Thursday, May 31, 2007

Uma questão para o João Miranda

O João Miranda acha que o seguinte contrato deve ser válido (quero dizer, se as partes assinarem este contrato, o Estado deve garantir o seu cumprimento)?

1 - Nos próximos 70 anos, André compromete-se a prestar serviços, 24 horas por dia, a Carlos

2 - Anualmente, Carlos fixará o valor do rendimento mensal de André e o numero de horas de descanso a que este terá direito

3 - Carlos terá o direito de dar chibatadas a André se assim o entender

4 - Caso André rescinda este contrato antes do prazo estipulado, deverá pagar um indemnização de valor equivalente a 70 Kgs de ouro

5 - Em caso de morte de André antes do fim do prazo, este contrato extingue-se

6 - Carlos poderá transferir, por venda, herança, doação ou como lhe aprouver, os direitos que lhe cabem neste contrato

(já agora, a cotação actual do ouro)

Eu penso que a resposta será "sim", mas é só para ter a certeza...

Claro, a questão é extensível a quem quiser responder (p.ex, a outros Blasfemos, Insurgentes, Causas Liberais, etc.)

Re: ganhos de curto prazo

João Miranda escreve "É evidente que as greves podem dar ganhos de curto prazo, mas também debilitam as empresas impedidindo-as de atrair e/ou de acumular capital. O que a médio prazo implica despedimentos e salários mais baixos que aqueles que poderiam ser pagos se não se fizessem greves".

Ou seja, JM argumenta que, quando um sindicato consegue salários mais altos no presente, acaba por debilitar a empresa e fazer com que os salários sejam mais baixos no futuro. Talvez, mas de qualquer maneira, os trabalhadores podem investir o acréscimo salarial que obtiveram agora (se os trabalhadores tiveram fortes preconceitos anticapitalistas, em vez de investirem em acções ou fundos, podem simplesmente amortizar as suas dívidas, p.ex., empréstimos para habitação), o que, a médio prazo vai gerar rendimentos adicionais (ou poupanças adicionais, no caso dos juros da dívida) que, possivelmente, mais que compensarão os salários serem mais baixos.

Sobre a greve de ontem

Alguns leitores devem estar a pensar - afinal, o blogue estava em greve mas escreveu um post?

É que o post "The Ethics of Labour Struggle" foi ele próprio uma forma de greve, exactamente do tipo de greve não-convencional que Kevin Carson defende no texto referido - mais exactamente, foi uma greve com ocupação, em que os trabalhadores do blogue (bem, o trabalhador) assumiram o controle do local de trabalho à revelia do patrão e aproveitaram para o porem ao seu serviço (mais exactamente, para divulgarem textos em defesa da sua causa); no entanto, como a situação ainda não está madura para a revolução, essa ocupação foi apenas simbólica, tendo, depois da publicação dos textos, as instalações sido abandonadas, entrando-se na greve passiva clássica.

Wednesday, May 30, 2007

The Ethics of Labour Struggle

As leitura dos posts d'O Insurgente e do Blasfémias sobre a greve geral de hoje lembrou-me de postar este artigo de Kevin Carson, que, entre outras coisas, aborda a atitude dos libertarians norte-americanos face aos sindicatos.

É verdade que não se pode fazer uma analogia automática com a situação portuguesa: a lei laboral norte-americana é muito mais restritiva das liberdades sindicais que a portuguesa; os liberais portugueses são mais moderados que os libertarians norte-americanos; e, enquanto o Kevin Carson se considera libertarian, eu não tenho nada de liberal (apesar dos testes).

Adenda: e também este outro artigo.

Tuesday, May 29, 2007

Re: Imposto único, subsidio único

Depois da "flat tax", temos a "fair tax": Luis Aguiar-Conraria sugere que se acabe com todos os impostos menos o IVA e se atribua um subsidio a todas as famílias (ele dá o exemplo de uma taxa de 35% e um subsidio de 250 euros por mês a cada familiar). Com base num estudo[pdf] da economista Isabel Correia (versão simplificada - também em pdf - aqui), argumenta que esse imposto seria mais eficiente e mais equitativo que o sistema actual.

Primeiro, a questão da eficiência: se percebi bem o texto (a versão simplificada) de Isabel Correia, a ideia é que um imposto sobre o consumo é mais eficiente que um imposto sobre o rendimento porque, enquanto que um imposto sobre o rendimento só se aplica sobre o rendimento, o imposto sobre o consumo acaba por se aplicar, tanto sobre o rendimento como sobre a poupança que os agentes acumularam antes da implementação do imposto (já que, cedo ou tarde, tudo acaba por ser consumido). Assim, esse imposto será menos distorcedor que o imposto sobre o rendimento, já que um dos item que acabará por ser sujeito ao imposto (a poupança actual) já foi realizado, logo os agentes já não podem alterar a suas decisões neste aspecto.

Em primeiro lugar, se percebi bem o argumento de IC e LA-C, desconfio que Migas deu um grande tiro ao lado quando falou, a respeito da proposta, em "alterações nos impostos que tendam a recuar na progressividade cega, a incidir no consumo e a favorecer o investimento"; afinal, um dos motivos (o central?) para tornar o IVA o único imposto é mesmo cobrar impostos sobre a poupança já acumulada...

Em segundo lugar, dá-me a impressão que essa vantagem do IVA face ao imposto sobre o rendimento tenderia a reduzir-se a zero com o tempo; afinal, vendo isto num prazo de décadas, o peso da poupança acumulada antes da implementação do sistema tenderá a ser residual.

Em terceiro lugar, creio que o que LA-C escreve acerca da taxa plana também se poderá aplicar a este imposto: "não é óbvio qual o efeito líquido sobre os incentivos ao trabalho: quem ganha pouco pode ficar a pagar uma taxa marginal de IRS maior, quem ganha muito paga uma taxa marginal menor"; da mesma forma, quem ganha pouco pode passar a pagar uma taxa de IVA maior do que a conjugação actual da taxa de IVA com a taxa marginal de IRS.

Vamos lá fazer um pequeno exercício para ver quais deveriam ser as novas taxas de IVA: indo ao Orçamento de Estado para 2007 [pdf], temos que está previsto que IVA gere uma receita de 13.190 milhões de euros, sendo o total da receita fiscal de 34.557 milhões de euros; assim, à partida, para obter o mesmo nível de receita, teríamos de aumentar a taxa de IVA de 21% para 55%. Mas não acaba aqui - ainda falta o subsidio.

Vamos supôr que queremos que uma família com um rendimento bruto de 800 euros/mês (p.ex., ambos os conjugues ganham 400 euros) e que consuma 90% do seu rendimento só pague 125 euros de imposto (isto é, o que pagaria hoje de IVA): com uma taxa de IVA de 55%, teriam que receber um subsidio de 317 euros mensais (assumindo uma família de 4 pessoas, poderíamos ter um subsidio per capita de 79 euros) - só que isso representaria menos 9.480 milhões de euros de receita. Fazendo umas contas, parece-me que o equilíbrio seria atingindo com uma taxa de IVA de 72% e um subsidio de 87 euros mensais per capita.

Ora, uma taxa de IVA de 72% (que implica uma taxa real de 42%) provavelmente terá efeitos distorcedores maiores que as taxas marginais de IRS a que muita gente está sujeita.

Quanto à questão da equidade e sobre se o IVA incide mais sobre os pobres do que sobre os ricos, ou seja, se proporcionalmente os pobres gastam mais que os ricos; sinceramente, não sei - no entanto, gostaria de saber se a demonstração de Friedman que "o consumo é proporcional ao rendimento permanente" foi a nível de verificação empírica ou apenas a nível de raciocínio teórico; se há efectivamente estudos que comprovam que a taxa de poupança é igual para "ricos" e "pobres", pronto, "deito a toalha ao chão"; mas, se foi apenas a nível de raciocínio lógico, bem, um raciocínio que entra em contradição com o que parece ser a observação da maior parte das pessoas pode estar errado (p.ex., pode partir de pressupostos errados).

