proposta, o Presidente da AR pergunta sempre: "Quem vota contra? Quem se abstém? Quem vota a favor?", e nunca ninguém levou a mal por algum deputado se abster nalguma votação (ou melhor, ninguém levou a mal a abstenção em si*). O que faz todo o sentido: se alguém achar que uma proposta tem pontos bons mas também maus, porque é que não há-de se abster? Ou se achar que a proposta é absolutamente irrelevante?

Ora, se ninguém acha "imoral" um deputado abster-se quando está a votar uma proposta que conhece em pormenor (afinal, o documento a ser votado está à vista, com todos os detalhes e alíneas), porque é que há de ser "imoral" um simples cidadão abster-se numa votação que consiste em passar um "cheque em branco" a uma pessoa (ou partido) para, basicamente, fazer o que lhe der na cabeça? Afinal, se é aceitável que alguém possa não ter opinião no primeiro caso (ou por não se decidir, ou por achar as alternativas irrelevante), porque não no segundo?

*P.ex., Daniel Campelo foi muito criticado pela sua abstenção na votação do OE, mas não pela abstenção em si, mas por ter trocado o seu voto por beneficios "paroquiais" (se ele, em vez da abstenção, tivesse votado "sim", de certeza que as críticas teriam sido iguais)

Friday, January 27, 2006

O "Altalena" e o Hamas

N' "O Acidental" argumenta-se que "Rabin, ainda nos primeiros anos do Estado de Israel, (...) enquanto comandante da defesa da costa, ordenou um ataque de artilharia sobre um barco cheio de radicais israelitas e de armas clandestinas", enquanto Arafat nunca terá sido capaz de fazer algo semelhante contra o Hamas.

Imagino que se trate de uma referência ao "Altalena", um barco carregado de armas para a Irgun (a organização que viria a dar origem ao Likud), afundado pelo exército israelita em 1948. Ora, é verdade que o exército israelita entrou em conflito com a Irgun, mas, antes, havia frequentemente colaborado com ela: durante a guerra de 1947/49, foram várias as acções conjuntas entre a Haganah (i.e., o futuro exército israelita) e a Irgun. Por exemplo, a ocupação de Jaffa pela Irgun foi feita em colaboração com a Haganah. Mesmo o massacre de Deir Yassin foi na sequência de uma operação conjunta Haganah-Irgun-Stern (é polémico se o ataque à aldeia estava já incluido no plano conjunto, ou se foi por iniciativa da Irgun).

Aonde é que eu quero chegar? Que, numa guerra, quando somos a "parte fraca" temos que fazer alianças: era exactamente essa a situação da Haganah no principio da guerra de 47/49 e da Fatah actualmente (ou melhor, neste momento, se calhar a Fatah já nem é "parte fraca" sequer). Só após a Haganah ter estabelecido a sua superioridade sobre os exércitos árabes é que Ben Gurion se voltou contra a Irgun.

Ora, se a Autoridade Palestinana sempre foi a "parte fraca" no recente conflito, seria quase impossível que se voltassem contra o Hamas (pelo que essa analogia entre o Hamas e a Irgun não faz grande sentido).

Evolução da votação de Louçã e do Bloco

Estive a comparar as votações de Louçã com as do BE nas legislativas, nos concelhos de Aljezur, Vila do Bispo, Monchique, Lagos, Portimão e Lagoa ("há gente sem nada de útil para fazer na vida", devem estar a pensar os leitores).

Maiores subidas:

Barão de S. Miguel, Vila do Bispo......13,46%........8,70%......+4,76
Bordeira, Ajezur.....................................6,70%.......3,05%..... +3,65
Rogil, Aljezur..........................................8,74%........5,12%......+3,62
Barão de S. João, Lagos........................5,49%........3,64%......+1,85
Raposeira, Vila do Bispo.......................4,66%........3,11%......+1,55

Maiores descidas:

Santa Maria, Lagos...............................5,71%........9,91%......-4,20
Alferce, Monchique...............................2,68%.......6,21%......-3,53
Lagoa, Lagoa..........................................5,23%.......7,20%.....-1,97
Portimão, Portimão...............................8,31%.......9,71%.....-1,40
Bensafrim, Lagos...................................8,93%.....10,21%....-1,28

Conclusão: as maiores subidas do Bloco foram nas aldeias do litoral (os "Barões" já são um bocado para o interior, mas não muito). As maiores descidas foram nos centros urbanos (refira-se que Santa Maria é a mais "burguesa" das duas freguesias da cidade de Lagos) e numa aldeia da serra (Alferce). A exepção à regra é mesmo Bensafrim (que fica mesmo ao pé dos "Barões").

Vamos ver agora os resultados absolutos.

Maior votação de Louçã:

Barão de S. Miguel, Vila do Bispo......13,46%
Vila do Bispo, Vila do Bispo................10,86%
Alvor, Portimão...................................10,47%
Ferragudo, Lagoa................................10,44%
Parchal, Lagoa.....................................10,00%

Menor votação:

Alferce, Monchique.............................2,68%
Marmelete, Monchique......................3,37%
Raposeira, Vila do Bispo.....................4,66%
Sagres, Vila do Bispo...........................5,11%
Lagoa, Lagoa........................................5,23%

Aqui a análise já é mais complicada: é verdade que, no "top mais", não há grandes dúvidas - mantém-se o padrão de pequenas localidades do litoral (embora Alvor, Ferragudo e Parchal tenham, em larga medida, deixado de ser aldeias de pescadores - ou de operários, no caso do Parchal - e passado a ser "dormitórios" de Portimão).

No entanto, o "top menos" já é mais heterógeneo: temos núcleos urbanos de classe média, como Lagoa e aldeias do interior (Alferce e Marmelete), mas também a Raposeira e Sagres, localidades muito parecidas com aquelas em que Louçã teve as maiores votações.

Mesmo assim, acho que, como já tinha referido, estas votações desmentem em parte a ideia do BE como um fenómeno "urbano e elitista" (no entanto, admito que o facto de, neste zona, os estudantes universitários irem para fora pode estar a distorcer os resultados, reforçando demograficamente a "esquerda-berbigão" em detrimento da "caviar")

Thursday, January 26, 2006

Negri é marxista?

Henrique Raposo d'O Acidental e Nuno Ramos de Almeida do Aspirina B estão entretidissimos a discutir Toni Negri.

Diga-se desde já que nunca li nada de Negri (mas quem quiser pode encontrar alguns textos aqui): o meu unico contacto relevante com a ideologia "autonomista" são alguns posts de "Rick Dangerous" no Spectrum, e uns textos que li aqui e alí (incluindo a critica que Louçã faz a Negri na "Herança Tricolor")

Pelos vistos, HRaposo argumenta que Negri não é marxista. Óbvio que não. Se nem Marx era marxista (pelo menos, ele disse que não era), como é que Negri pode ser marxista? (não percebo é que diferença faz a HR que Negri seja ou não marxista...)

Mas a sério, é curioso que HRaposo escreva "Um conservador não pode continuar a dizer que é conservador a partir do momento em que despreza a ordem orgânica. Um liberal deixa de o ser quando nega o direito natural. Um marxista deixa de ser marxista quando o seu trabalho está inundado por Deleuze ou Foucault". Ou seja, enquanto para o "conservadorismo" e o "liberalismo", temos um "mínimo dos mínimos" definido pela "positiva", como defender a "ordem orgânica" ou o "direito natural" (ainda que alguns liberais discordem), acerca do marxismo HR não dá nenhuma descrição séria do que é preciso para se ser marxista (limita-se a dar uma definição pela negativa: não citar Deleuze ou Foucault...).

Ora, o que é que caracteriza o marxismo?

Será que é tudo o que Marx escreveu? Se assim for, autores usualmente considerados "marxistas" não o seriam- a tese de Lenine de que a "consciencia revolucionária" não surge automaticamente no "proletariado", mas tem que lhe ser levada pelos "intelectuais burgueses" não é marxista; a tese de Trotsky de que só é possível derrubar o "feudalismo" saltando directamente para o socialismo também não é marxista, etc. O próprio Marx contradizeu-se a ele próprio nalgumas coisas ao longo dos anos.

Será que é a tese de que "a luta de classes é o motor da história"? Se assim for, Negri é marxista - creio que os "autonomistas" até valorizam mais a luta de classes no local de trabalho do que os marxistas tipicos.

