Ali em baixo escrevi «acho que a discussão do nome, com uns a dizerem "tem que se chamar casamento" e outros dizendo "não se pode chamar casamento", é das discussões mais parvas que há».
O Filipe Abrantes responde que "A questão do nome pelos vistos só é parva para o Miguel. Para uns (gays pró-cpms) e para outros (em geral, todos os contra-cpms), a questão do nome é muito importante" e que "Se a questão fosse mesmo parva, os gays contentariam-se com uma união de facto actualizada".
Em primeiro lugar, reconheço que, como heterossexual anti-casamento, sou talvez a pessoa menos indicada para perceber o valor simbólico que, de um lado e do outro, se atribui à questão do casamento homossexual (já que, embora compreenda intelectualmente, não consigo sentir emocionalmente, nem o problema da discriminação dos homossexuais, nem a importância da instituição casamento).
Além disso, já várias pessoas disseram que eu sou lógico/racional demais, o que talvez diminua minha capacidade para perceber uma questão de "simbolismo".
[um história que talvez tenha a ver com isto: há tempos, eu e uma senhora estávamos conversando com uma rapariga que estava a pensar se devia ter um filho ou se antes se devia casar com o namorado/companheiro - a minha ideia era fazer uma base de dados com as tabelas do IRS e os escalões do abono de família e depois introduzir o vencimento dela e o do namorado e calcular a opção que optimizava o saldo de impostos e subsídios (talvez fosse necessário fazer uma macro no Visual Basic para isso...); já a outra senhora vinha com uma conversa muito estranha de "É melhor casares-te, sempre é outra coisa"]
Mas mesmo com estas ressalvas, continuo a achar que a discussão sobre o nome é uma discussão parva.
O Filipe Abrantes refere que para a maior parte das pessoas não é uma discussão parva, mas isso é uma observação provavelmente enviesada: por razões óbvias, as pessoas que acham que a discussão não é parva participam mais nela do que as que acham que é parva, logo tenderão a parecer mais das que efectivamente são; alem disso (e aqui falo por experiência própria) os activistas políticos gostam de ter causas por que lutar, logo se alguma parece fácil de ser atingida, têm a tendência para arranjar outra, caso contrário morriam de tédio (como um alpinista que, após subir ao K2, começa a pensar no Everest). Já agora, não sei se não haverá aí algum maquiavelismo semi-inconsciente: ao defenderem o casamento homossexual, os activistas LGBT provavelmente conseguiram que a opção "um contrato com os mesmo direitos mas com outro nome" fosse defendida por muita gente que, há partida, seria totalmente anti-igualdade de direitos para os casais homossexuais.
De qualquer forma, há uma boa razão para achar isso uma polémica irrelevante: é que "casa alugada" tem 58.000 hits no google e "casa arrendada" apenas 25.000; há até uma história que, numa oral de Direito em Coimbra, no começa da prova o professor perguntou ao aluno "Como tem passado?"; o aluno: "Bem; passei uns dias na Figueira, numa casa que os meus pais têm lá alugada"; o professor: "Pode ir embora; já chumbou".
Ou seja, as expressões que as pessoas usam na sua fala do dia-a-duia não corresponde necessariamente ao que vem nalgum texto legal (neste caso, o que diz que as coisas móveis "alugam-se" e as imóveis "arrendam-se").
Vamos imaginar que era aprovada uma união civil para os homossexuais com os mesmo direitos mas com outro nome: se efectivamente houver um ambiente social de "abertura" face à homossexualidade, quase toda a gente irá acabar por chamar a isso "casamento", mesmo que o nome seja outro; e, se como substantivo, ainda poderá sobreviver durante algum tempo a diferença entre "casamento" e "união civil", como verbo o "casar" em pouco tempo substituirá qualquer alternativa que se tente criar ("A Guilhermina e a Tânia vão-se unir civilmente para a semana"? soa mal!; "A Guilhermina e a Tânia vão-se unir para a semana"? ainda pior, soa a cirurgia feita por um cientista loco ou coisa assim; "A Guilermina e a Tânia vã-se UCar para a semana"? Arghh!). Aliás, quando começaram a ser criadas as "uniões civis" nalguns países, não era raro comentar-se coloquialmente"No [país X] os gays já se podem casar".
Agora vamos supor o caso contrário - que, contrário ao que eu penso, a repulsão pela ideia do casamento homossexual seria tão forte que a maioria das pessoas não iria adoptar o termo "casamento" para as referir. Então, assim, mesmo que na lei se chame "casamento", provavelmente irá acabar por ser usado outro nome qualquer no dia-a-dia.