Só para dar um exemplo de um possível erro que poderá haver no raciocínio de Friedman - penso que toda a tese dele (a do "rendimento do ciclo de vida") assenta na ideia que as pessoas poupam para gastarem na velhice; mas, e se muita gente acumular riqueza, não para gastar na velhice, mas por um desejo de poder e status, e o "poder e status" funcionarem como bens que a procura aumenta com o rendimento? Nesse caso, fará logicamente sentido que quem tenha mais rendimentos poupe mais.

Sunday, May 27, 2007

Adenda ao post anterior

No seu artigo do Sol de 26/05/2007, José António Saraiva escreveu qualquer coisa como "Convidamos João Martins Pereira (representando uma esquerda "libertária"), Eduardo Prado Coelho (esquerda tradicional), Manuel António Saraiva (esquerda não alinhada), Manuel de Lucena (direita muito moderada) e José Miguel Júdice (de direita assumida, o que à época era considerado como quase extrema-direita)".

Friday, May 25, 2007

"Liberais" e "Libertários"

Tiago Mendes, no blogue da Atlantico, critica a tradução que António Amaral deu ao "Libertarian Purity Test" ("Teste de pureza liberal"), aparentemente discordando da tradução de "libertarian" para "liberal" em vez de "libertário".

Acho que a tradução do AA é a mais correcta - olhe-se para quem, em Portugal, utiliza a designação de "libertário": aqui (estou sou eu!), aqui, aqui, aqui, aqui, etc. Ou faça-se uma busca no Google; e o Vitorino estaria a pensar na Ayn Rand quando escreveu esta música? E as pessoas que tem "Libertário" (ou "Libertária") como nome próprio? Pelos menos em Portimão, esse nome ocorre sobretudo em pessoas (já na casa dos 70) nascidas e criadas em bairros operários aonde o Libertarian Purity Test não daria grandes pontuações (é claro que um nome não diz nada sobre as ideias de uma pessoa, mas diz sobre as dos seus pais)...

O facto é que em Portugal (e penso que na generalidade da Europa continental) "libertário" é uma palavra só utilizada à esquerda - numa versão estrita, é sinónima de anarco-sindicalista; numa versão lata, significa um defensor das liberdades civis, tolerante em matéria de "costumes" e critico da autoridade (não necessariamente apenas da do Estado - também das autoridades privadas, na família, escola, local de trabalho, etc.).

Comparando as posições típicas de libertários (versão lata, mas também se aplica à estrita) e liberais (no sentido europeu de cada palavra), temos:

LibertáriosLiberais
Liberdades civisA favorA favor
Liberalismo económicoÀ partida, nem a favor nem contra; a maior parte são contraA favor
Autoritarismo privadoContraÀ partida, nem a favor nem contra; muitos são a favor

Claro que isto levanta problemas na tradução do inglês - nomeadamente porque os "liberals" se calhar até serão mais "libertários" (versão lata) que "liberais" e os "libertarians" serão mais "liberais" que "libertários".

[Diga-se que não é a primeira vez que tenho esta conversa com pessoas que estudaram em Inglaterra]




Pergunta do meu sobrinho de 6 anos

"Se a Marta tem um filho, ela casou-se com quem?".

[a Marta é a sobrinha-neta - ou sobrinha-bisneta, não sei bem - do Cinza e da Kika]

Thursday, May 24, 2007

Acerca da "pirataria informática"

Segundo a Associação Portuguesa de Software (Assoft), "a contrafacção de produtos informáticos, software e hardware, atingiu no ano passado os 53 por cento" e "[o]s prejuízos associados a esta percentagem correspondem a 112 milhões de euros".

Bem, em primeiro lugar eu não sei se a palavra "contrafacção" será correcta - penso que o seu significado é de "falsificação". Ora, que eu saiba, o software distribuído ilegalmente não é "falso".

A respeito da pirataria de hardware nem sei bem a que isso se refere (imagino que seja comercializar hardware no mercado negro), pelo que me vou referir apenas à pirataria de software.

Em primeiro lugar, a conversa dos "prejuízos de 112 milhões de euros" - ora (a menos que as empresas de software tenham efectivamente prejuízo contabilístico) não há aqui prejuízo nenhum: as empresas não perderam esse dinheiro, deixaram de ganhar esse dinheiro, o que é diferente. E, mesmo assim, será que deixaram de ganhar esse dinheiro? Imagino que o cálculo seja feito multiplicando o número estimado de "aplicações pirata" a circular pelo seu valor comercial, mas assumir que as empresas deixaram de ganhar esse dinheiro é um erro: não sabemos se todas as pessoas que usam essas aplicações à borla as iriam usar se tivessem que pagar por elas (provavelmente, o dinheiro que as empresas deixaram de ganhar foi inferior).

Além disso, temos que ver que, quando se fala nesses prejuízos, não estamos a falar de dinheiro que se tenha evaporado: o dinheiro que as empresas deixaram de ganhar foi dinheiro que os consumidores deixaram de gastar (a noticia podia dizer
"Os dados mostram que em Portugal a contrafacção de produtos informáticos, software e hardware, atingiu no ano passado os 53 por cento. As pupanças associadas a esta percentagem correspondem a 112 milhões de euros."). Aliás (pelo menos numa óptica de curto prazo), os benefícios para os utilizadores são maiores que os malefícios para os vendedores:

Imagine-se uma empresa que vende uma aplicação informática por 100 euros a unidade; do lado dos consumidores, o Manuel estaria disposto a pagar 150 euros por essa aplicação, a Leopoldina 100 e o Hermenegildo 70. Ora, se estes três consumidores recorrerem à pirataria, a empresa vai deixar de ganhar 200 euros (já que o Manuel e a Leopoldina assim, já não vão ser clientes; o Hermenegildo nunca seria de qualquer maneira); do lado dos consumidores temos um beneficio de 270 euros - o Manuel e a Leopoldina deixam de gastar 100 euros cada um, e o Hermenegildo consegue (sem pagar nada) uma aplicação (que não teria de outra maneira) que ele considera ter um valor equivalente a 70 euros.

Pode-se argumentar que este "lucro social liquido" de 70 euros (100 euros que o Manuel poupa + 100 euros que a Leopoldina poupa + os 70 euros que, para o Hermenegildo, vale a aplicação que "pirateou" - 200 euros que a empresa deixa de ganhar) só é valido para o curto prazo - a longo prazo, há prejuízos resultantes de menos incentivo para desenvolver software. Talvez, mas eu também tenho direito a fazer contas simplistas, não é só a Assoft...

Finalmente, a respeito dos impostos que o Estado deixará de receber, repito o que li noutro blogue (não me lembro qual) - se as pessoas deixam de gastar dinheiro a comprar aplicações informáticas, vão gastar esse dinheiro noutra coisa qualquer, logo vão à mesma pagar IVA (e o fornecedor dessa outra coisa qualquer vai à mesma pagar impostos directos).

Wednesday, May 23, 2007

As minhas aventuras com o Club Midas Prestige

Hoje, a SIC terminou a sua emissão transmitindo, por ordem da ERC, uma nota de resposta do "Club Midas Prestige", repudiando umas noticias que a SIC transmitiu sobre essa empresa há 2 anos.

Assim, aproveito para narrar o meu relacionamento com essa entidade (que, no essencial, condiz com a noticia de SIC - eu lembro-me bem dessa noticia, ainda que tenha sido há 2 anos: quando a vi, telefonei para várias de pessoas, dizendo "É aquela empresa daquela história que contei!").

A 15 de Maio de 2001 estava em Lisboa e fui abordado no Rossio por um indivíduo que me fez um pequeno inquérito (nome, profissão, etc.). Após tal, ele disse que trabalhava para os cartões “Midas”, e que queriam conhecer a minha opinião sobre o produto, pelo que teriam que me fazer uma pequena exposição sobre ele. Concordei (embora já imaginasse que era para me tentar vender qualquer coisa), de forma que fui levado a uma sala situada num 1º andar, ao que me parece, por cima da “Casa das Sandes” (a porta era mesmo ao lado da “Casa das Sandes”, do lado do Rossio).

Lá, fui submetido a quase 2 horas de conversa sobre o cartão “Midas” e a “Metropolis – Serviços e Comercialização de Cartões de Turismo, Lda.”, a empresa que emitiria tal cartão (fique também a saber a vida familiar da rapariga que me atendeu - que a família estava em Cabo Verde quando da descolonização, que o avô tinha ficado cego, etc.). Aparentemente, quem subscrevesse esse cartão teria direito a descontos em várias lojas, clínicas (incluindo a Clínica da Rocha, em Portimão), agências de viagens, etc. (foi-me mostrada uma lista das empresas aderentes ao cartão “Midas”).

Também havia uns anúncios gravados em vídeo com o Jorge Gabriel (embora tenha ficado com a ideia que em nenhum momento do vídeo o Jorge Gabriel falava no "cartão Midas").

O “cartão” teria 2 tipos de sócios: os sócios “Midas Prestige”, que são os que subscrevem nesse preciso momento, pagando 180 contos, os sócios “Midas”, que são os que subscrevem mais tarde, pagando 260 contos.

Eu (embora sabendo perfeitamente que a regra é sempre essa nessas coisas) pus-me a questionar porque é que, se não aceitasse já, teria que pagar mais 80 contos, ao que a rapariga me respondia com argumentos do género "Para encomendar as estadias nos hotéis temos que saber logo quantos sócios teremos, por isso, quem se inscrever logo paga menos"; e eu, como achava que tal argumento não tinha jeito (afinal, não é por alguém se inscrever logo que sabem, à partida, se essa pessoa vai querer fazer alguma viagem e quando...), continuei a insistir. finalmente, a rapariga cansou-se e chamou o chefe.

Ele lá repetiu a mesma conversa, mas já com alguma agressividade, inclusivamente dizendo "Aparecem aqui tantas pessoas que aceitam tornar-se sócias e outras tantas que não aceitam! Com quais é que eu tenho que me preocupar?" (eu pensei que ele, como "comercial", deveria se preocupar era com as pessoas que não querem comprar o seu produto - não me lembro se lhe disse), até que lá desistiu de me tentar tornar um sócio prestige, e lá me deu, pelo meu tempo, um talãozinho que dava 10 contos de descontos em viagens; perguntou-me qualquer coisa como "portanto vai pensar, e se se decidir vem cá para se tornar sócio?", ao que eu respondi "Vou pensar, e se me quiser tornar sócio, ponho-me a rondar o edifício, para me voltarem a abordar e assim conseguir ser sócio só pelos 180 contos" (resposta dele "Deve pensar que nós somos estúpidos! Ponha-se já a andar daqui para fora!").

Assim vejo-me na posse de um vale (ainda o tenho algures) que daria direito a um desconto de 10 contos em viagens de mais de 120 contos na agência “Euragno”. Primeiro pensei “Não foi uma perda total – sempre ganhei 10 contos”, mas depois reparei numa passagem do vale que dizia “Agência exclusiva dos sócios Metropolis” (ainda que, no mesmo vale, mais abaixo, estivesse escrito “Metrópoles”, ou seja, a empresa usava duas ortografias distintas).

No dia a seguir (eu tinha umas provas para uma coisa qualquer no sábado e tinha estado em Lisboa em formação, logo tinha a Sexta-feira livre), decido ir esclarecer se tinha ou não direito ao desconto.

