Monday, November 30, 2009

31 da Armada em defesa das "ocupações selvagens"?

Henrique Burnay:

Economia de mercado é isto. Uma mulher que compra uma fábrica falida e lhe triplica a facturação, aumenta em mais de 20% o número de trabalhadores e explica que é uma questão de produzir com qualidade o que o mercado quer.

As deslocalizações não se proíbem, evitam-se; não se impedem, contrariam-se.

Alguém que dê uma medalha a Conceição Pinhão, no meio dos monos do costume galardoados no 10 de Junho."

O Henrique Burnay tem mesmo a certeza que "economia de mercado" é isto?

"De trabalhadora a "patroa", a vida de Conceição Pinhão mudou em poucos dias, depois de a fábrica de confecções em que trabalha, em Arcos de Valdevez, ter sido abandonada pelos patrões que a tentaram deslocalizar para o Leste.

O "pesadelo", como faz questão de sublinhar, começou abruptamente a 29 de Novembro de 2004, depois de reunir com os dois sócios, alemães, da empresa, para definir a programação da fábrica em 2005. "Não ficou tudo feito e decidimos continuar a reunião no dia seguinte", lembra. Ao início da noite, foi alertada para as movimentações dos patrões, que estavam já a retirar tecidos e máquinas. "Estava já preparado um camião para levar o recheio para a República Checa."

"Quiseram fazer tudo à socapa, mas nós, que dependemos da fábrica, não deixámos." Alertou os restantes trabalhadores e, concentrados na saída da empresa, acabaram por barrar a retirada do material. "Nunca mais ouvimos falar deles. Tal como na altura não tiveram a coragem de nos dizer quais as intenções para o nosso posto de trabalho, também agora não a têm para aparecer por cá", afirma. Com 43 anos, casada e mãe de um filho, Conceição, que já antes se ocupava da gestão da Confecções Afonso na ausência dos patrões, sente que os 91 postos de trabalho são uma mais-valia pela qual vale a pena lutar. Assumindo o leme que outros abandonaram.

As encomendas não param e a viabilidade da empresa parece garantida. "Sempre acreditei e agora cada vez mais", diz, confiante, lembrando que as contas dos funcionários estão "praticamente em dia", excepção feita ao subsídio de Natal. "Quando fugiram deixaram contas por pagar e o dinheiro não tem dado para tudo."

A produção continua "quase normal", embora Conceição reconheça que "alguns clientes têm dúvidas" sobre o futuro. O que a levou a avançar com a proposta de compra da unidade, por um euro. Existe ainda uma dívida, já negociada, de 80 mil euros à Segurança Social, que se compromete a liquidar." (DN, 01/05/2005)

Ou:

"De facto, Conceição Pinhão tem estado à frente das decisões da empresa, desde que os principais accionistas tentaram deslocalizar a produção para a República Checa, em finais de Novembro passado, mas sem resultado. Trabalhadores (na sua esmagadora maioria, mulheres), familiares e amigos travaram a retirada da matéria-prima da fábrica, impedindo mesmo um camião TIR, matriculado naquele país do Leste europeu, de entrar nos espaços da unidade.

Desde então que as 91 operárias asseguram a produção, revezando-se na vigília da firma. Para que encontrem a fábrica na manhã seguinte como a deixaram na véspera. Aguardam, agora, por resposta à proposta que fizeram, com vista à aquisição da unidade pelo simbólico preço de um euro. A propósito, Conceição Pinhão indicou que o contacto com os accionistas, alemães, tem sido feito por fax. Segundo disse, foi assim que os donos da unidade reclamaram pela matéria-prima, a 1 de Dezembro passado, "ameaçando, mesmo, os operários com processos judiciais". Por fax, enviado para a Alemanha, seguiu, também, a resposta dos operários às reivindicações dos accionistas, bem como a proposta para a compra da empresa, fundada em 1991, por outro empresário, também alemão. Mas quanto a respostas, nada.

Assegurando que a unidade tem "todas as condições" para continuar a funcionar, aquela responsável exemplificou com o facto de a fábrica ter ficado, "de um dia para o outro" sem clientes, fruto do abandono dos accionistas, a quem se destinava considerável parte da produção. "Agilizámos, de imediato, alguns contactos, que se traduziram em encomendas, encontrando-se actualmente a fábrica a produzir a todo o vapor", disse, indicando que, apesar do esforço, não foi ainda possível pagar o subsídio de Natal. "O problema, que continua a assustar alguns clientes, está na posse da empresa. Temem que a encomenda que possam vir a fazer não seja entregue a tempo", considerou, indicando tratar-se da situação que esteve na origem da proposta das operárias. Enquanto gerente, firmou, durante a administração dos accionistas, contratos com clientes, e continua a fazê-lo, observa, para manter a unidade a laborar.