Será que é a ideia de que é a "infra-estrutura económica" que determina a "super-estrutura politica"? Se assim for, Negri continua a ser marxista - se calhar, até muito mais que os marxistas usuais (incluindo talvez o próprio Marx): normalmente, os marxistas valorizam muito a ideia de, em primeiro lugar, controlar o poder do Estado (ou seja, pretendem controlar primeiro a "super-estrutura politica", para, a partir daí, mudar a "infra-estrutura económica"). Pelo contrário, penso que o "autonomismo" segue muito uma linha de, em vez de atacar directamente o "Estado burguêss", criar "espaços de liberdade" dentro da sociedade (p.ex. casas ocupadas), e ir "cercando" o Estado gradualmente (ou seja, começam a "revolução" pela "infra-estrutura")

Será que é a ideia de que é a própria a dinãmica interna da economia capitalista que a vai levar ao colapso e ao "triunfo do socialismo"? Pessoalmente, eu até acho que essa é a principal caracteristica do marxismo, e que o distingue dos outros "socialismos" (o apresentar-se mais como uma doutrina "positiva" do que "normativa"). Nesse aspecto, sinceramente, não faço ideia se Negri acha ou não que o capitalismo está condenado ao colapso...

Assim, parece-me que o único aspecto em que Negri se afasta do marxismo ortodoxo é no ponto que Nuno Ramos de Almeida refere, de os "autonomistas" acharem que é a luta de classes que explica a evolução tecnológica e não o contrário.

Tuesday, January 24, 2006

Trotskismo - coisas boas, mas também más (III)

Como se vê pelo texto que citei nos posts anteriores, não faz grande sentido acusar o trotskismo de "totalitarismo" (na verdade, até suponho - é capaz se ser arrogancia da minha parte - que muitas dessas acusações têm por base desconhecimento puro e simples da doutrina trotskista: afinal, porque é que alguém no seu pefeito juizo iria estudar uma ideologia absolutamente insignificante?). No entanto, também há muita coisa errada (a meu ver, claro) no trotskismo (é o que pus a itálico). Principalmente, temos a crença na planificação centralizada da economia: a planificação democrática de-baixo-para-cima defendida pelos trotskistas (e por outros grupos, como os "conselhistas", a "economia participativa", etc.) pode não ter os defeitos da planificação burocrática de-cima-para-baixo dos "estalinistas", mas provavelmente levaria, como alguém disse, "a 200 reuniões para se produzir uma escova de dentes" (especialmente numa planificação à escala mundial, como defendem os trotskistas). A mim, parece-me muito melhor um sistema de auto-gestão descentralizada (eventualmente com uma autoridade central com um papel subsidiário). A respeito da ideia de não deverem ser permitidos partidos racistas ou em luta armada contra o "governo operário": a respeito dos segundos, ainda pode haver alguma lógica em proibir um partido empenhado na luta armada contra a "ordem consitucional" (mas tenho as minhas dúvidas); a respeito dos primeiros, eu acho um perfeito disparate a ilegalização de grupos racistas, nazis, etc. (desde que não se passe das palavras aos actos, não vejo qual é o problema de se ser racista, xenófobo, etc.) - mas, como há montes de gente, de várias áreas politicas, que defende a proibição de grupos racistas, acaba por não ser um "mal" intrinseco dos trotskistas.

Trotskismo - coisas boas, mas também más (II)

Continuando com o texto "The Dictatorship of the proletariat and socialist democracy": "Without full freedom to organise political groups, tendencies, and parties, no full flowering of democratic rights and freedoms for the toiling masses is possible under the dictatorship of the proletariat. By their free vote, the workers and poor peasants indicate themselves what parties they want to be part of the soviet system. In that sense, the freedom of organisation of different groups, tendencies, and parties is a precondition for the exercise of political power by the working class. "The democratisation of the soviets is impossible without legalisation of soviet parties." (Transitional Programme of the Fourth International.) Without such freedom, unrestrained by ideological restrictions, there can be no genuine, democratically elected workers’ councils, nor the exercise of real power by such workers’ councils."

"Restrictions of that freedom would not be restrictions of the political rights of the class enemy but restrictions of the political rights of the proletariat. That freedom is likewise a precondition for the working class collectively as a class arriving at a common or at least a majority viewpoint on the innumerable problems of tactics, strategy, and even theory (programme) that are involved in the titanic task of building a classless society under the leadership of the traditionally oppressed, exploited, and downtrodden masses. Unless there is freedom to organise political groups, tendencies, and parties, there can be no real socialist democracy."

"Revolutionary Marxists reject the substitutionist, paternalistic, elitist, and bureaucratic deviation from Marxism that sees the socialist revolution, the conquest of state power, and the wielding of state power under the dictatorship of the proletariat, as a task of the revolutionary party acting "in the name" of the class or, in the best of cases, "with the support of" the class."

"If the dictatorship of the proletariat is to mean what the very words say, and what the theoretical tradition of both Marx and Lenin explicitly contain, i.e., the rule of the working class as a class (of the "associated producers"); if the emancipation of the proletariat can be achieved only through the activity of the proletariat itself and not through a passive proletariat being "educated" for emancipation by benevolent and enlightened revolutionary administrators, then it is obvious that the leading role of the revolutionary party both in the conquest of power and in the building of a classless society can only consist of leading the mass activity of the class politically, of winning political hegemony in a class that is increasingly engaged in independent activity, of struggling within the class for majority support for its proposals, through political and not administrative or repressive means."

"Under the dictatorship of the proletariat in its complete form, state power is exercised by democratically elected workers’ councils. The revolutionary party fights for a correct political line and or political leadership within these workers’ councils, not to substitute itself to them. Party and state remain entirely separate and distinct entities. But genuinely representative, democratically elected workers’ councils can exist only if the masses have the right to elect whomever they want without distinction, and without restrictive preconditions as to the ideological or political convictions of the elected delegates. (This does not apply, of course, to parties engaged in armed struggle against the workers state, i.e., to conditions of civil war, or to conditions of the revolutionary crisis and armed insurrection itself, to which this resolution refers in a later point). Likewise, workers’ councils can function democratically only if all the elected delegates enjoy the right to form groups, tendencies, and parties, to have access to the mass media, to present their different platforms before the masses, and to have them debated and tested by experience. Any restriction of party affiliation restricts the freedom of the proletariat to exercise political power, i.e., restricts workers’ democracy, which would be contrary to the historical interests of the working class, to the need to consolidate workers’ power, to the interests of world revolution and of building socialism."

"Obviously such rights will not be recognised for parties, groups or individuals involved in a civil war or armed actions against the workers state. Neither do such freedoms include the right to organise actions or demonstrations of a racist character or in favour of national or ethnic oppression."

"In no way does the Marxist theory of the state entail the concept that a one-party system is a necessary precondition or feature of workers’ power, a workers state, or the dictatorship of the proletariat. In no theoretical document of Marx, Engels, Lenin, or Trotsky, and in no programmatic document of the Third International under Lenin, did such a proposal of a one party system ever appear. The theories developed later on, such as the crude Stalinist theory that throughout history social classes have always been represented by a single party, are historically wrong and serve only as apologies for the monopoly of political power usurped by the Soviet bureaucracy and its ideological heirs in other bureaucratised workers states, a monopoly based upon the political expropriation of the working class."

(...)

"If one says that only parties and organisations that have no bourgeois (or petty-bourgeois?) programme or ideology, or are not "engaged in anti-socialist or anti-soviet propaganda and/or agitation" are to be legalised, how is one to determine the dividing line? Will parties with a majority of working-class members but with a bourgeois ideology be forbidden? How can such a position be reconciled with free elections for workers’ councils? What is the dividing line between "bourgeois programme" and "reformist ideology"? Must reformist parties then be forbidden as well? Will social democracy be suppressed?"

"If the revolutionary party agitates for the suppression of social democratic or other reformist formations, it will be a thousand times more difficult to maintain freedom of tendencies and toleration of factions within its own ranks. The political heterogeneity of the working class would then inevitably tend to reflect itself within the single party."

"Thus, the real alternative is not either freedom for those with a genuine socialist programme (who ideologically and programmatically support the soviet system) or freedom for all political parties. The real choice is: either genuine workers’ democracy with the right of the toiling masses to elect whomever they want to the soviets and freedom of political organisation of all those who abide by the soviet constitution in practice (including those who do not ideologically support the soviet system), or a decisive restriction of these political rights of the working class itself, with all the consequences flowing there from. Systematic restriction of political parties leads to systematic restriction of freedom within the revolutionary vanguard party itself."

