Sunday, November 01, 2009

Confesso que não sei bem o que achar disto, se bem se mal (II)


Como já escrevi, é uma questão em que não tenho bem opinião formada; e envolve montes de questões, não apenas sobre a viagem em si, mas também (ou sobretudo) sobre questões como direitos das crianças e adolescentes, direitos das famílias e dos pais, etc. Ou seja, temos aqui8 questões como:

- fazer uma viagem sozinha à volta do mundo com 14 anos é boa ideia?
- mesmo que fosse má ideia, deveriam os pais impedi-la de a realizar?
- caso os pais a deixem fazer a viagem, será que a "sociedade" ou o Estado se devem meter nisso, mesmo que o achem um má ideia?
- e, já agora, com que idade um "menor" deve passar a "maior"? (em muitas sociedades, um rapaz já seria uma espécie de adulto com essa idade; no caso de uma rapariga, se calhar já estaria casada).

Essas questões não são totalmente independentes: pode-se argumentar que, quanto maior o grau de risco, mais forte será o argumento para não deixar um "menor" fazer o que quiser. P.ex., até um dado grau de risco, o melhor talvez seja que os pais (concordem ou não) deixem o filho fazer o que quiser (inclusivamente para aprender com os erros); em compensação, haverá outro grau de risco em que, acima dele, talvez se justifique que um menor seja impedido de fazer algo, mesmo que os pais concordem [entre esses dois graus, teremos a tal área em que é suposto serem os pais quem sabe o que é melhor para os filhos] - note-se que eu escrevo "talvez" (não tenho muita certeza disso).

Diga-se que este caso afasta-se do paradigma tradicional em que usualmente é discutido o triangulo direitos dos filhos - direitos/autoridade dos pais - autoridade do Estado: nos últimos 30 anos (para aí), o principal argumento do Estado para limitar a autoridade paterna tem sido "libertar" as crianças: protegê-las de abusos e castigos excessivos, dar-lhes uma educação "aberta" e "progressista" independentemente dos "preconceitos" dos pais, etc. Nessas situações é facil usar o argumento "os filhos não são propriedade dos pais, e o Estado tem do dever de os proteger"; mas neste caso o Estado está a interferir com a autoridade paterna, basicamente, porque os pais estão a deixar a filha fazer o que ela quer.

Mas regressemos à questão da viagem: será que pode representar um perigo tão grande para uma rapariga de 14 anos que justifique que, mesmo com autorização dos pais, ela seja impedida de a fazer?

No site da rapariga, está o trajecto que ela pretende(ia) fazer (indo ao site e clicando no mapa, vê-se maior):


Este trajecto difere do normalmente usado pelos circum-navegadores solitários - por regra estes fazem o trajecto do tempo dos navegadores, indo pelo Cabo da Boa Esperança e pelo Cabo Horn ou pelo Estreito de Magalhães. Pelo contrário, Laura Dekker pretendia ir pelo canal de Suez, pelo Mediterrâneo e pelo canal do Panamá, durante dois anos, o que seria uma espécie de versão "light"; diga-se que recentemente um rapaz de 17 anos (16 no inicio da viagem) completou (num ano) uma viagem de circum-navegação e indo pelo Cabo da Boa Esperança e pelo Capo Leeuwin (no sul da Austrália), o que creio ser um trajecto mais difícil e perigoso.

No entanto, apesar de ser aparentemente mais simples, a viagem de Dekker também iria passar por zonas em que não sei se seria fácil receber ajuda se algo corresse mal - embora grande parte da viagem dela fosse ao pé da costa, iria à mesma passar por zonas longe de tudo, como no meio do Atlântico, no trajecto das Canárias às Caraíbas; quanto ao trajecto do Panamá à Austrália, não faço ideia se ela iria passar ao pé daquela carrada de ilhas que há no Pacifico.

Também há a assinalar que ela iria passar pelo golfo de Adém, ao largo da Somália - por um lado, se tivesse um acidente, o que mais há por lá é barcos da marinha de guerra de todo o mundo que a poderia facilmente resgatar; por outro lado (ou pelo mesmo), é uma zona infestada de piratas, mas é possivel que eles não ligassem a um barcozinho (se nos guiássemos por alguns filmes e romances de aventuras, diríamos que uma adolescente loira no meio de piratas muçulmanos corria o risco de ser raptada e vendida para um harém, mas duvido que isso acontecesse no mundo real).

Já agora, há também o argumento dos estudos dela, que iria ficar 2 anos sem ir à escola - no entanto, ela diz que iria levar os livros durante a viagem e fazer um exame quando regressasse (e, de qualquer forma, será que ela irá conseguir prestar atenção nas aulas, estando a pensar "este era o mês em que iria estar ao largo da Índia"?). Até há quem diga (vi esse comentário num blog, não me lembro aonde) que a viagem iria ser uma excelente aula de geografia, línguas e trigonometria (neste último ponto, tenho dúvidas - acho que a trigonometria que se usa em viagens marítimas é diferente da convencional, já que estamos a falar de ângulos numa superfície curva - a terra é redonda;acho que saber fazer cálculos com angulos numa superficie curva pode ser útil para um estudante universitário num curso de geometria não-euclidiana ou para um pescador com a quarta classe a tirar um curso de patrão de costa, mas para um estudante do ensino secundário é inutil, porque aí o que se aprende é a trigonometria no plano).

Haverá algum leitor do blog que resida nos Países Baixos e que queira dizer alguma coisa sobre o assunto (estilo, qual a opinião dos locais ou coisa assim)?

No comments: