Tuesday, May 29, 2007

Re: Imposto único, subsidio único

Depois da "flat tax", temos a "fair tax": Luis Aguiar-Conraria sugere que se acabe com todos os impostos menos o IVA e se atribua um subsidio a todas as famílias (ele dá o exemplo de uma taxa de 35% e um subsidio de 250 euros por mês a cada familiar). Com base num estudo[pdf] da economista Isabel Correia (versão simplificada - também em pdf - aqui), argumenta que esse imposto seria mais eficiente e mais equitativo que o sistema actual.

Primeiro, a questão da eficiência: se percebi bem o texto (a versão simplificada) de Isabel Correia, a ideia é que um imposto sobre o consumo é mais eficiente que um imposto sobre o rendimento porque, enquanto que um imposto sobre o rendimento só se aplica sobre o rendimento, o imposto sobre o consumo acaba por se aplicar, tanto sobre o rendimento como sobre a poupança que os agentes acumularam antes da implementação do imposto (já que, cedo ou tarde, tudo acaba por ser consumido). Assim, esse imposto será menos distorcedor que o imposto sobre o rendimento, já que um dos item que acabará por ser sujeito ao imposto (a poupança actual) já foi realizado, logo os agentes já não podem alterar a suas decisões neste aspecto.

Em primeiro lugar, se percebi bem o argumento de IC e LA-C, desconfio que Migas deu um grande tiro ao lado quando falou, a respeito da proposta, em "alterações nos impostos que tendam a recuar na progressividade cega, a incidir no consumo e a favorecer o investimento"; afinal, um dos motivos (o central?) para tornar o IVA o único imposto é mesmo cobrar impostos sobre a poupança já acumulada...

Em segundo lugar, dá-me a impressão que essa vantagem do IVA face ao imposto sobre o rendimento tenderia a reduzir-se a zero com o tempo; afinal, vendo isto num prazo de décadas, o peso da poupança acumulada antes da implementação do sistema tenderá a ser residual.

Em terceiro lugar, creio que o que LA-C escreve acerca da taxa plana também se poderá aplicar a este imposto: "não é óbvio qual o efeito líquido sobre os incentivos ao trabalho: quem ganha pouco pode ficar a pagar uma taxa marginal de IRS maior, quem ganha muito paga uma taxa marginal menor"; da mesma forma, quem ganha pouco pode passar a pagar uma taxa de IVA maior do que a conjugação actual da taxa de IVA com a taxa marginal de IRS.

Vamos lá fazer um pequeno exercício para ver quais deveriam ser as novas taxas de IVA: indo ao Orçamento de Estado para 2007 [pdf], temos que está previsto que IVA gere uma receita de 13.190 milhões de euros, sendo o total da receita fiscal de 34.557 milhões de euros; assim, à partida, para obter o mesmo nível de receita, teríamos de aumentar a taxa de IVA de 21% para 55%. Mas não acaba aqui - ainda falta o subsidio.

Vamos supôr que queremos que uma família com um rendimento bruto de 800 euros/mês (p.ex., ambos os conjugues ganham 400 euros) e que consuma 90% do seu rendimento só pague 125 euros de imposto (isto é, o que pagaria hoje de IVA): com uma taxa de IVA de 55%, teriam que receber um subsidio de 317 euros mensais (assumindo uma família de 4 pessoas, poderíamos ter um subsidio per capita de 79 euros) - só que isso representaria menos 9.480 milhões de euros de receita. Fazendo umas contas, parece-me que o equilíbrio seria atingindo com uma taxa de IVA de 72% e um subsidio de 87 euros mensais per capita.

Ora, uma taxa de IVA de 72% (que implica uma taxa real de 42%) provavelmente terá efeitos distorcedores maiores que as taxas marginais de IRS a que muita gente está sujeita.

Quanto à questão da equidade e sobre se o IVA incide mais sobre os pobres do que sobre os ricos, ou seja, se proporcionalmente os pobres gastam mais que os ricos; sinceramente, não sei - no entanto, gostaria de saber se a demonstração de Friedman que "o consumo é proporcional ao rendimento permanente" foi a nível de verificação empírica ou apenas a nível de raciocínio teórico; se há efectivamente estudos que comprovam que a taxa de poupança é igual para "ricos" e "pobres", pronto, "deito a toalha ao chão"; mas, se foi apenas a nível de raciocínio lógico, bem, um raciocínio que entra em contradição com o que parece ser a observação da maior parte das pessoas pode estar errado (p.ex., pode partir de pressupostos errados).

Só para dar um exemplo de um possível erro que poderá haver no raciocínio de Friedman - penso que toda a tese dele (a do "rendimento do ciclo de vida") assenta na ideia que as pessoas poupam para gastarem na velhice; mas, e se muita gente acumular riqueza, não para gastar na velhice, mas por um desejo de poder e status, e o "poder e status" funcionarem como bens que a procura aumenta com o rendimento? Nesse caso, fará logicamente sentido que quem tenha mais rendimentos poupe mais.

1 comment:

Anonymous said...

Excelent post.

JV