Friday, June 26, 2009

Incentivos

Se destrinçarmos melhor a proposta do Jorge verificamos que aquilo que aquilo que ele efectivamente propõe é a “multiplicação de espaços de democracia participativa, incluindo o interior das empresas”. Ou seja o de obrigar as empresas a terem nos seus concelhos executivos elementos dos trabalhadores – algo que já tinha defendido neste blogue. Esta concepção equivale a considerar a economia de mercado como uma gigantesca árvore de natal em que, mudando umas bolinhas aqui e ali, nada acontecerá às demais – o resultado final será bem mais bonito. Na realidade estes sistemas económicos são bem mais complexos: subtis alterações podem ter impactos abrangentes. E esta proposta do Jorge Bateira é uma delas, porque destrói parte dos incentivos tão importantes para as economias de mercado. Pensem como é que uma empresa se governaria com uma gestão constituída por accionistas, empregados, fornecedores, clientes, ambientalistas, fiscais, etc. Todos estes com objectivos diferentes e mesmo opostos. De facto seria incrivelmente difícil que estes acordassem um mecanismo de incentivo para motivar os trabalhadores a executarem um nível adequado de esforço. Este é um problema conhecido na ciência económica como múltiplos principais e um agente (o Avinash Dixit tem uns modelos interessantes sobre isto). E um exemplo de uma instituição que funciona nestes moldes é a UN onde nunca nada é decidido.
Na realidade a proposta do Jorge Bateira afectaria parte dos incentivos que caracterizam a economia de mercado. O resultado seria um crescimento económico mais lento no futuro. Claro que não tenho nada contra, desde que todos estejamos bem informados desta possibilidade. Mas em parte é por isso que existe ciência económica – para nos esclarecer algumas implicações deste tipo de propostas políticas.
A participação dos (ou de representantes dos) trabalhadores na gestão efectivamente alteraria os incentivos; mas parece-me uma conclusão muito apressada dizer que "o resultado seria um crescimento económico mais lento no futuro". Na verdade, até poderemos imaginar cenários em que a co-gestão aumentasse a produtividade: p.ex., numa empresa co-gerida, em principio, os trabalhadores estarão mais dispostos a aceitar acordos do género "vamos renunciar a aumentos salariais por uns tempos para depois termos aumentos maiores (ou para salvarmos a empresa)". Porquê? Porque numa empresa "normal" (sobretudo a partir de uma certa dimensão), os trabalhadores tendem a reagir a essas propostas com um "e quem nos garante que vamos mesmo ter o tal aumento no futuro? O que não irá à mesma haver uma reestruturação que nos mande para o desemprego?". Num sistema em que os trabalhadores participem na gestão, terão mais confiança que esta cumpra as suas promessas (não necessariamente muitos mais confiança, mas mais alguma terão). Ou, vendo as coisas numa perspectiva mais cínica, há o velho argumento que a co-gestão "aburguesa" os sindicalistas, tornando-os mais dóceis (o que por vezes até pode ser bom para a economia...).

Tiago Tavares faz referência aos problemas de agente-principal, argumentando que a participação dos trabalhadores vai torná-los mais complexos; mas há o outro lado da questão - a participação dos trabalhadores pode simplificar esse problema - afinal, no caso extremo em que a empresa fosse totalmente gerida pelos trabalhadores, a distinção entre o "agente" (trabalhadores) e "principal" (administração) simplesmente desaparecia, resolvendo assim de vez o problema (bem, não totalmente - continuaria a haver situações em que teríamos o conjunto dos trabalhadores como "principal" e cada trabalhador individual como "agente").

Aliás, a respeito da questão dos incentivos, temos aqui um texto antigo de Herbert Spencer, em que este argumentava que as "cooperativas operárias" tinham condições para terem politicas remuneratórias mais eficientes do que as empresas clássicas.

Claro que há uma diferença entre as "cooperativas operárias" e a co-gestão, sobretudo no contexto do artigo do Tiago: este considera que o problema da co-gestão é exactamente haverem muitos interesses opostos na administração, e uma cooperativa operária acaba também por não ter esse problema (já que 100% da gestão é composta por representantes dos trabalhadores).

Mas, de qualquer forma, penso que podemos estabelecer duas regras gerais:

1 - quanto maior a participação dos trabalhadores na gestão, menor será o problema agente-principal (no caso extremo da autogestão directa, praticamente quase nem existiria)

2 - quanto mais grupos participarem na gestão, mais difícil é lidar com o problema agente-principal

Assim, creio que a co-gestão tem efeitos contraditórios: ou seja, pode diminuir o conflito de interesses entre os trabalhadores e a empresa (efeito 1), mas pode também tornar mais difícil a gestão desses conflitos quando ocorrem (efeito 2). Logo, pelo menos numa análise teórica, acho que não se pode dizer que a co-gestão vá reduzir o crescimento económico (ou que o vá aumentar).

1 comment:

Tiago Tavares said...

Sim Miguel julgo que capturou bem a minha ideia.

Só vou deixar aqui umas ideias.

O problema do agente-principal que referi no meu artigo é efectivamente um problema de informação. No entanto podem existir mecanismos que lidem eficientemente com esse problema de informação (no máximo existirão transferências de lucro do principal para o agente). No caso em que existem múltiplos principais com interesses distintos isto já não acontece. Vai ser mais difícil para estes acordar num mecanismo de incentivos para os agentes e a produção virá diminuída.

Dito isto, no artigo talvez tenha sido particularmente dramático quando referi que basta apenas 1 pequeno grupo na direcção executiva para haver logo problemas. Não necessariamente. No entanto isto já será mais provável quando aumentamos o número de partes interessadas nos principais: trabalhadores, ambientalistas, clientes, fornecedores, etc.

E aqui chegamos ao seu ponto. A maior participação de trabalhadores na gestão elimina automaticamente este problema de informação. O problema é que começam a surgir outros problemas de incentivos nestas situações. 2 casos: a empresa própria (cabeleireiras, etc.) e as firmas governadas pelos trabalhadores (ex. firmas de advogados). No primeiro caso poderão haver problemas relacionados com a separação entre decisões de produção e decisões de esforço. No segundo caso o problema é que o objectivo da empresa muda da maximização de lucro para a maximização do lucro partilhado com a possibilidade da empresa deixar de produzir e contratar um número eficientemente, i.e., de acordo com os custos reais envolvidos. Por exemplo, quando o preço aumenta uma destas firmas pode levar a um despedimento de trabalhadores já que o custo de ter de partilhar o lucro para mais um trabalhador ao novo preço será superior ao beneficio do incremento da produto (em valor de mercado) por trabalhador causado pela subida do preço.

Claro que estas já são considerações favoráveis à separação da propriedade trabalho muito teóricas e facilmente discutíveis. Também já não envolvem problemas de informação mas outros problemas de incentivos.