Desloquei-me à sede da empresa, indicada no vale – “Av dos Combatentes, Edificio Green Park, 43/43A-11A”. No Edificio Green Park, primeiro informaram-me que a “Metropolis” funcionava no 11º andar, no gabinete “D” (e não no “A”). Embora no “D” estivesse o nome de um banco, foi-me dito que a “Metropolis” também funcionava lá, mas que, por qualquer razão, tinham tirada as placas com o nome da parede (disseram-me também, que se não houvesse ninguém no “D”, para ir ao “B”, que “era a mesma coisa”). O “D” estava sem ninguém e no “B” foi-me dito que nada tinham a ver com a “Metropolis”, que antes funcionava ali mas que agora trabalhava na Almirante Reis.

Falei com outras pessoas no edifício que me disseram achar isso estranho, que tinham certeza que aquelas empresas (a do “B” e a do “D”) tinham o mesmo dono. Eu perguntei-lhes "Mas isso é uma empresa normal, ou é uma empresa esquisita?", ao que me foi respondido "É uma empresa esquisita - eu ainda não percebi o que essa empresa faz; acho que o dono é o dr. G..." [o "dr. G..." é um construtor civil que já esteve preso e que, uns meses antes, havia tentado candidatar-se à direcção de um clube de futebol, tendo a candidatura sido rejeitado por ter apresentado assinaturas falsificadas].

Depois, telefonei à Clínica da Rocha (que, como disse, estava na tal lista de empresas que dariam descontos com o “cartão Midas”) e foi-me dito que nunca tinham ouvido falar na “Metropolis” nem no “cartão Midas” (tinham era acordos com a Companhia de Seguros Metrópole e com o cartão Médis).

Telefonei à IGAE para saber o que fazer caso suspeitasse de uma fraude a decorrer e responderam-me para tentar "carrear provas" e escrever-lhes, assinando ou não. Fiz isso (sem assinar) mas não sei se me ligaram alguma coisa (este post foi escrito com a carta ao lado).

Note-se que este post é puramente informativo, com vista a informar os leitores do que fiz a 15, 16 e 17 de Maio de 2001 - não pretendo fazer qualquer acusação (do foro criminal ou ético) a ninguém...

Mais uma questão para o outro lado da barricada

Os liberais (p.ex., estes ou estes) que defendem a liberalização dos contratos de trabalho o que acham que deve acontecer aos contratos assinados no ambito das leis actuais (se ocorresse essa liberalização)?

Nomeadamente, acham que só deverá ser possível despedir um trabalhador (contratado na vigência da legislação actual), de acordo com os critérios definidos na legislação actual ("direitos adquiridos"), só se aplicando a liberalização dos contratos para quem seja contratado daí para a frente? Ou acham que, por omissão, o empregador deve passar a poder despedir um trabalhador de acordo com as novas regras (a menos que o empregado e o empregador negociem de outra maneira)?

A marca "casamento"


Bem, qual é a função de uma "marca", ou de um "certificado de origem"? É garantir aos consumidores que eles estão a comprar o que julgam que estão a comprar. Assim, vender vinho de Lagoa como sendo "Vinho do Porto" é uma fraude, já que se está a enganar o cliente.

Ora, esta lógica das "marcas" não faz sentido para o casamento - se duas pessoas (ou 37, tanto faz) contraírem entre si uma união contratual com cláusulas não convencionais e a chamarem de "casamento", quem é que está a ser defraudado? Afinal, em principio todos os signatários do contrato sabem que as cláusulas que lá estão não são as normais (p.ex., de certeza que os participantes num casamento entre homossexuais sabem que estão a participar num casamento entre homossexuais*). Admito que talvez se pudesse considerar "fraude" se A prometer a B que se casa com ele/ela e depois apresentar-lhe um "contrato de casamento" com cláusulas completamente diferentes do que B entende por "casamento", mas aí a fraude não estaria no contrato mas na promessa (que, de qualquer forma, penso que não tem valor jurídico).

Já agora, é curioso que JM ache que qualquer um tem o direito de chamar "planeta" a um tipo de couve amarelada, mas não que as partes possam chamar "casamento" a qualquer contrato que estipulem entre si.

*E, se não souberem, a "fraude" não estará no contrato de casamento em sim, mas nos antecedentes

Sunday, May 20, 2007

A sharia tem costas largas

Qual é a lógica de, num artigo do Expresso sobre a "sharia" (a lei islâmica), tanto a fotografia como a peça sobre o Iraque são sobre Dua Khalil Aswad, a rapariga yazidi morta à pedrada pela familia e vizinhos por ter fugido de casa para se casar por um muçulmano?

Sim, eu sei que se uma rapariga muçulmana do zona fugisse de casa para casar com um yazidi (ou mesmo com um muçulmano não aprovado pela família) teria quase de certeza o mesmo destino, mas, mesmo assim, o exemplo parece-me pessimamente escolhido.

Thursday, May 17, 2007

Sobre o anarquismo de esquerda

[esta discussão já é um clássico]

Guilherme Roesler, do blogue brasileiro Ação Humana, escreve: "Como o próprio Rothbard diz, contra o anarquismo de esquerda: como é possivel que tudo se torne um coletivo sem que este coletivo mesmo não termine como um grande e opressor Estado, maior ainda do que aquele que tanto os anarquistas abominam? Essa questão os anarquistas da esquerda não souberam responder. E seria mesmo impossível que dessem".

Para começar, esclareço desde já que não sou anarquista (nem deixo de ser) - gosto de muitos aspectos do anarquismo, mas também de alguns do marxismo "anti-burocrático" (comunismo de conselhos, deleonismo, trotskismo, etc.), e, às vezes, até da social-democracia ou mesmo de certas variantes do liberalismo, como o georgismo ou o agorismo (pelos vistos, já ganhei um prémio por isso!).

Agora, será que os anarquistas de esquerda nunca responderam à questão "como colectivizar a propriedade sem criar um Estado"? Responderam, sim.

Em primeiro lugar, é necessário lembrar que as respostas que os "ansocs" dão a essa questão costumam ser mais "recomendativas" do que "prescritivas", i.e., são da opinião que, se o Estado desaparecer, não surgirá uma forma única de organização social, e que diferentes territórios tenderão a ter formas diferentes de organização social (sendo de esperar que, inclusivemente, em muitos se criem novos Estados, só que mais pequenos que o Estado original).

Agora, como é que os "ansocs" sugerem que a sociedade se deveria organizar? Há várias variantes, mas vou dar pelo menos um exemplo - a proposta apresentada por Neno Vasco no seu livro "Concepção Anarquista do Sindicalismo" (no capítulo "A Organização Comunista"):

"A garantia última e decisiva é o direito que, numa sociedade comunista, todos têm de entrar em cada uma das associações produtoras e de se servir dos instrumentos de trabalho que ela maneja (...)"

"Sob pena de não estarem socializados os meios de produção, nem abolida a autoridade, o sindicato, o grupo profissional do futuro tem de ser aberto e de não possuir exclusivamente os meios de produção. Cada um, se quiser, deve poder mudar de profissão ou até pôr-se a produzir individualmente. Quando, por exemplo, a união local tiver ultrapassado o ponto optimum, deixando a grandeza da associação de ser útil para embaraçar pela complexidade, fugindo à apreciação individual, os que assim o entenderem devem poder construir ao lado outra federação ou comuna".

Ou seja, basicamente Neno Vasco propunha um sistema em que os meios de produção, sendo propriedade da comunidade, fossem geridos pelos sindicatos / associações de produtores, que os poriam à disposição dos seus membros; qualquer pessoa teria o direito de entrar em qualquer sindicato; e um sindicato poderia subdividir-se se um grupo dos seus membros assim o entendesse.

Desta forma, teríamos uma sociedade, simultaneamente, sem Estado nem propriedade privada dos meios de produção (note-se que não digo "sem posse privada" - poderia perfeitamente haver instituições como o moshav israelita, em que a terra pertence à comunidade, mas cada família explora a "sua" parcela): os meios de produção seriam, em última instância, propriedade de todos, já que, se qualquer pessoa pode entrar em qualquer das sindicatos que os administram, quer dizer que toda a gente acaba por ter direito ao uso desses bens (podem é não exercer esse direito); e o poder não estaria centralizado num Estado, mas distribuído pelos vários sindicatos (em que até se poderiam subdividir).