"When we say that we are in favour of a legalisation of all soviet parties, i.e. of those that abide by the soviet constitution in practice, this does not imply that we in any case underestimate the political confusion, errors, and even partial defeats which the propagation of wrong programmes and alien class influences upon the toiling masses by such parties could and will provoke under conditions of the dictatorship of the proletariat. Even more obviously do we not call upon the workers to build parties upon the basis of what we consider wrong programmes, platforms, or policies, nor do we advocate the creation of such parties. We only state that the artificial administrative suppression of such parties - artificial inasmuch as they continue to reflect currents among the masses even if they are legally suppressed - far from reducing these dangers, increases them. The political, ideological, and cultural homogenisation of the working class, bringing the great majority of its members up to the point where they are capable of substituting a free community of self-administered citizens to the survival of a state machine (i.e., able to achieve the building of socialism and the withering away of the state) is a gigantic historical task. It is not only linked to obvious material preconditions. It involves also a specific political training: "The existence of critically-minded people, opponents, dissidents, discontented and reactionary elements, gives the revolution life and strength. The confrontation of differences and polemics develop ’the ideological and political muscles’ of the people. It is a permanent form of exercising, an antidote to paralysis and to passivity.""

(bold e itálicos meus)

Trotskismo - coisas boas, mas também más (I)

Algumas passagens do documento da "IV Internacional", "The Dictatorship of the proletariat and socialist democracy" (este texto é de 1985, mas os textos "trotskistas" posteriores e anteriores - desta e das outras tendências - dizem fundamentalmente o mesmo): "The dictatorship of the proletariat in its complete form, workers’ democracy, means the exercise of state-power by democratically elected soviets, workers’ councils (...)" "The logical conclusion flowing from this critique is that workers’ democracy must be superior to bourgeois democracy not only in the economic and social sphere (...) but also because it increases the democratic rights enjoyed by the workers and all layers of toilers in the political and social sphere. To grant a single party or so-called "mass organisations" or "professional associations" (like writers’ associations) controlled by that single party, a monopoly of access to the printing presses, radio, television, and other mass media, to assembly halls, etc., would, in fact, restrict and not extend the democratic rights of the proletariat compared to those enjoyed under contemporary bourgeois democracy. The right of toilers, including those with dissenting views, to have access to the material means of exercising democratic freedoms (freedom of the press, of assembly, of demonstration, the right to strike, etc.) is essential, as is the independence of the trade unions from the state and from control by the ruling party or parties." "Therefore, an extension of democratic rights for the toilers beyond those already enjoyed under conditions of advanced bourgeois democracy is incompatible with the restriction of the right to form political groupings, tendencies, or parties on programmatic or ideological grounds." "But planning means allocation of economic resources according to socially established priorities instead of according to blind market forces and the rule of profit. Who will establish these priorities, which involve the well-being of tens and hundreds of millions of human beings and whose implications, consequences, and results in turn influence the behaviour of the mass of the producers and the toilers?" "Basically, there are only two mechanisms which can be substituted for the rule of the law of value: either bureaucratic choices imposed upon the mass of the producers/consumers from the top (whatever their origin and character may be, from benign technocratic paternalism to extreme arbitrary despotism of Stalin’s type), or choices made by the mass of the producers themselves, through the mechanism of democratically centralised workers’ power, i.e., through the mechanism of socialist democracy. This will be the main content of political debate and struggle, of socialist democracy under the dictatorship of the proletariat." "Experience has shown that the first mechanism is extremely wasteful and inefficient. This is true not only because of direct waste of material resources and productive capacities and great dislocations in the plan, but also and especially because of the systematic stifling of the creative and productive potential of the working class. Theoretical and empirical analysis concurs in the conclusion that the second mechanism can and will greatly reduce these shortcomings. In any case, it is the only one permitting a gradual transition to that which is the goal of the dictatorship of the proletariat: a classless socialist community of self-administering producers and consumers" "Experience has, however, also shown that this mechanism of democratically centralised workers’ power through a system of workers’ councils cannot master all the social and economic contradictions of the building of socialism without the existence of instruments independent of the soviet state apparatus which act as a counterweight. Independent trade unions and a labour law guaranteeing the right to strike are essential in this sense to guarantee a defence of the needs of the workers and their standard of living against any decision taken by workers’ councils, particularly against any arbitrary and bureaucratic move of the management bodies. The Hungarian experience of 1956, the Czechoslovak experience of 1968 and the Polish experience since 1980 also confirm that this is a fundamental concern of the proletariat that has gone through the experience of bureaucratic dictatorship. Although in principle revolutionary Marxists recommend the organisation of the working class in a single democratic trade union, the right to trade union pluralism must not be challenged. " (...) "All these endeavours, for which humanity possesses no blueprints, will give rise to momentous ideological and political debates and struggles. Different platforms on these issues will play a very important role. Any restriction of these debates and movements, under the pretext that this or that platform "objectively" reflects bourgeois or petty-bourgeois pressure and interests and "if logically carried out to the end", could "lead to the restoration of capitalism", can only hinder the emergence of a consensus around the most effective solutions from the point of view of building socialism, i.e. from the point of view of the overall class interests of the proletariat, as opposed to sectoral interest" "Furthermore it should be recognised that the specific form of the workers state implies a unique dialectical combination of centralisation and decentralisation. The withering away of the state, to be initiated from the inception of the dictatorship of the proletariat, expresses itself through a process of gradual devolution of the right of administration in broad sectors of social activity (health system, educational system, postal-railway-telecommunications systems, etc.) internationally, nationally, regionally, and locally (communes) to organs of self-management. The central congress of workers’ councils, i.e. the proletariat as a class, will only decide, by majority vote, what share of society’s overall material and human resources should be allocated to each of these sectors. This implies forms of debate and political struggle that cannot be reduced to simplistic and mechanical "class struggle criteria"." (os bolds e itálicos são meus)

Sessão de esclarecimento

Num comentário, a Sabine pergunta, a respeito do Bloco de Esquerda, "São favoráveis à democracia?"

A resposta mais simples seria dizer "sim", mas isso seria muito pouco explicativo - afinal, o que mais há para aí são sistemas politicos completamente opostos proclamando-se "democracias". Assim, o que vou fazer é tentar explicar o que as várias correntes de pensamento que confluem no BE defendem/defenderam e deixar aos leitores o direito de decidirem se isso é "democracia" ou não.

O BE resultou da reunião do então PSR, UDP e Politica XXI. A FER aderiu pouco depois. Também tem/teve a participação de alguns anarquistas, como a falecida Maria Magos Jorge (embora possa-se argumentar que um verdadeiro anarquista não deveria ser militante partidário). Actualmente, grande parte dos militantes são pessoas que antes "flutuavam" entre o PS e o PCP.

Que tipo de regime politico defende o PSR (a actual APSR)? O melhor é ler estes textos:

"On Workers Democracy", Ernest Mandel, 1968
"Marxist Theory of the State", Ernest Mandel, 1969
"The Dictatorship of the proletariat and socialist democracy", Congresso de 1985 da "IV Internacional"

O termo "dictatorship" assusta, mas é usado num sentido muito especial - "ditadura do proletariado" significa um "Estado" em que o "proletariado" será a "classe dominante" (da mesma forma que os marxistas chamam ao sistema actual "ditadura da burguesia"), não o sentido tradicional da palavra (censura, monopartidarismo, ausência de liberdades cívis, etc.). O melhor é mesmo ler o texto. As ideias que lá vêm parecem-me perfeitamente democráticas (ainda que muito centralizadas para o meu gosto).

A FER defende exactamento o mesmo que o PSR - as diferenças são de ordem táctica: nos anos 70, uma facção da "IV Internacional" defendia as guerrilhas da América Latina e outra era contra, preferindo as "lutas de massa" (considerando as guerrilhas uma estratégia elitista e "burguesa"). Com a revolução sandinista na Nicarágua, a ruptura consumou-se, e a ala que se opunha ao apoio às guerrilhas (e aos sandinistas) deu origem à tendéncia que é representada em Portugal pela FER (uma versão - a da FER - desse processo está aqui).

Quanto à UDP, era apoiante de Estaline e do regime albanês - dificilmente um modelo de democracia. No entanto, a UDP já fez a autocritica dessas posições - uma autocritica muito mais radical, p.ex., do que a do PC.

Quanto aos anarquistas que por lá há, no essencial, defendem o mesmo que os anarquistas "tradicionais", ainda que numa visão mais gradualista e menos revolucionária. Uma descrição de que sociedade os anarquistas defendem está aqui.

Já agora, outra corrente é a Plataforma por uma Democracia Socialista [.pdf] (que, nas duas ultimas convenções, funcionou como a oposição) - para conhecer as suas posições, é ler o texto.

Quanto à tal maioria de militantes e activistas não ligados a nenhuma facção, obviamente que cada individuo é um caso, mas o padrão é defenderem o "Estado Social" (o seu reforço ou, pelo menos, a sua não destruição), as tais "causas fracturantes" e a complementarização da "democracia representativa" com uns "pozinhos" de "democracia participativa" (em suma, a posição do Bloco como organização, que, no fundo, é o máximo denominador comum entre as várias tradições que lá confluiram).

