Tuesday, July 04, 2006

Resposta a questões sobre o aborto

N'O Amigo do Povo, Fernando Martins põe algumas questões aos defensores da legalização do aborto. Estas são as minhas respostas pessoais a algumas dessas questões.

"Em primeiro lugar gostava de saber se alguém pode garantir que no dia em que a "IVG" seja despenalizada acaba o "aborto" clandestino em Portugal. Se não acabar, e não vai acabar, o que é que os defensores da sua despenalização propõem que se faça? Prendem-se as mulheres que o façam "clandestinamente" – fora do sistema de saúde reconhecido por lei – ainda que dentro dos prazos previstos na lei?"

Não. Se alguém não quer beneficiar do direito a ter um aborto em condições e, em vez disso, prefere uma parteira do bairro, isso é problema dela.

"Ou indiciam-se e julgam-se apenas os médicos, enfermeiros ou parteiras que pratiquem o acto? Ou talvez apenas o senhorio do imóvel em que tão triste acontecimento tenha lugar…"

Desde que os médicos, enfermeiros ou parteiras não recorram a fraude ou publicidade enganosa e declarem o rendimento obtido nessa actividade, não vejo porque se há de indiciar alguém. No entanto, caso a sua actuação cause danos físicos (ou mesmo a morte) às suas clientes, em principio deverão ser responsabilizados por isso.

"E o que é que se vai fazer às mulheres que abortem fora do prazo, clandestinamente? Um dia, uma semana, um mês depois de ter expirado o prazo previsto por lei para uma situação em concreto. O que é que se faz? Essas mulheres seguem em liberdade? Pagam uma multa? Dá-se-lhes uma carta com pontos? Ao quinto aborto clandestino vai dentro?"

Em vez de prisão, como é actualmente, devem pagar uma multa (eventualmente substituida por trabalho).

"Ou aqueles que hoje defendem a despenalização do aborto por motivos sociais, económicos, ideológicos e culturais certamente louváveis consideram afinal que o aborto deve ser livre até ao dia do parto?"

Não. Defendo que, regra geral, o aborto deve ser legal até às 12 semanas (este artigo de Carl Sagan dá uma boa justificação para isso). Ás vezes, até tenho algumas dúvidas sobre a alinea da lei actual que autoriza o aborto até às 16 semanas caso "a gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual" (até faria mais sentido esse alargamento para "os casos de perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida").

"Legalizando-se a IVG, por razões sócio-económicas, até às 16 semanas acaba o aborto clandestino em Portugal e nunca ninguém mais será julgado e condenado por causa de tão sinistro tema?"

Creio que esta pergunta já está respondida nas respostas anteriores.

"[D]igam-me por favor ao fim de quantos abortos legais será uma mulher obrigada a alterar o seu comportamento ou até, e pelo menos, a ser civilmente responsabilizada. Presumo que nunca."

A minha resposta - pode ser chocante para algumas pessoas - é exactamente essa: nunca (porque é que alguém deve ser obrigado a alterar um comportamente que é - ou seria - legal?).

6 comments:

Anonymous said...

estou de acordo, mas no que toca ao ultimo ponto, penso que ninguem no seu juizo perfeito irá fazer disso uma especie de desporto.

e se o fizer, é porque tem problemas. alias, conheço um caso desses, mas onde se passa o inverso, o casal tinha filhos a torto e a direito.

Anonymous said...

Ao Miguel: Bom post.

Ao agitador: Isso é um mito. Se fôr legal vai haver gente a fazer muitos abortos, como há nos países onde já é legal (e cá, mas não se sabe). Serão muito poucas pessoas, certo, mas haverá quem o utilize como contraceptivo (fazendo cinco, seis, dez abortos). Dizer que não é uma mentira que ganha votos. Aplaúdo o miguel por ter lidado com o problema de frente e respondido "e depois?"

Anonymous said...

Apesar de ter sido um excelente esforço no sentido de "definir limites", a tese de Sagan tem algumas fragilidades, pois pode estar dependente da tecnologia, e da sua capacidade crescente de medir actividade cerebral. É muito perigoso levar estes assuntos para o campo da Ciência, da verdade/falsidade. Talvez seja melhor mantê-la no campo da ética, ou mesmo abordá-la de forma pragmática (sem ceder ao utilitarismo).

Anonymous said...

caro luis pedro,

eu não vejo mal nenhum no aborto, alias tenho uma visão utilitarista em relação a este assunto.

no entanto deve haver uma promoção dos comportamentos responsaveis. o uso de contraceptivos fico muito mais barato e é menos penoso do que o aborto.

nestes casos, deve haver acompanhamento especializado como existem noutras áreas, por isso é que dei o exemplo que dei.

Anonymous said...

E agora que se vai poder abortar por não se gostar do sexo dos bebés!

Anonymous said...

caro psi,

não está a exagerar?

nós não temos uma cultura de descriminar pelo sexo, ou secalhar temos...

por um lado, ao longo do processo todo há acompanhamento de especialistas de varios ramos da saude, pelo menos segundo as leis que conheço dos varios partidos.

por outro lado, isso já se pode inserir num caso tipico que se enquadra na argumentação que proibe a clonagem. com a qual estou de acordo.

por fim, a questão do aborto trata-se de saber cientificamente quando começa a vida humana em si.

antes desta fase, numa determinada fase do desenvolvimento do embrião, o embrião pode ser considerado uma forma de vida, não humana, mas um organismo vivo.

como um rato ou um cão...