Monday, May 14, 2007

"Ladrões de bicicletas", desigualdade, etc.

Em resposta a um artigo nos Ladrões de bicicletas, aonde se argumentava que "[m]as não foi só como um dos grandes construtores da social-democracia europeia que [Gunnar Myrdal] ganhou o seu lugar na história do pensamento económico. Através do seu «Teoria Económica e as Regiões Subdesenvolvidas», dedicou-se à Economia do Desenvolvimento. Podem-se tirar três grandes conclusões deste trabalho: 1- sem políticas públicas activas a desigualdade tende a crescer, quer dentro dos países, quer entre estes; 2- é uma maior igualdade na distribuição do rendimento, e não o contrário, o grande alicerce do crescimento económico; 3- a intervenção do Estado é decisiva no lançamento do desenvolvimento dos países mais pobres ao desencadear um ciclo cumulativo virtuoso de crescimento", BrainstormZ, no Insurgente, coloca as seguintes questões:

  1. Será preferível um país com menor desigualdade e baixo crescimento económico a outro com maior desigualdade mas superior crescimento?
  2. “Maior igualdade na distribuição do rendimento é o grande alicerce do crescimento económico”??? Mas então como explicar o falhanço, em vários países, do mais igualitário sistema político? E porque os EUA apresentam, há décadas, taxas de crescimento do rendimento per capita superiores à relativamente mais igualitária Suécia, terra-natal de Myrdal?
  3. Se a intervenção do Estado resulta em “virtuoso crescimento” como explicar o comum fenómeno dos “elefantes brancos”?
Não sei se os "ladrões" (um deles foi quase meu colega de faculdade) responderam, mas eu vou também responder ao ponto 2.

A respeito do falhanço do "mais igualitário sistema político" - na verdade os regimes comunistas tinham uma desigualdade, a nível de rendimentos, bastante elevado: por exemplo, segundo um artigo publicado em Junho de 1984 no Journal of Comparative Economics ("Income distribution in East European and Western Countries", de Christian Morrison), a desigualdade na URSS era um pouco menor que nos EUA, quase igual à do Canadá e muito superior à da Suécia e da Grã-Bretanha (já a Checoslováquia era mais igualitária que esses todos). E já antes (por exemplo, nas criticas de Cornelius Castoriadis a Charles Betelheim) que era um dado assente a existência de grandes desigualdades na URSS (que os porta-vozes de Moscovo no Ocidente normalmente justificavam com a "escassez original de pessoal qualificado") .
Quanto ao crescimento superior dos EUA face à Suécia, efectivamente esta cresceu menos meio ponto percentual ao ano no periodo em questão (já agora, o BZ não podia ter arranjado um gráfico logo com as taxas de crescimento para eu não ter que estar a fazer contas?!) . Mas por outro lado, no periodo de de 1950 a 1989 a Suécia teve um crescimento económico superior ao dos EUA (como a fonte é diferente, é de esperar algumas diferenças face aos dados de BZ) . Alêm disso, o periodo de maior crescimento nos EUA foram os 30 anos a seguir à II Guerra Mundial, provavelmente um dos periodos em que as politicas de tipo social-democrata foram mais activas.
Em alternativa, a comparação entre os EUA e a América Latina pode ser elucidativa, tanto para comprovar como para rejeitar parte dos argumentos de Myrdall.
Os EUA, mais igualitários que a América Latina, tem, nos ultimos séculos, tido um desempenho económico claramente superior - e, dentro dos EUA, a Nova Iglaterra "igualitária" sempre foi mais próspera que o Sul "aristocrático". No século XIX tal foi notado por Lysander Spooner (que, se ressucitasse, voltaria a morrer se soubesse que estava a ser usado para defender Myrdall) que (em "Poverty: its Illegal Causes and Legal Cure") argumentou que as sociedades em que a riqueza está mais distribuida tendem a crescer mais, já que as inovações técnicas tendiam a ser obra da classe média (segundo ele, os pobres não tinham meios - dinheiro, tempo, instrução, etc. - para tal e os ricos não ligavam a isso); alterando um pouco a tese de Spooner, arrisco-me a dizer que a capacidade inventiva do individuo é, entre outras coisas, função da sua instrução, e que, por sua vez, a sua instrução é uma função positiva mas decrescente do rendimento (i.e., quanto mais "rico"/menso "pobre" alguêm é, mais instrução tende a adquirir, mas a relação é menos que proporcional) , o que dá mais ou menos o mesmo resultado.
Mas, se confirma a 2º tese de Myrdall, o caso da América Latina pode desmentir a primeira: nomeadamente parece ser um indicador que as desigualdades extremas são o resultado, não tanto da omissão do Estado no combate a essas desigualdades, mas sim da acção do Estado para as criar. Afinal, a grande diferença na origem das formações sociais das Américas do Norte e do Sul é que na primeira a colonização foi feita quase pela "iniciativa privada", i.e., um grupo de familias chegava a um sitio, cada qual desbravava o seu pedaço de terreno e construia a sua casa, dando assim origem uma sociedade de pequenos agricultores. Pelo contrário, na América do Sul a colonização foi feita pelo método de os vice-reis (ou mesmo os reis lá do outro lado do oceono), concederem dominios a encomienderos ou a capitães-donatários, que por sua vez faziam outras doações de terras, gerando assim uma espécie de réplica transatlantica do feudalismo europeu.

1 comment:

Anonymous said...

Excelente post, excelente intuição!

Saboteur
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