Também é esta, mais ou menos, a orientação da Politica XXI (o melhor é ler a sua revista): este grupo tem origem nos militantes do PCP que sairam por ocasião do golpe de 1991 em Moscovo (a direcção apoiou os golpistas, eles apoiaram Gorbatchov). Um grupo foi para o PS (Pina Moura, José Luis Judas, etc.), e outro fundiu-se com o MDP/CDE, dando origem à PXXI.

Eu sei que isto é um bocado chato obrigar as pessoas a lerem um monte de links, mas é a melhor maneira de explicar o que as várias facções defendem e/ou defenderam.

Monday, January 23, 2006

O copo está meio cheio ou meio vazio?

Finalmente, um post de jeito

Após uma série de posts que foram mais uma forma de brincar com a derrota quase total que sofri do que outra coisa qualquer, uma reflexão mais séria: olhem para os resultados de Barão de S. Miguel, Budens, e, já agora, Ferragudo, Parchal, Alvor, Mexilhoeira Grande, Lagos ou mesmo a Fuseta (ainda que neste último Louçã fique em quinto). Será que ainda podem dizer que "o Bloco não passa de um fenómeno (...) urbano, chique, universitário e vagamente cosmopolita"?

E, se calhar, não tem tão poucos pescadores como isso (à atenção do Tiago Mendes).

Não cumpre os critérios, mas também é um bom resultado

Resultados de Barão de S. Miguel, Vila do Bispo:

Manuel Alegre: 42,95%
Cavaco Silva: 25,54%
Francisco Louçã: 13,46%
Mário Soares: 11,54%
Jerónimo Sousa: 5,77%
Garcia Pereira: 0,64%

Não cumpre os objectivos (como de costume, Garcia Pereira abaixo dos 1%), mas Cavaco ficar em segundo e Louçã à frente de Soares compensa isso.

Finalmente, um resultado de jeito

Resultados de Budens, Vila do Bispo:

Cavaco Silva: 32,21%
Manuel Alegre: 29,14%
Mário Soares: 21,23%
Francisco Louçã: 9,96%
Jerónimo de Sousa: 6,44%
Garcia Pereira: 1,02%

Aqui sim, os objectivos foram atingidos.

Já agora, uma localidade marcante

Resultados de Aljezur, o concelho em que Humberto Delgado derrotou a fraude eleitoral salazarista:

Cavaco Silva: 33,97%
Manuel Alegre: 28,69%
Mário Soares: 16,59%
Jerónimo de Sousa: 12,30%
Francisco Louçã: 7,57%
Garcia Pereira: 0,88%

Este foi quase perfeito - erá só o Garcia Pereira ter mais um niquinho para atingir os objectivos.

Pensamento positivo (III)

Resultados na minha casa:

Francisco Louçã: 100%
Cavaco Silva: 0%
Manuel Alegre: 0%
Mário Soares: 0%
Jerónimo de Sousa: 0%
Garcia Pereira: 0%

Estes não foram tão bons: em relação aos objectivos, não só o Garcia Pereira falhou o 1%, mas também Alegre não ficou à frente de Soares.

Pensamento positivo (II)

Resultados em Portimão:

Cavaco Silva: 44,72%
Manuel Alegre: 25,35%
Mário Soares: 14,01%
Francisco Louçã: 8,56%
Jerónimo de Sousa: 6,89%
Garcia Pereira: 0,48%

Quase todos os objectivos foram atingidos: só faltou o Garcia Pereira ter mais que 1%

Pensamento positivo (I)

Resultados no Algarve:

Cavaco Silva: 48,72%
Manuel Alegre: 23,18%
Mário Soares: 13,06%
Jerónimo de Sousa: 7,61%
Francisco Louçã: 6,86%
Garcia Pereira: 0,56%

Quase todos os objectivos foram atingidos: só faltou o Garcia Pereira ter mais que 1%

«Já se safaram»

Telefonema que recebi às 21.00 horas.

Saturday, January 21, 2006

A reforma agrária na América Latina (II)

No meu post A reforma agrária na América Latina, escrevi que "apenas em dois paises da América Latina tinha havido reformas agrárias significativas: o México, depois da revolução de 1910-20 (aquela que costuma aparecer nos filmes, com o Pancho Villa, o Zapata, etc.); e, exactamente, a Bolivia, após a revolução de 1952".

Mas, se calhar, na Bolivia, a reforma agrária não foi tão significativa como tudo isso. Veja-se o artigo "Bolivia: the agrarian reform that wasn't":

"100 families control over 25 million hectares of land in Bolivia while 2 million campesino (farmer/peasant) families have, combined, access to 5 million hectares of land. In other words, the wealthiest 100 landowners possess five times more land then 2 million small landowners. (These figures do not include the at least 250,000 campesinos without land.)"

(...)

"After 52 years of agrarian reform, Bolivian agriculture is divided into two distinct tendencies: enormous latifundios (estates), vast territories in which only a small part is used for productive agriculture; and hundreds of thousands of tiny, over-cultivated properties owned by indigenous and/or campesino farmers. Despite the fact that campesino farmers occupy a much smaller portion of land, they have higher agricultural productivity and supply more food to the local economy than the latifundios"

(...)

"From 1953 to 1993, more than 26 million hectares of land were granted in the Oriente. However, of this land, more then 87.5% was given to the wealthiest (in terms of property ownership) half of recipients, while the remaining half received 12.5% of grants. Today, 55% of farm properties are squeezed into less the one percent of cultivated land."

"It is important to remember that almost all of the "unowned" land that was granted was in fact inhabited by indigenous populations. In effect, the land reform program was used by the dominant classes to extend their holdings and develop interests in commercial agriculture and modern ranching. In the years of the Banzer dictatorship (1971-1978), this cronyism reached staggering proportions—116, 647 hectares granted to the Antelo family, 96,874 hectares granted to the Gutierrez family, 115,646 hectares granted to the Elsner family (plus 73,690 hectares given individually to Guillermo Bauer Elsner), etc..."

Thursday, January 19, 2006

O inimigo do nosso inimigo não é necessariamente nosso amigo

Um livro que está na berra é "Clube Bilderberg - Os Senhores do Mundo", de Daniel Estulin. Eu até compreendo que, num mundo cada vez mais dominado pelas grandes multinacionais e pelo seu braço armado, o exército imperial norte-americano, um livro com essas caracteristicas tenha uma certa popularidade.

No entanto, acho que tudo o que venha nesse livro (que não li, só folheei na livraria) deve ser tomado com muitas dúvidas: o autor, Daniel Estultin, está associado à "American Free Press", o orgão do grupo quase nazi "Liberty Lobby". Nas poucas páginas que olhei, encontrei logo elogios à John Birch Society (uma organização criado por admiradores do tristemente célebre Joseph McCarthy).

Não estou a dizer que o que diz no livro seja mentira (não faço ideia se é ou não) - o certo é que só temos a palavra do autor, mais nada.

Mas isso levanta a questão que refiro no título: é verdade que a esquerda e certas facções da direita reacionária têm inimigos comuns (o grande capital multinacional, a politica imperial norte-americana, etc.), mas é preciso ter cuidado para evitar alianças espúrias (e o entusiasmo que se tem visto em certos sectores pelas teses desse livro inquieta-me um pouco).

Não é que tudo o que venha da direita tenha lepra - há muita coisa interessante da autoria de direitistas (p.ex., as criticas à politica externa norte-americano do site Antiwar.com, animado por ultra-liberais; o "distributismo" dos tradicionalistas GK Chesterton e Hillaire Belloc; etc.), mas deve-se sempre ter uma atitude de "escolher o que presta e deitar fora o resto". Ora, este livro tem uma particularidade: pelo que li (e pelas referências que ouvi), trata-se essencialmente de expôr "factos" que o autor diz conhecer.

Ora, quando alguém expõe um raciocinio, nós podemos analizar esse raciocinio e ver se faz sentido ou não; quando alguém apresenta factos que possam ser confirmados de forma independente, também podemos fazer a nossa análise e "separar o trigo do joio". Mas quando alguém escreve um livro a dizer "isto que eu conto são segredos que descobri", então, acreditar no que ele diz é um puro exercício de fé.

Wednesday, January 18, 2006

Que tem uma coisa a ver com a outra?

Até é capaz de existir alguma ligação entre esta notícia e a fotografia, eu é que não vejo qual.

Será que alguém vai ter paciência...

Para ler um post tão divagante como o que acabei de escrever?

