Tuesday, May 15, 2007

Divórcio e Despedimento

Devido à actualidade, fui buscar este post de 23/03/2006 cá para cima:

O Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei para possibilitar o divórcio por vontade de um dos conjúgues. Há quem argumente que esta posição é contraditória com a oposição ao despedimento sem justa causa. Mas não é.

Qual é o principal problema do despedimento sem justa causa? É que o trabalhador fica sujeito, sem defesa, ao poder do empregador: se se recusar a fazer trabalho extraordinário não pago (ou a dormir com o patrão), se se sindicalizar, se escrever uma carta à administração da empresa referindo "a ignorância dos membros do C.A. acerca dos processos de trabalho", etc. corre o risco de ser despedido. Claro que se pode contra-argumentar que um patrão também corre sempre o risco do trabalhador se demitir, mas este risco é muito menor: como, por norma, um trabalhador só tem um patrão (no máximo uns dois ou três), ser despedido é, para ele, um incómodo muito maior do que é para uma empresa (se calhar com centenas de trabalhadores) um trabalhador demitir-se.

Pelo contrário, num casamento, quanto mais fácil for, legalmente, um processo de divórcio, mais fácil é alguém escapar de uma relação de poder arbitrária que eventualmente se estabeleça. Ou seja, o conteúdo social do "despedimento sem justa causa" e do "divórcio sem justa causa" é exactamente oposto: o primeiro contribui para reforçar a autoridade hierárquica, o segundo para impedir que uma "autoridade hierárquica" se estabeleça.

No fundo, é a mesma diferença que, no Aspirina B, Nuno Ramos de Almeida referiu neste comentário ao post de Valupi acerca do "direito à discriminação": "nas relações pessoais estamos todos ao mesmo nível de poder: eu posso não escolher a rapariga e a rapariga, escolher ou não me escolher a mim. Nas relações laborais ou entre Estado e cidadão, há quem tenha a faca e o queijo na mão."

10 comments:

Anonymous said...

pois claro, é preciso analisar as relações de poder e os pontos de partida de cada individuo nas diferentes situações.

no caso do divorcio estão ambos em igualdade de poder e em pontos de partida iguais.

no caso do trabalhador, alias como adam smith reconhecia, o patrão tem a faca e o queijo na mão. visto que o trabalhador está muito mais fragilizado dentro da relação.

Anonymous said...

Totalmente de acordo.

Anonymous said...

"no caso do divorcio estão ambos em igualdade de poder e em pontos de partida iguais."

Acreditam nisto realmente?

Anonymous said...

caro miguel,

veja o jornal o publico. trafico de armas, policia e neo nazis.
parece uma novela.

caro andré carvalho,

sim, caso contrario é um casamento por conveniencia ou no minimo de cariz autoritario.

Anonymous said...

E' capaz de ter razao, Andre'. Muitas vezes nao estarao em igualdade de circunstancias mas, ainda assim, na maioria dos casos, a assimetria e' muito menor do que entre trabalhador e empregador.

Devo acrescentar que este projecto de lei do BE me parece apenas mais um pouco de folclore.

Anonymous said...

...

Miguel Madeira said...

" "no caso do divorcio estão ambos em igualdade de poder e em pontos de partida iguais."

Acreditam nisto realmente?"

Mas a questão é que a facilidade de despedimento reforça a desigualdade de poder entre as partes. Pelo contrário, a facilidade de divórcio tende a reduzir a desigualdade de poder: se num casamento o poder estiver muito desiquilibrado, o divórcio funciona como ultimo recurso da parte mais fraca.

Poder-se-á argumentar que num casal em que haja uma grande diferença de rendimento entre os conjugues, o divórcio pode ser uma arma a favor da parte mais forte (estilo "se não me obedeçes, peço o divorcio e vais dormir debaixo da ponte"), mas, num casal com essas caracteristicas, a parte que ganha menos já está, de qualquer forma, num estado de submissão potencial: afinal, mesmo sem ameaçar com o divórcio, a parte "rica" já tem o poder todo na mão, já que tende a ser ele/ela que controla as finanças do casal e, portanto, quase todos os seus actos.

Miguel Madeira said...

"Devo acrescentar que este projecto de lei do BE me parece apenas mais um pouco de folclore"

Bem, realmente, os casos de casamentos em que um quer se divorciar e o outro não lhe dá o divórcio se calhar existem mais nos romances e telenovelas do que na vida real.

timshel said...

embora discorde de muito mais do que isto gostava apenas de sublinhar que nenhum argumento ou sofisma aqui apresentados demonstra que o divórcio unilateral favorece a parte mais fraca

exemplos:

"Poder-se-á argumentar que num casal em que haja uma grande diferença de rendimento entre os conjugues, o divórcio pode ser uma arma a favor da parte mais forte (estilo "se não me obedeçes, peço o divorcio e vais dormir debaixo da ponte"), mas, num casal com essas caracteristicas, a parte que ganha menos já está, de qualquer forma, num estado de submissão potencial: afinal, mesmo sem ameaçar com o divórcio, a parte "rica" já tem o poder todo na mão, já que tende a ser ele/ela que controla as finanças do casal e, portanto, quase todos os seus actos."

é exactamente ao contrário: num casamento deste tipo, um divórcio unilateral equivale ao poder total da parte mais forte (como em todos os casos em que deixe de existir regulamentação que limite normativamente o poder dos mais fortes que são suficientemente egoístas para quererem exercer o seu poder de forma absoluta)

outro exemplo

dizes no post que

"num casamento, quanto mais fácil for, legalmente, um processo de divórcio, mais fácil é alguém escapar de uma relação de poder arbitrária que eventualmente se estabeleça. Ou seja, o conteúdo social do "despedimento sem justa causa" e do "divórcio sem justa causa" é exactamente oposto: o primeiro contribui para reforçar a autoridade hierárquica, o segundo para impedir que uma "autoridade hierárquica" se estabeleça."

ora é exactamente ao contrário: nos moldes actuais se alguém quiser abusar do seu poder, a parte mais fraca pode alegar violações dos deveres conjugais da outra parte e obter uma indemnização adequada; na proposta de lei a parte mais fraca fica sem qualquer protecção legal

Anonymous said...

mas a questão é que se nessa relação existe uma parte com poder e outra não, sendo assim, é preferivel o termino dessa relação.

ninguem defendeu a proteção da parte mais fraca, simplesmente se defendeu a abolição desse tipo de relação.