Este post de
José Manuel Fernandes fez-me lembrar da questão "gatos e cães / esquerda e direita", já abordada
aqui. Em tempos, o anarco-capitalista Walter Block elaborou um catálogo de gostos culturais "de esquerda" e "de direita" (o Apêndice B - pgs. 38-41 - de "Libertarianism is unique; it belongs neither to the right nor the left",
pdf), onde considera que a esquerda gosta de gatos e a direita de cães, mas no fim ressalva que há quem ache que é ao contrário.
Os casos de José Manuel Fernandes,
George W. Bush,
talvez Bill Clinton,
Chris Dillow,
Paul Krugman, (
Inês Teotónio Pereira?), etc., parecem confirmar a tese, mas
T.S. Eliot,
Margaret Tatcher,
Cheri Blair,
Razib Khan,
Tyler Cowen, talvez
William B. Yeats, etc. parecem ir em sentido contrário.
À partida poderia imaginar boas razões, tanto para a esquerda como para a direita preferirem cães ou gatos, dependendo muito do que se considerar ser o essencial da divisão esquerda/direita:
Se considerarmos que a essência da direita é a defesa das hierarquias "naturais", da "lei e da ordem" e o respeito pela autoridade e pelos valores tradicionais (e a saudação feita levantando o membro anterior), e a da esquerda é o igualitarismo, o espírito contestatário e a permissividade nos costumes, então faz sentido que as pessoas de esquerda prefiram gatos e as de direita cães, já que estes últimos são muito mais respeitadores das hierarquias e da autoridade (não que haja um mecanismo do género "sou de direita, vou gostar de cães"; será mais o facto de as mesmas predisposições psicológicas que levam alguém a ser de direita a levarem também a gostar mais de cães do que de gatos).
Pelo contrário, se considerarmos que a essência da direita é a defesa do individualismo e da economia de mercado e a da esquerda o colectivismo e a intervenção do Estado, faria sentido que fossem as pessoas de direita a preferir gatos e as de esquerda cães (que têm muito mais espírito de equipa) - no entanto, alguns direitistas "gatófilos" que citei eram quase fascistas, o que põe em causa este modelo.
Se formos fazer uma análise histórica, até à II Guerra Mundial a direita seria tipicamente "canina" - tanto na versão conservadora/reaccionária, como na versão nazi/fascista, a ideia era defender uma sociedade organizada e hieraquizada (sem tatcheriches de "a sociedade não existe"), à maneira de uma matilha de lobos; já uma esquerda tipicamente "gatidia" não é tão facil de achar, já que desde o principio que a esquerda é mais ou menos colectivista - para encontrarmos uma tradição simultaneamente individualista e anti-elitista, temos que ir ao
anarquismo individualista (Proudhon, Stirner,
Lysandar Spooner) e eventualmente a certas franjas do "republicanismo radical" (como
Alain ou talvez Henry Thoureau).
Também podemos ser mais filosóficos e considerarmos que a direita caracteriza-se por acreditar que o sofrimento (e as suas consequência - dever, esforço, sacrifício, contenção dos impulsos, austeridade...) é uma constante da existência humana, enquanto a esquerda acredita na capacidade da "Razão" para nos elevar a níveis cada vez mais elevados de felicidade e bem-estar; nesse caso, talvez o habito de os canídeos caçarem por perseguição e os felinos (
penso que com apenas uma excepção) por emboscada aproxime a direita dos primeiros e a esquerda dos segundos: a "perseguição" evoca mais "esforço" e "determinação para suportar e enfrentar as dificuldades" e a "emboscada" mais "uso da Razão para aumentar o bem-estar" (mesmo que ambos os comportamentos sejam completamente instintivos, sem os canídeos necessitarem de qualquer "fibra moral" nem os felinos de "razão"); por outras palavras, o gato escondido à espera que o rato saia da toca soa muito a "facilitismo".
Mas duvido que aqui haja uma ligação directa (até porque a maior parte das pessoas ignorará as técnicas de caça das diferentes espécies de mamiferos carnivoros); no entanto, poderá haver um efeito (bastante) indirecto - o cão doméstico, programado para perseguir presas, tenderá a aproveitar o tempo livre para andar a correr de um lado para outro; já o gato doméstico, como bom "emboscador", tem momentos de energia súbita que se gastam imediatamente, logo passará grande parte do tempo a dormir, intermeado com instantes de agitação febril e imprevisivel. Assim, o cão tenderá a apelar a pessoas que se vêem a si próprias como individuos "atarefados" e "cheios de genica", enquanto o gato tenderá a apelar mais a individuos que se imaginam do tipo "artistico" e/ou "intelectual", que passam grande tempo perdidos nos seus pensamentos "à espera da inspiração". Deste forma poderemos ter uma ligação entre a preferencia por cães ou gatos, não tanto com o eixo "direita"/"esquerda", mas sobretudo com o que há umas décadas poderiamos chamar o eixo "burguês"/"boêmio"; no entanto, hoje em dia creio que há alguma correlação entre essas duas dimensões (o que explica, aliás, a atracção de alguns escritores e poetes de direita e extrema-direita por gatos - a verdadeira variável explicativa não é a ideologia mas "interesses literários", e a aparente associação "direita > cães; esquerda > gatos" é apenas um subproduto de um maior "intelectualismo" à esquerda).
Mas desconfio que, a exisitir essa associação, a verdadeira causa seja muito mais prática e prosaica: a esquerda baseia-se na classe média/média-baixa que vive em apartamentos (o habitat do gato caseiro) e na classe baixa que vive em bairros "típicos" (o habitat do gato vadio), e a direita na classe alta/média-alta que vive em vivendas e nas populações que vivem no campo (onde é mais fácil ter cães).
Uma questão final - haverá alguma coisa neste post que se aproveite?
[
post igualmente publicado no
Vias de Facto, podem
comentar lá]