O Filipe Abrantes responde que "A questão do nome pelos vistos só é parva para o Miguel. Para uns (gays pró-cpms) e para outros (em geral, todos os contra-cpms), a questão do nome é muito importante" e que "Se a questão fosse mesmo parva, os gays contentariam-se com uma união de facto actualizada".
Em primeiro lugar, reconheço que, como heterossexual anti-casamento, sou talvez a pessoa menos indicada para perceber o valor simbólico que, de um lado e do outro, se atribui à questão do casamento homossexual (já que, embora compreenda intelectualmente, não consigo sentir emocionalmente, nem o problema da discriminação dos homossexuais, nem a importância da instituição casamento).
Além disso, já várias pessoas disseram que eu sou lógico/racional demais, o que talvez diminua minha capacidade para perceber uma questão de "simbolismo".
[um história que talvez tenha a ver com isto: há tempos, eu e uma senhora estávamos conversando com uma rapariga que estava a pensar se devia ter um filho ou se antes se devia casar com o namorado/companheiro - a minha ideia era fazer uma base de dados com as tabelas do IRS e os escalões do abono de família e depois introduzir o vencimento dela e o do namorado e calcular a opção que optimizava o saldo de impostos e subsídios (talvez fosse necessário fazer uma macro no Visual Basic para isso...); já a outra senhora vinha com uma conversa muito estranha de "É melhor casares-te, sempre é outra coisa"]
Mas mesmo com estas ressalvas, continuo a achar que a discussão sobre o nome é uma discussão parva.
O Filipe Abrantes refere que para a maior parte das pessoas não é uma discussão parva, mas isso é uma observação provavelmente enviesada: por razões óbvias, as pessoas que acham que a discussão não é parva participam mais nela do que as que acham que é parva, logo tenderão a parecer mais das que efectivamente são; alem disso (e aqui falo por experiência própria) os activistas políticos gostam de ter causas por que lutar, logo se alguma parece fácil de ser atingida, têm a tendência para arranjar outra, caso contrário morriam de tédio (como um alpinista que, após subir ao K2, começa a pensar no Everest). Já agora, não sei se não haverá aí algum maquiavelismo semi-inconsciente: ao defenderem o casamento homossexual, os activistas LGBT provavelmente conseguiram que a opção "um contrato com os mesmo direitos mas com outro nome" fosse defendida por muita gente que, há partida, seria totalmente anti-igualdade de direitos para os casais homossexuais.
De qualquer forma, há uma boa razão para achar isso uma polémica irrelevante: é que "casa alugada" tem 58.000 hits no google e "casa arrendada" apenas 25.000; há até uma história que, numa oral de Direito em Coimbra, no começa da prova o professor perguntou ao aluno "Como tem passado?"; o aluno: "Bem; passei uns dias na Figueira, numa casa que os meus pais têm lá alugada"; o professor: "Pode ir embora; já chumbou".
Ou seja, as expressões que as pessoas usam na sua fala do dia-a-duia não corresponde necessariamente ao que vem nalgum texto legal (neste caso, o que diz que as coisas móveis "alugam-se" e as imóveis "arrendam-se").
Vamos imaginar que era aprovada uma união civil para os homossexuais com os mesmo direitos mas com outro nome: se efectivamente houver um ambiente social de "abertura" face à homossexualidade, quase toda a gente irá acabar por chamar a isso "casamento", mesmo que o nome seja outro; e, se como substantivo, ainda poderá sobreviver durante algum tempo a diferença entre "casamento" e "união civil", como verbo o "casar" em pouco tempo substituirá qualquer alternativa que se tente criar ("A Guilhermina e a Tânia vão-se unir civilmente para a semana"? soa mal!; "A Guilhermina e a Tânia vão-se unir para a semana"? ainda pior, soa a cirurgia feita por um cientista loco ou coisa assim; "A Guilermina e a Tânia vã-se UCar para a semana"? Arghh!). Aliás, quando começaram a ser criadas as "uniões civis" nalguns países, não era raro comentar-se coloquialmente"No [país X] os gays já se podem casar".
Agora vamos supor o caso contrário - que, contrário ao que eu penso, a repulsão pela ideia do casamento homossexual seria tão forte que a maioria das pessoas não iria adoptar o termo "casamento" para as referir. Então, assim, mesmo que na lei se chame "casamento", provavelmente irá acabar por ser usado outro nome qualquer no dia-a-dia.
12 comments:
Grande post. Falta só referir uma proposta feita pelo L-AC há uns tempos: se o problema é o nome, pode-se chamar cazamento ou kasamento ao casamento homossexual.