Monday, January 16, 2006

O individuo, a comunidade e o Estado (e, já agora, o Romantismo)

João Galamba publicou dois posts sobre o Romantismo, o liberalismo, etc. Realmente, à partida, é díficil dizer estabelecer (ou recusar) uma ligação entre o Romantismo a esta ou aquela posição. Como escrevem Michael Lowy e Robert Sayre em "Revolta e Melancolia", "[o Romantismo é] ao mesmo tempo (...) revolucionário e contra-revolucionário, individualista e comunitário, cosmopolita e nacionalista, realista e fantástico, retrógado e utópico, revoltado e melancólico, democrático e aristocrático, activista e contemplativo, republicano e monárquico, vermelho e branco, místico e sensual" (no entanto, refira-se que os autores - penso que trotskistas - falam de "vermelho" - i.e., radical - e "branco" - tradicionalista - mas não de "azul", ou sejam, não parecem muito crentes num "liberalismo romântico").

Que o Romantismo é, de certa forma, individualista, isso é óbvio. Veja-se esta passagem de Herder, em "Também uma filosofia da história para a formação da humanidade":

"Daí decorre (..) o facto de a maior parte da chamada civilização moderna ser ela mesma de carácter mecânico (...). Tudo se ia transformando em máquina. E uma máquina é governada (...) com um só pensamento! Com um pequeno gesto! Em contrapartida, quantas forças foram ficando adormecidas! Inventou-se a artilharia, e com essa invenção, veja-se como enfraqueceram as seivas que alimentavam o rude vigor guerreiro do mundo antigo, no corpo e na alma, a bravura, a fidelidade, a iniciativa individual, o sentimento de honra! Um exército passou a ser uma máquina contratada, destituída de pensamento, de força e de vontade, orientada pela cabeça de um só homem que lhe paga para mimar à distãncia uns quantos movimentos e desempenhar a função de uma muralha viva que lança e recebe balas (...) Sem qualquer esforço voam pelos ares os restos da existência individual, a antiga forma gótica da liberdade"

Neste texto, Herder faz claramente a defesa de um certo "individualismo", ao defender o heroismo, a coragem e a iniciativa individual do "guerreiro do mundo antigo", por oposição ao "mundo moderno" (i.e., ao século XVIII), em que o soldado não passaria de uma simples peça de uma máquina. E, tal como falava dos soldados, falava da evolução da sociedade na sua época, que, segundo ele, estaria a transformar-se "numa máquina governada por um só homem", em que o individuo perderia a sua individualidade.

E o individualismo de Herder é um individualismo que faz a apologia da coragem e do heroismo, isto é, não tem nada a ver "pós-modernaços que fazem análise apenas e só a partir do seu sofá e não agem sobre o mundo", como pretende Henrique Raposo (poder-se-á argumentar que, em rigor, Herder não pertence ao Romantismo mas ao Sturm und Drang, mas um pode ser considerado a continuação do outro).

Mas esse individualismo não será contraditório com o "comunitarismo"? Talvez não. Para ilustrar essa não-contradição vou fazer um salto um bocado grande, e passar da filosofia e literatura dos séculos XVIII e XIX para a teoria da gestão empresarial da segunda metade do século XX. Mais exactamente, para a teoria da "organização mecânica vs. orgânica", de Burns e Stalker. Segundo estes autores, as empresas (ou, de uma maneira geral, as organizações) poderiam funcionar de duas maneiras: no sistema "mecânico", há uma estrutura formal bem definida, e em que cada individuo desempenha uma tarefa específica; no sistema "orgânico", as tarefas de cada um não estão tão formalizadas e a organização do trabalho baseia-se muito na "interacção directa" (estilo um trabalhador diz para o outro "Enquanto fazes as contas dos avençados, eu ia pondo as folhas de ponto por ordem", e o outro responde "Se calhar era melhor ires buscar dossiers ao armazém"). Ora, o sistema "orgânico" é simultaneamente mais "individualista" e mais "comunitário" do que o "mecânico", já que implica mais iniciativa e criatividade individual, e, ao mesmo tempo, maior espírito de cooperação e entreajuda.

No fundo, a ideologia do Romantismo é mais ou menos isso: uma combinação de "individualismo" (no sentido de originalidade individual) com "comunidade", isto é, um espirito de solidariedade entre os individuos (em principio, baseado mais em laços pessoais e/ou afectivos do que numa organização formal).

O uso da dicotomia "orgânico vs. mecânico" em vez da "individualismo vs. colectivismo" tem vantagens: um exemplo - a "wikipedia" é "individualista" ou "colectivista"? Há quem argumente que é "individualista" (já que é feita quase sem autoridade central - e alguns até referem o facto de o "fundador" ser um discipulo da ultra-individualista Ayn Rand); há quem argumente que é "colectivista", já que se baseia na ideia que vários individuos podem escrever um texto em conjunto (a discussão sobre se a wikipedia presta para alguma coisa ou não é irrelevante para a questão). Se em vez disso, formos ver a coisa pela dicotomia "orgânico vs. mecânico", não há grandes dúvidas: a wikipedia é "orgânica", já vai se desenvolvendo pela interacção entre os individuos (mesmo que não se conheçam), e não de acordo com uma cadeia hierárquica formal.

E aqui começam as minhas discordâncias significativas com o João Galamba, quando ele, num post anterior, diz que "O Estado nao [é] uma entidade estranha à sociedade e à comunidade politica" (no original não tem acentos - deve ser do teclado inglês -, mas penso que era isso que ele queria dizer). Ora, o Estado e a "comunidade", na sua essencia profunda, são opostos: a comunidade é "orgânica" - mais que uma situação acabada, é um processo em que quase podemos dizer que todos os individuos se influenciam (e são influenciados) uns aos outros; o Estado é "mecânico", é uma entidade centralizada e hierarquizada. O Estado e a comunidade podem não ser necessariamente inimigos, mas há sempre uma oposição potencial entre eles (e, historicamente, têm sido inimigos: o Estado moderno foi, muitas vezes, construido contra "cidades livres", comunidades aldeãs, tribos, clãs, etc., e substituindo-os por individuos atomizados - processo que teve coisas boas e más).

A "bomba" iraniana

Há uma grande polémica acerca de como travar o programa nuclear iraniano: recorrendo às Nações Unidas? Atravéz de um acção unilateral dos EUA (e/ou Israel)?

Em primeiro lugar, é curioso que quem mais defende essa espécie de "gun control" à escala internacional serem, muitas vezes, os mesmo que mais se opõem (e às vezes com bons argumentos) ao "gun control" no ordem interna.

Que grande mal ao mundo do Irão ter a "bomba"? Será que a vai usar contra os seus vizinhos? Vamos lá ver: os EUA usaram a "bomba" contra o Vietname do Norte? A URSS usou a "bomba" contra a Hungria em 1956? A China usou a "bomba" contra o Vietname em 1979? A India usou a "bomba" contra o Paquistão em 1971?A África do Sul usou a "bomba" contra os países da "Linha da Frente"? Israel usou a "bomba" contra os árabes? Não. O único ataque nuclear da história (ou os 2 únicos) ocorreu em 1945 - depois, não houve mais nenhum. Mesmo nos conflitos entre potência nucleares (China-URSS, India-Paquistão em 1999), não houve nenhuma guerra nuclear.

Porquê? Porque qualquer país que usasse armas nucleares sabia que seria varrido do mapa por um contra-ataque. Nem era preciso que a "vítima" tivesse armas nucleares: o sistema internacional de alianças garantia protecção mesmo aos países não-nucleares. Os bombardeamentos de Hiroxima e Nagasaki só foram possíveis porque apenas um país (os EUA) tinha armas nucleares na altura.

Poder-se-á argumentar que todos os exemplos que eu dei ocorrerem entre países com governos "materialistas-seculares" (fossem "capitalistas" ou "comunistas"), que nunca se iriam lançar na auto-destruição. Pelo contrário, um governo "religioso" não terá problemas com isso - afinal, o que interessa é a vida eterna...

Em parte é verdade (aliás, se a Guerra Fria tivesse sido, não entre os EUA e a URSS - e respectivos aliados - mas entre os EUA e uma Alemanha nazi vitoriosa, acho que era mais provável que se tivesse tornado "quente" - o "misticismo" nazi lançaria-se mais facilmente numa guerra total do que o "materialismo" comunista). Mas, mesmo assim, nenhum governo islâmico fundamentalista se lançou numa guerra que soubesse que iria perder (os talibans e o 11 de Setembro não conta, já que o ataque foi lançado por uma força não-estatal, a al-Qaeda).

Além disso, covém lembrar que o Irão é um dos países mais parecidos com uma democracia que há na região - o actual presidente não é um "senhor absoluto", como era, p.ex., Saddam Hussein do Iraque, o que diminui consideravelmente as hipoteses de um ataque nuclear por capricho.

