Em economia, a expressão "monopólios naturais" é usada para designar sectores de actividade em que, por terem muitos custos fixos (isto é, custos que sejam os mesmos, quer a empresa tenha muitos ou poucos clientes), é difícil haver mais que uma empresa.
Um exemplo poderá ser a distribuição de electricidade - uma empresa que tenha clientes espalhados pela cidade toda acaba por ter quase a mesma quantidade de valas, cabos, etc, quer tenha um ou dez clientes por prédio.
A expressão "monopólio" talvez não seja totalmente rigorosa, já que mesmo assim pode haver várias empresas a concorrer (mas, muitas vezes, tal acontece porque
o Estado obriga a haver concorrência "artificial") e, de qualquer forma, há sempre produtos alternativos (mesmo que só haja um distribuidor de electricidade, pode-se sempre usar equipamentos a pilhas, ou painéis solares). No entanto, à falta de melhor, vou usá-la.
O que fazer face aos "monopólios naturais"?
Paul Krugman, no seu livro "Vendendo Prosperidade", apresenta as (para ele) possíveis hipóteses:
Os monopólios naturais criam um conhecido dilema para as politicas do governo. Há três maneiras de tratar da questão desses monopólios; todas as três oferecem problemas.
Em primeiro lugar, não se pode deixar que funcionem sozinhos. Essa é a solução que os conservadores costumam preferir. O problema é que, sim, Vírginia, os monopólios não-controlados usam mesmo o seu poder para explorar os consumidores. Os conservadores costumam desconsiderar a preocupação com o poder de monopólio e considerá-lo um mito liberal*, mas ele é verdadeiro. (...)
Em segundo lugar, no outro extremo, os monopólios naturais podem ser propriedade pública. Em um mundo ideal, seriam então geridos de modo eficiente segundo os interesses públicos. Mas, em o nosso mundo não tremendamente ideal, em geral é uma boa idéia evitar criar mais burocracias públicas.
Uma solução intermédia é deixar os monopólios naturais sob a propriedade privada mas regulamentar preços e qualidade de serviços. Essa é a solução norte-americana normal. uma solução que tem os seus próprios problemas. De modo especial, pode ter efeitos adversos nos incentivos das firmas regulamentadas. Por exemplo, vamos supor que uma firma regulamentada esteja ponderando se gasta dinheiro hoje em pesquisas que podem diminuir os seus custos no futuro. Se é fortemente regulamentada, existe a possibilidade de que não se dê a esse trabalho, já que será obrigada a repassar aos consumidores o grosso das suas reduções de custos, ficando com um retorno muito pequeno sobre o investimento. Mais uma vez, em um mundo ideal, os regulamentadores deveriam estabelecer regras que impedissem os abusos dos monopólios sem distorcer demasiado os incentivos. Mas um governo tão inteligente e honesto assim poderia muito bem dirigir a empresa sozinho!
Outro problema da regulação (que Krugman, aliás, aborda noutra parte do livro) é que, na tentativa de limitar os monopólios, pode criá-los onde eles não existem - se um sector for muito regulamentado, isso pode tornar difícil a entrada de novas empresas (muitas burocracias, exigências, etc.) e depois, claro, como há poucos empresas no sector, ele tem que ser regulamentado...
Mas é outro ponto que quero abordar - acho que há uma quarta solução além destas três (mas que, por qualquer razão, nunca vi abordada entre os economistas): o controlo dos "monopólios naturais" por cooperativas de consumidores. Parece-me que esta solução terá todas as vantagens de cada uma das três anteriores sem os seus inconvenientes:
1) ao contrário da empresa privada clássica, não irá "explorar" os seus clientes (porque eles são também os proprietários)
2) ao contrário da empresa estatal, não irá criar mais burocracias públicas. Pode-se argumentar que talvez se crie uma burocracia cooperativa, mas esta será sempre menos má que a estatal, já que é mais controlada pelos clientes/eleitores (se os serviços de uma cooperativa forem maus, isso afecta a possibilidade da direcção da cooperativa ser reeleita; se um serviço público for mau, isso afecta menos a possibilidade de o governo ser reeleito, já que se mistura com mais uma carrada de factores); além disso, as empresas privadas muitas vezes também têm a sua própria burocracia (aliás,
há quem diga que a raiz da presente crise está aí)
3) Se assumirmos (ver ponto 1) que as cooperativas não irão explorar os seus próprios membros, não necessitarão de grande regulamentação, logo também não têm esse problema
Antes que alguém pense "cooperativas de consumidores? Isso raramente vai para a frente", recordo que há muitos exemplos de cooperativas-de-consumidores-sem-este-nome que funcionam nos seus ramos de actividade: sociedades recreativas, em parte os condomínios (a piscina do prédio em frente ao meu é co-propriedade dos seus utentes - os donos do prédio**) , etc.
Agora, como isso poderia ser posto em prática? Vejo três caminhos:
a) simples competição mercantil: num sector dominado por uma empresa "monopolista", os consumidores organizarem-se e, quando finalmente fossem suficientes para tal ser viável, lançarem uma nova empresa, com o fito de tomarem conta do mercado (comentário tangencial, talvez com menos a ver com isto do que parece: o Firefox já tem
38% dos leitores do Vento Sueste). Diga-se que, quase pela definição de "monopólio natural", o número de aderentes iniciais teria que ser bastante elevado.
b) o Estado nacionalizar o monopólio e concedê-lo a uma cooperativa de consumidores (em alternativa, a empresa ser pública mas gerida por uma "comissão de utentes" em vez de por burocratas nomeados; na prática, é um cenário parecido ao da cooperativa)
c) eventualmente num cenário de colapso do poder do Estado, as "cooperativas de consumidores"/"comissões de utentes" tomarem por sua própria iniciativa o controlo das empresas "monopolistas"
*recorde-se que Krugman vive nos EUA, onde a palavra "liberal" (
e por vezes também "conservador") tem um significado estranho
** não é exactamente "propriedade dos utentes", já que os "donos do prédio" e os "habitantes do prédio" não coincidem necessariamente, mas pronto...