"pode-se chamar cazamento ou kasamento"
Vamos a isso então. Mas parece-me que os gays não vão querer...
ps: eu acho que as razões por que os gays insistem no nome "casamento" são perversas e isso deve ser uma motivação acrescida para não lhes fazer a vontade. Se fosse principalmente uma questão de direitos, faziam essa concessão aos conservadores e abdicavam dessa birra.
«eu acho que as razões por que os gays insistem no nome "casamento" são perversas e isso deve ser uma motivação acrescida para não lhes fazer a vontade. Se fosse principalmente uma questão de direitos, faziam essa concessão aos conservadores e abdicavam dessa birra»
Esse argumento pode ser usado de forma exactamente simétrica pelos gays. Eu não sou gay mas também me parece uma birra andar por aí dizer que "união tudo bem, mas não lhe chamem casamento".
É perverso querer preservar uma instituição antiga (mesmo que por meios questionáveis)? Não me parece.
Perverso: querer aderir a uma instituição que tem por fim a procriação.
Legítimo: querer manter a respeitabilidade de uma instituição antiga e com provas dadas.
Filipe, eu sou casado e não quero procriar. Não me acho particularmente perverso. E espero que não me queira retirar o direito de estar casado só porque não tenho intenções de propagar os meus genes.
Já a ideia de manter "a respeitabilidade de uma instituição antiga e com provas dadas" é uma petição de princípio: assume implicitamente aquilo que quer provar. Para os gays, por exemplo, o casamento homossexual não é mais nem menos respeitável que o heterossexual. E para mim também não.
Tal como o voto universal não me faz espécie mas talvez tenha ofendido muita gente que no início do século XX achava que mulheres na cabine de voto tiravam dignidade à coisa...
"o casamento homossexual não é mais nem menos respeitável que o heterossexual. E para mim também não."
Importa para o caso a opinião da maioria, não a sua ou a minha (se me provoca ou não repulsa).
Filipe, eu estranho que um liberal queira ver uma maioria a decidir a concessão de prebendas estatais. Então o casamento não não é algo que emerge da "ordem espontânea"? Afinal só subsiste se o Estado lhe garantir o nome?
E isto significa que o assunto devia ser levado a referendo? E que as questões de dignidade devem ser dirimidas na cabine de voto?
PR,
Defendo que o estado não legisle sobre o assunto.
Mas o dilema actualmente é outro: manter o actual regime ou modifica-lo. Optar pela 1ª via ou pela 2ª, não faz de mim nem mais nem menos liberal.
Dito de outra forma, em quê é liberal defender que uma instituição definida pelo estado (casamento) seja alargada a outros membros da sociedade? Em nada.
É parecido a dizer-se que é exigir a não discriminação, por exemplo, na admissão de pessoal na função pública. Não é uma ideia liberal (não é nem deixa de ser, porque numa sociedade liberal não haveria funcionários do estado).
Sobre os referendos: o óptimo é que questões de direito não sejam submetidas aos poder dos políticos. Mas!, aquelas que já o são, é melhor que em vez de serem decididas pelos políticos o sejam pelo conjunto dos cidadãos. É um mal menor. Além disso, sabemos que um governo é eleito com um pacote de ideias sobre a sociedade, e que como sabemos vota-se num partido apesar de não se concordar com tudo. Se a lógica é a defesa da maioria (contestável, mas a que prevalece hoje), então que seja efectivamente a maioria a decidir.
corrijo:
É parecido a dizer-se que é *liberal* exigir a não discriminação..
Filipe,
Eu também defendo que o Estado não legisle sobre o assunto. Da mesma forma, concordo que o que está em cima da mesa agora não é discutir se o Estado vai continuar ou não a fazê-lo mas sim optar pela manutenção ou mudança do actual regime.
E aí parece-me que é preferível um modelo que permita todas os tipos de casamento do que um que o restringe à forma preferida de um grupo específico. Tal como no caso da função pública, é um second best: a partir do momento em que existem funcionários do Estado, é melhor tornar o acesso universal do que conceder o exclusivo a grupos restritos: sejam homens brancos, heterossexuais ou benfiquistas.
"Não é uma ideia liberal (não é nem deixa de ser, porque numa sociedade liberal não haveria funcionários do estado)."
Numa sociedade liberal os funcionários dos Tribunais eram dispensáveis? Ainda estou para ver que sociedade liberal é essa...
Penso que o direito de pessoas do mesmo sexo celebrarem um contrato de união, dentro de um quadro legal que estabeleça direitos e deveres, semelhante ao contrato de casamento entre homem mulher, não legitima que se use a designação de casamento. Existe uma petição on-line: http://www.peticao.com.pt/pareamento
Se o contrato entre pessoas do mesmo sexo não fosse diferente do casamento não necessitaria de legislação específica; é tão simples quanto isso.
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