Quer isto dizer que não há mal nenhum em o Irão ter armas nucleares? Não, não quer dizer. Seria muito melhor que não tivesse armas nucleares, mas o perigo que representa um Irão nuclear talvez seja claramente inferior aos custos (humanos, politicos, económicos) de uma hipotética acção militar contra o Irão.

Sunday, January 15, 2006

A propósito de "eleições limpas"

Mário Soares, na pré-campanha, disse que "aceitaria o resultado da eleições se estas forem limpas". Tal originou um grande burburinho: Soares estaria a insinuar que as eleições poderiam "não ser limpas"?

Afinal, sempre há coisas estranhas neste processo eleitoral (e feitas pelos apoiantes de Soares!):

Normalmente, para escolher as pessoas que vão para as mesas de voto, as autarquias (normalmente as juntas de freguesia) fazem uma reunião com pessoas das várias candidaturas, e cada candidaturan indica pessoas para as mesas de voto.

Desta vez a Camara Municipal de Portimão (PS) decidiu não fazer nenhuma reunião e escolheu "unilateralmente" as pessoas que vão para as mesas de voto (o que é permitido por lei, mas não é usual).

Não que eu suspeite de alguma fraude, até porque sei que a Camara também convocou pessoas do BE para as mesas (creio que estão a usar o registo das pessoas que costumam ir para as mesas) - ou seja, não parece haver nenhuma "conspiração" contra a oposição. No entanto, uma eleição é como a mulher de César ("não basta ser honesta, é preciso parecer").

Isto pode ser prejudicial, sobretudo, para Manuel Alegre - se as pessoas forem escolhidas com base no "histórico", provavelmente ele terá poucos representantes, já que as pessoas que costumam ir para as mesas "pelo PS" devem ser maioritariamente pró-Soares (não falo de Garcia Pereira, que ele não tem apoiantes organizados em Portimão).

Saturday, January 14, 2006

Outro teste politico

Atravéz do Insustentável Leveza, encontrei outro teste político, o Moral Politics.

Os meus resultados:

Matches

The following items best match your score:

  1. System: Socialism
  2. Variation: Moral Socialism
  3. Ideologies: Social Democratism, Activism
  4. US Parties: No match.
Diga-se que este teste usa uma terminologia um bocado díficil de compreender ("moral rules", "moral order", etc.). No entanto, lendo as explicações, fui percebendo o que queriam dizer:

"Moral Order" tem a ver com a oposição entre "conformismo" e "não-conformismo": os "não-conformistas" valorizam a diversidade de pensamento e comportamento na sociedade e que os indíviduos não se devem conformar com um padrão pré-definido, enquanto os "conformistas" valorizam a uniformidade de pensamento e comportamento e o respeito pelos valores estabelecidos.

"Moral Rules" tem a ver com a oposição entre "independência" e "interdependência" (diga-se que eu acho que, em vez de "independência", ficaria melhor "auto-suficiência"): os "independentistas" valorizam a auto-suficiencia do individuo face ao resto da sociedade, enquanto os "interdepentistas" valorizam a empatia e a solidariedade entre os membros da sociedade.

No fundo, a diferença entre estes dois eixos representa a diferença entre "individualismo" e "egoismo", que o comentador "agitador" referiu em tempos.

De acordo com o teste, eu sou um "socialista", ou seja, alguem que defende o "não-conformismo" e a "interdependência" (as outras opções são "liberal", "conservador" e "autoritário"). Mais concretamente, serei um "socialista moral", isto é, serei mais radical na parte "moral" (p.ex., a defender a legalização das drogas) do que na parte económica (p.ex., a defender a regulação da economia).

Em termos de ideologias, segundo eles, eu poderei ser um "social-democrata" ou um "activista". Pela descrição, prefiro o "activista":

"Activism
is a moderate form of Moral Socialism."

"Activism can be dedicated to many causes: animal rights, environment, civil rights, global poverty..."

"Activists come in all shapes and form but tend to share the same belief as Socialists regarding InterDependence. They tend to focus social causes that are farther to the left than the mainstream, therefore their position on the chart."

"Also included in this category (although maybe with some variations) are:

  1. Anti-Globalism
  2. Greenism"
Na realidade, foi um bocado traumatizante a ideia de que eu posso ser um "social-democrata" (durante muito tempo, o autor mais à direita que eu lia era Trotsky).

Este teste, aliás, até me parece muito parecido com o Political Compass, com a diferença de, aparentemente, querer medir mais "atitudes morais" do que posições políticas concretas (tem também a vantagem de não usar o termo "libertário", e evitar o problema de os "libertários" anglo-saxónicos ficarem chocados com o conceito de "esquerda libertária" e de os "libertários" latinos ficarem chocados com o de "direita libertária").

Tem talvez a relativa desvantagem de ligar a "politica" à "moral" - em certas circunstancias, até é possível que pessoas diferentes, com concepções morais diferentes, cheguem à mesma conclusão política. No entanto, na prática, não deve haver muitos casos desses.

Críticas à propriedade intelectual

No site de promoção do sistema operativo "GNU" há uma secção de links para textos criticando a "propriedade intelectual". A maior parte dos textos são relacionados com a propriedade de software informático, mas tem alguns relacionados com outros tipos de "criação intelectual" (p.ex., música), ou com a nocão de "propriedade intelectual" em abstracto (p.ex, este, em tom humoristico: "Copyrighting fire!")

Atenção: alguns dos links estão "quebrados"

Thursday, January 12, 2006

Mais um "exercicio especulativo"

No seu post "Democracia e Liberalismo: Remake", RAF, entre outras coisas, escreve:

"Existe ainda uma manifesta desproporção entre a multiplicidade de funções que se concentram na esfera Estatal e a forma minimalista como a «soberania popular» é exercida: os cidadãos, num só acto, por intermédio de um único voto, têm de escrutinar centenas de decisões com impacto directo sobre a sua esfera individual, num processo de síntese complexo e por vezes contraditório. O processo eleitoral perdeu, no actual contexto, a sua vocação contratualista, para se tornar num cálculo «para-matemático» onde buscamos desesperadamente um «mínimo denominador comum» que sustente a nossa decisão (que Popper converte num simpático eufemismo a que chama «possibilidade de se expulsar ou "despedir" governos»)."

Claro que RAF escreve isto guiado pela sua agenda ideológica (reduzir a dimensão do Estado). No entanto, vou tentar aproveitar o seu raciocinio num sentido diferente (ou seja, de acordo com as minhas próprias agendas ideológicas).

A respeito do problema de, "com apenas um voto", se ter que "escrutinar centenas de decisões": não seria possível que os vários titulares de cargos públicos fossem eleitos separadamente? Que, por exemplo, se podesse votar para ter um Ministério da Saúde do PS e um Ministério dos Transportes do PSD? Claro que, para mim, o ideal seria mesmo não haver "titulares de cargos públicos", mas isso talvez não seja viável (sobretudo a partir de um certo limiar de população).

Esta ideia até não é tão absurda como parece à primeira vista: p.ex., creio que, nos EUA, as escolas públicas não são geridas pelos governos locais, mas por "school boards" eleitos especificamente para esse fim.

A ideia de fazer eleições separadas para os vários "Ministérios" (o que, de certa forma, implicaria vários "parlamentos") claro que é um bocado lunática (embora não seja inédita - uma das Constituições da Jugoslávia titista tinha um sistema vagamente parecido). No entanto, talvez as direcções de certos serviços públicos podessem ser eleitas, em vez de nomeadas: p.ex., e se o Conselho de Administração do Metropolitano de Lisboa fosse eleito pelos habitantes da Grande Lisboa?

A segurança social (outra vez)

Via xatoo, um texto do economista Eugénio Rosa contestando a ideia de que a Segurança Social estará falida.

Wednesday, January 11, 2006

Como se poderia decidir todas as despesas públicas em referendo

O sistema que eu vou descrever agora não é uma proposta, é um puro exercício especulativo (ou seja, eu não estou, necessariamente, a defender isto).

Primeiro, fazia-se um referendo nacional para aprovar o valor global da despesa pública, e a proporção dessa despesa que seria adscrita ao poder central, e a que seria transferida para as regiões (a lei que regularia a distribuição da verba entre as regiões, com base na população, área, etc., seria também aprovada por referendo).

Todas as despesas "centrais" seriam votadas em referendo nacional.

Quanto à verba atribuida a cada região, aplicava-se o mesmo processo: por referendo (em cada região), decidia-se o que era transferido para o nível municipal, e o que seria para gerir a nível regional (através de referendos regionais)

E depois o sistema continuava por aí abaixo, nos municipios, freguesias, bairros, etc.

Claro que nada impediria um nível superior de gastar o "seu" dinheiro em despesas dos níveis inferiores: p.ex., se fosse aprovado em referendo municipal, o municipio de Portimão poderia gastar verba "municipal" no parque infantil do Bairro Operário (não teria que ser necessariamente a "organização de moradores" local a fazer essa despesa a 100%).

No entanto, penso que um sistema desses talvez fosse demasiado complicado e trabalhoso na prática.

O referendo sobre a Ota e TGV

A respeito da proposta de referendo sobre a Ota e o TGV, Joana/Semiramis escreve que "[q]uestões técnicas complexas, que envolvem estudos de tráfego, engenharia, avaliação financeira e económica, estudos ambientais e o planeamento a longo prazo das infra-estruturas de um país, não podem ser dirimidas em referendo". Ora, não vejo porquê: é verdade que eu (e a maioria esmagadora dos eleitores) não tenho capacidade para fazer esses estudos, mas não é isso que se pede a quem toma a decisão - o que quem toma uma decisão desse género faz é pegar nos estudos (feitos pelos técnicos), ver os prós e contras que cada opção tem, comparar com formas alternativas de gastar o dinheiro, e, em função disso, decidir: "faz-se" ou "não se faz". Afinal, tenho a certeza que também o ministro não esteve pessoalmente a fazer esses estudos - tomou a sua decisão com base nos estudos que lhe foram apresentados. Ora, se os técnicos podem fazer esses estudos e apresentá-los ao ministro para ele decidir, também os podem apresentar ao conjunto do povo português para nós decidirmos.

Fazendo uma analogia com a vida privada, eu não precisei de saber de engenharia civil e de arquitetura para decidir que apartamento comprar.

Nos comentários ao post, Luis Lavoura argumenta que "toda a gente está contra um investimento feito numa região longínqua do país, e toda a gente está a favor de um investimento feito na sua localidade. Os portuenses teriam votado contra a construção do Centro Comercial de Belém, os lisboetas votariam contra a construção da Casa da Música, e no fim não se construía nem uma coisa nem a outra. De facto, praticamente nenhum investimento ou obra pública poderia ser aprovado em referendo". Ora, isso confunde obras de importãncia regional (como a Casa da Música) com obras de importancia nacional (como o aeroporto ou o TGV). Numa obra regional, não faz sentido recorrer-se a um referendo nacional, pelo simples facto que essas obras não devem ser decididas nacionalmente: a decisão de construir ou não uma infra-estrutura de importancia regional (ou municipal, ou local) deveria ser tomada pelas autoridades regionais (ou municipais, ou locais) - logo, a haver um referendo, esse devia ser a nível da região, não do país (logo, não haveria o perigo dos lisboetas votarem contra as obras no Porto e os portuenses contra as obras em Lisboa).

Poder-se-á perguntar "como se decide se uma infra-estrutura é de importãncia regional ou nacional", mas há um processo de selecção automática nesses casos: se a maioria esmagadora do País se opôr a que o Governo central faça um investimento numa localidade específica, isso quer dizer que essa obra não é de importancia nacional.

Poderá haver outro argumento quanto à ideia de realizar um referendo sobre a Ota e/ou o TGV: de que esse assunto não é suficientemente importante para justificar os custos e incómodos de um referendo. Talvez seja o caso (sinceramente não sei), mas, se assim fôr, será por razões totalmente diferentes das que Joana e Luis Lavoura apresentam.

Mas eu sou um bocado suspeito nesta tipo de questões: devo ser a unica pessoa de extrema-esquerda que foi a favor de se ter feito o primeiro referendo sobre o aborto.

Textos sobre a privatização da Segurança Social

Há uns tempos atrás, este mesmo assunto foi discutido nos EUA (e creio que continua a ser discutido). Estão aqui alguns textos que foram escritos sobre o assunto.

Notes on Social Security, de Paul Krugman
The Private Interest, de Paul Krugman
Social Security Magic Tricks, de Michael Kinsley
Just Say No to Social Security Privatization, de Keith Preston

Para uma boa análise técnica da privatização da Segurança Social, os melhores artigos são os do Krugman. Para um prespectiva original e "out-of-the-box", o melhor é o do Preston, que, a partir de principios "libertários", se opõe à privatização (ou melhor, a esse modelo de privatização).

Tuesday, January 10, 2006

A segurança social

A respeito das declarações do Ministro das Finanças de que a Segurança Social ia deixar de ter dinheiro em 2015, houve logo uma coisa que eu não percebi (mas não vi em directo): 2015 é quando as reservas de capital da Segurança Social se esgotam, ou é quando as despesas passam a ser maiores que as receitas e as reservas começam a se gastar?

Hoje, num dos noticiários estava alguém (penso que ligado ao Ministério das Finanças) a dizer que a solução era criar uma pensão fracionada, em que uma parte fosse paga pela Segurança Social pública e outra por uma capitalização obrigatória para um fundo de pensões privado.

Em primeiro lugar, a privatização (total ou parcial) da Segurança Social não resolve a crise, apenas a antecipa: se os contribuintes deixam de descontar para a Segurança Social pública, esta fica sem receitas para cobrir as despesas actuais. Assim, irá sempre haver, ou uma geração que fica sem reforma, ou uma geração que vai ter que pagar com impostos as reformas dos outros e, ao mesmo tempo, poupar para a sua própria reforma (ou seja, pagar duas vezes).

Paradoxalmente, a privatização da Segurança Social só poderia ser feita sem traumas se esta não estivesse em crise: se houvesse muito mais dinheiro a entrar do que a sair, aí é que seria possível que os contribuintes passassem a aplicar parte do dinheiro em programas privados, sem o Estado ter que aumentar os impostos para pagar aos actuais reformados. Poderá haver argumentos para defender a privatização da Segurança Social, mas "resolver a crise financeira" não serve.

Quanto às contribuições obrigatórias para os sistemas de pensões privados, são o pior dos dois mundos: tem os defeitos do sistema privado (sujeitar os futuros reformados aos riscos da Bolsa; as "comissões de gestão" cobradas pelas sociedades gestores) sem a vantagem de dar aos individuos a possibilidade de fazer o que querem com o seu dinheiro. Em tempos, li um argumento a favor da "pensão privada obrigatória": era que, se o sistema fosse totalmente livre, alguns individuos não se iriam preocupar em tratar da reforma e, quando chegasse a altura, iriam acabar a viver dos programas de assistência aos pobres. Mas, existindo sempre uma componente pública obrigatória (que, em principio, impedirá os contribuintes de cair na pobreza absoluta), porque é que a componente privada há de ser também obrigatória? Será que a ideia é a "privatização" ser, na verdade, um programa governamental de apoio às empresas gestoras de fundos de investimentos (e aos especuladores bolsistas em geral)?*

*pergunta de rétorica

"Trinta Anos Depois"

Um texto de Helder Raimundo, "Trinta Anos Depois", sobre o 25 de Abril em Portimão.

Monday, January 09, 2006

Por explicar

Após expôr a minha profunda discordância com os liberais-conservadores e conservadores-liberais, só resta um mistério por explicar: o tempo que eu passo nas caixas de comentários d'O Insurgente.

Mais sobre os "liberais-conservadores"

Vagamente a propósito da polémica que parece estar a haver entre liberais-conservadores e conservadores-liberais (ou será ao contrário?), a minha opinião é que o liberalismo-conservadorismo reúne o pior - para mim, claro - dos dois: os preconceitos sociais e morais, o militarismo e a obsessão pela "lei e a ordem" dos conservadores, e o estrito "materialismo burguês" dos liberais.

No fundo, o "liberalismo-conservadorismo" é perfeita expressão ideológica do mundo dos "organization-men", das pessoas "que fazem o seu trabalho, para ter uma vida boa, e não armam confusão" - a tal combinação de individualismo económico e conformismo (o que não significa que os "liberais-conservadores" sejam, eles próprios, conformistas e "individualistas económicos"" - afinal, como todos os "intelectuais", eles têm que ter ideias próprias e, quando escrevem um livro ou um post, de certeza que não estão a pensar quanto vão ganhar pessoalmente com isso).

Aliás, é sintomática a profunda oposição dos liberais-conservadores ao Romantismo (veja-se este post de Henrique Raposo): o "herói" do Romantismo era o indivíduo, por uma lado, em ruptura com a "sociedade", mas, por outro, dedicado a algo "mais importante" que o seu bem-estar pessoal. Também outra béte-noire dos liberais-conservadores, a "Nova Esquerda" dos anos 60 (agora já velhinha) fazia a apologia dessa mistura de originalidade pessoal e solideriedade colectiva. O liberalismo-conservadorismo é mais ou menos o contrário.