"Já aqui passámos muitas noites e muito frio, mas tem de ser. Pelo menos enquanto vivemos neste impasse", explicou Helena Araújo, de 33 anos, 14 deles passados na unidade. Sustentando que os accionistas "têm de definir uma posição", Cândida Duarte, trabalhadora domiciliada naquele concelho, asseverou "A fábrica tem todas as condições para singrar. Agora, os sócios têm de dizer se querem ou não. Têm de pegar ou largar, porque isto não é vida para ninguém".

Acesso à unidade fabril continua a estar bloqueado

À entrada do cais da unidade fabril, permanece uma pedra com toneladas de peso. "É a garantia que encotrámos para inviabilizar tentativas de retirada do material", explica a gerente da Afonso, Conceição Pinhão, assinalando que as encomendas "saem pela porta principal". No que se refere à entrada de matéria-prima, disse que são os clientes que se responsabilizam pela sua colocação na fábrica, enviando, depois, a unidade, as peças (camisas e blusas) para as respectivas firmas, sedeadas, na sua maioria, na Alemanha e nos Estados Unidos. Referindo-se à proposta para compra da empresa, disse que os accionistas, caso a aceitem, terão de desembolsar 60 mil euros, para pagamento do subsídio de Natal às trabalhadoras. "De nossa parte, responsabilizamo-nos pelo pagamento de todos os encargos, tanto à Segurança Social (à qual a fábrica deve 77 mil euros, estando a dívida "a ser paga, por prestações) como aos fornecedores (de 40 mil euros)", indicou, assinalando que a proposta "tem o apoio" do proprietário do imóvel, que não tem recebido a renda (de três mil euros mensais) desde Novembro passado."(JN, 05/03/2005)

Trabalhadores a não deixarem os patrões transferirem as máquinas (é isso que quer dizer "as deslocalizações não se proíbem, evitam-se"?) e uma trabalhadora a gerir à margem da lei uma empresa alheia durante mais de um ano (desde Novembro de 2004 até Janeiro de 2006)? Não é o que normalmente se chama "economia de mercado" e muito menos de "capitalismo" (foi para isto que se fez o 25 de Novembro?). Será que os actos de "acção directa" e "desobediência civil" dos "31 da Armada" estão-lhes a subir à cabeça?

[Não digo que "economia de mercado" não possa ser efectivamente isto - há um ano, quando uma fábrica em Chicago foi ocupada, houve alguma discussão na internet anarco-capitalista sobre de que lado os defensores do "economia de mercado" deveriam estar mas o argumento-liberal-a-favor-das-ocupações-de-empresas-à-beira-de-fechar parece-me muito fraquinho]

Outros artigos publicados aqui no VS sobre as Confecções Afonso: "Fábrica salva por um euro já factura quase um milhão" e Já agora, em Portugal...

2 comments:

Anonymous said...

Estive para responder a esse post linkando um texto sobre ocupação de fábricas na Argentina (os ideias no fundo são sindicalismos, anarquismos e socialismos, mas a viver, que remédio, nos capitalismos).
Quer dizer, o tipo adora o "capitalismo" porque "é aquilo".
Capitalismo também é a deslocalização se dá e como de facto acontece imensas vezes deixam-se salários para pagar e desemprego. Curiosa maneira de ver a luta de classes: quando o mercado acaba por resolver a situação de uma empresa e meia dúzia de trabalhadores, o capitalismo é bonito; nos outros 99% dos casos "temos pena".

Mas quanto ao teu post, é curioso, sim, o potencial de insurreição que se respira naquele blog de betos de direita.

Anonymous said...

Estive para responder a esse post linkando um texto sobre ocupação de fábricas na Argentina (os ideias no fundo são sindicalismos, anarquismos e socialismos, mas a viver, que remédio, nos capitalismos).
Quer dizer, o tipo adora o "capitalismo" porque "é aquilo".
Capitalismo também é a deslocalização se dá e como de facto acontece imensas vezes deixam-se salários para pagar e desemprego. Curiosa maneira de ver a luta de classes: quando o mercado acaba por resolver a situação de uma empresa e meia dúzia de trabalhadores, o capitalismo é bonito; nos outros 99% dos casos "temos pena".

Mas quanto ao teu post, é curioso, sim, o potencial de insurreição que se respira naquele blog de betos de direita.