Já agora, um texto curioso: "The Politics of Architecture", do "conservador não-liberal" Peter Kreeft. Traduzindo para a minha linguagem, o "conservative" será um "liberal-conservador", o "traditionalist" um "conservador não-liberal", o "liberal" o equivalente a um votante típico do PS português e o "radical" alguém como eu (no texto, não há nada equiparável a um "liberal não-conservador"). Lendo o texto, chego à conclusão que um "radical" será o oposto de um "conservative", o que talvez explique que eu ache o liberalismo-conservadorismo a sintese do pior dos dois.

Nota: excluindo o primeiro parágrafo, ao longo do post, usei "liberal-conservador" e "conservador-liberal" como equivalentes.

Do outro lado da barricada

Lendo o Insurgente, o Acidental e o Blasfémias, vejo que a aliança liberal-conservadora está a rebentar...

Sunday, January 08, 2006

A Guerra Civil de Espanha e a URSS

Dedicado explicitamente a todos aqueles que acham que a Guerra Civil de Espanha impediu uma nova URSS, uma citação de George Orwell, que (ao contrário de Paul Johnson) estava lá ("Homenagem à Catalunha"):

"A única caracteristica inesperada da situação espanhola - a qual tem causado muitíssimos equívocos fora de Espanha - consiste no facto de, entre os partidos no governo, os comunistas não ocuparem uma posição de extrema esquerda e, sim, de extrema direita. Na realidade, isto não devia causar surpresa(...).Toda a política do Comintern está agora subordinada (...) à defesa da URSS, que depende de um sistema de alianças militares. A URSS está, particularmente, aliada à França, que é um país capitalista-imperialista. Tal aliança de pouco servirá à Rússia se o capitalismo francês não fôr forte - e portanto a politica comunista em França tem que ser contra-revolucionária (...). Em Inglaterra, por exemplo, a situação ainda é incerta e, por isso, o Partido Comunista inglês continua hostil ao Governo nacional e, ostensivamente, contrário ao rearmamento. Se, no entanto, a Grã-Bretanha assinar uma aliança (...) com a Rússia, os comunistas ingleses (...) não terão outro remédio senão tornar-se bons patriotas (...). Em Espanha, a «linha» comunista foi indubitavelmente influenciada pelo facto de que a França, aliada da Rússia, se oporia fortemente a um vizinho revolucionário e moveria céu e terra para impedir a libertação do Marrocos espanhol. O Daily Mail, com as suas histórias de revolução vermelha financiada por Moscovo, enganou-se ainda mais grosseiramente do que costume. Na realidade, foram os comunistas, mais do que quaisquer outros, que impediram a revolução em Espanha. Mais tarde, quando as forças direitistas obtiveram o controlo absoluto, os comunistas mostraram-se dispostos a ir muito mais longe do que os liberais na perseguição dos líderes revolucionários."[capitulo V]

Claro que se poderá argumentar que Orwell poderá ser uma das tais pessoas que escreveram "mentiras" sobre a GCE, mas confio mais nele, que estava lá lá (e enfrentou a morte, tanto contra os fascistas como contra o PC) do que num historiador qualqer, décadas e milhares de quilómetros depois.

Saturday, January 07, 2006

A reforma agrária na América Latina

Nos texto de A. Vargas Llosa "Dez tiros al Che Guevara", reparei nesta passagem:

"9. (..) Consideremos, por ejemplo, su opinión de que los guerrilleros debían operar desde el campo porque allí era donde vivían las masas luchadoras. En realidad, desde los años 60 la mayoría de los campesinos han abandonado pacíficamente el campo, en parte debido al fracaso de la reforma agraria, la cual ha obstaculizado el desarrollo de una agricultura basada en la propiedad y de las economías de escala con reglamentos absurdos que prohíben toda clase de convenios privados."

Por outro lado, tanto neste texto como no outro, é referido que os camponeses bolivianos não apoiaram a "revolução" de Che porque não precisavam - já haviam tido uma revolução em 1952, que tinha resultado na distribuição de terras aos camponeses.

Ora, aonde é que ficamos: as reformas agrárias "empobreceram os camponeses, fazendo-os ir para a cidade", ou, pelo contrário, melhoraram o seu nível de vida (o que fez eles não estarem interessados em mais "revoluções")?

Já agora, diga-se que, nos anos 60, apenas em dois paises da América Latina tinha havido reformas agrárias significativas: o México, depois da revolução de 1910-20 (aquela que costuma aparecer nos filmes, com o Pancho Villa, o Zapata, etc.); e, exactamente, a Bolivia, após a revolução de 1952. Atendendo a que nos outros paises não houve nenhuma reforma agrária que se visse, como é que o exôdo dos camponeses para as cidades, no geral da América Latina, pode ter sido por causa de "a reforma agrária impedir o desenvolvimento das economias de escala"? E, olhando para a dimensão dos grandes latifundios que continuam a dominar a maior parte da América Latina, de certeza que o problema principal não é a falta de "economias de escala". A mim, parece-me que os camponeses foram em massa para as cidades, exactamente, para fugir à pobreza criada pelos concentração da propriedade em meia dúzia de familias.

Aliás, nem sequer são apenas os "esquerdistas" que dizem isso: até liberais - como Murray Rothbard ou Joseph Stromberg [.pdf, pp 2-4] - defendem ou defenderam certos tipos de "reforma agrária", com o argumento de que os "latifundios" surgiram, não por via do "mercado livre", mas porque, há séculos, algum rei ou conquistador concedeu as terras aos seus "protegidos".

O caso "Che"

A propósito de "Che, o fim de um mito" (também aqui):

Um livro de pedagogia/psicologia publicado nos anos 70, "Dicionário de Psicologia do Adolescente" tinha uma entrada chamada "guevarismo", dedicado exactamente ao fascinio dos jovens (nos anos 70, claro) por "Che" Guevara. Eu não me lembro bem do que lá estava escrito, mas era qualquer coisa assim: "o importante não é tanto a causa porque ele lutou, mas a atitude de lutar por uma causa. Guevara acaba por representar um papel quase comparável ao dos cavaleiros da Idade Média, em oposição ao mundo dos adultos, dominados por um conservadorismo confortável" (isto é uma transcrição tão de memória que acaba por ser mais uma recriação).

Passando dos anos 70 para o presente, temos algo que ouvi de um conhecido (penso que trotskista):

"Por exemplo, os anarquistas estão sempre a dizer mal do Che Guevara, dizem que era um estalinista. Mas ele lutou a sério contra o imperialismo e foi morto por uma bala da CIA. Não é como eles, que vão morrer com uma cirrose."

Ou seja, a admiração por Che Guevara, para muita gente, não é tanto a admiração por uma ideologia específica, mas mais pela atitude de abandonar uma situação confortável (e priviligiada) para lutar por um ideal (e, no fim, morrer por ele). Basta ver que Che ficou muito mais na memória que outros lideres comunistas também famosos na época, como Ho Chi Min - provavelmente pelo seu sacrificio pessoal e, sobretudo, pela sua morte. Aliás, é frequente, em textos apologéticos de Che Guevara, fazer a comparação com D. Quixote (que até era um dos seus livros favoritos), se calhar mais do que com Marx ou Lenine (refira-se que se Quixote não fosse um personagem de ficção do Renascimento, mas um personagem real do Mundo Moderno, talvez fosse um ultra-conservador).

Assim, quando alguém (sobretudo que não seja do PC) anda com o retrato do Che (eu já andei, há muitos anos), mais que apoiar o regime cubano, as torturas em Santa Clara (ou o comunismo em geral), muitas vezes está a expressar uma posição de "não tenhas medo de lutar contra o sistema, mesmo que isso prejudique ou teu conforto (ou carreira, ou emprego...)".

Agora, quando Ribeiro e Castro chama a Guevara "um dos maiores assassinos do séc. XX" está claramente a super-exagerar: realmente ele ordenou muitas execuções, mas não é díficil encontrar gente com muito mais sangue nas mãos que ele (quase todos os antigos ditadores militares latino-americanos, p.ex.).

A respeito da frase acerca da "perfect, cold-blooded, killing machine", recorde-se que ele também disse "Há que endurecer, mas sem perder a ternura".

Finalmente, é curioso que AVL chame a Guevara um "defensor do capitalismo de estado": em certo sentido, até é verdade (o regime que ele ajudou a implantar em Cuba é muito diferente da minha ideia de "socialismo"). Mas os liberais (como os Vargas Llosa) não costumam chamar "capitalismo" ao "socialismo real", muito pelo contrário - costumam pôr no mesmo saco esse "socialismo" e o socialismo gerido pelos próprios trabalhadores.