Pode-se perguntar - "como é que, sem um Estado, se impedia o aparecimento de propriedade privada?". Vou tentar responder a isso (agora não é o Neno Vasco, sou mesmo eu).

Imagine-se que alguém se dizia "dono" do determinado bem. O que aconteceria numa sociedade anarco-socialista? Poderemos imaginar vários cenários:

1) Não haveria mais ninguém nessa sociedade interessado em utilizar esse bem - nesse caso, o suposto dono poderia proclamar-se "dono" à vontade;

2) Haveria mais alguém interessado em utilizar esse bem:

2.1) Esse alguém e o suposto dono chegariam a um acordo para a utilização do bem - esse acordo seria "unenforceable" (alguém sabe como dizer isso em português?), mas, enquanto as partes envolvidas estivessem de acordo, tudo bem.

2.2) O alguém decidia usar o bem sem autorização do suposto dono

2.2.1) O suposto dono não oferecia qualquer resistência - nesse caso, também tudo bem.

2.2.2) O suposto dono tentava, através da violência, impedir o "alguém" de usar o bem, e o "alguém" decidia resolver a questão numa luta mano-a-mano - de novo, também tudo bem (se duas pessoas andam voluntariamente à porrada uma com a outra e sem envolver terceiros, eles lá sabem...)

2.3 /2.2.3) O alguém pedia auxilio à sua "associação protectora" (que suspeito muito que coincidisse com o sindicato) - este passo poderia ocorrer tanto logo quando o suposto dono recusasse o uso do bem, ou após este usar a violência para impedir o uso - nesse caso, a associação iria analisar a reivindicação do "alguém" e...

2.3.1) A associação concluía que a reivindicação do "alguém" ao uso do tal bem não se justificava (p.ex., podiam concluir que "o teu sindicato já põe à tua disposição bens suficientes para não precisares de estar a chatear aquele desgraçado!") - nesse caso, a associação não interviria

2.3.2) A associação concluía que que a reivindicação do "alguém" era justa (p. ex., podiam concluir que "aquele individuo está a proclamar-se dono de bens muito superiores aos que lhe cabem numa sociedade justa!") e apoiá-lo (inclusivamente por meios violentos, caso o suposto dono fosse por esse caminho), o que levaria, provavelmente, a que o suposto dono tivesse que renunciar à sua suposta propriedade

Algumas questões que se podem levantar:

P: E se o suposto dono também recorresse, p. ex, a uma agência de segurança privada?

R: Recordemos-nos que estamos a falar de uma região povoada por anarco-socialistas - uma agência de segurança que vá defender os direitos de propriedade capitalistas numa região assim dificilmente será bem sucedida (e, numa perspectiva estritamente financeira, provavelmente terá prejuízo); o mesmo, aliás, é valido, para o cenário oposto

P: Essa associação protectora (ou sindicato) não acabaria por ser igual a um Estado?

R: Não, nomeadamente porque existem (ou podem existir) várias associações desse género (em vez de ser um monopólio, como é o caso do Estado)

P: Pronto, essa associação não é um Estado. Mas o conjunto das associações não acabará por ser similar a um Estado (constituindo um "Estado acéfalo", por assim dizer)?

R: Talvez, mas o mesmo poderá ser dito do conjunto das agências de segurança numa sociedade anarco-capitalista

Uma última nota - nestas discussões, por vezes tanto os ansocs como os ancaps tendem a adoptar uma definição peculiar de "Estado", algo estilo "um Estado é uma organização disposta a usar a violência para defender um sistema de direitos diferente do meu sistema de direitos favorito" - isto é, os ancaps argumentam que uma "milícia popular" que apoie a expropriação de propriedade privada é um "Estado com outro nome"(1) e os ansocs consideram que uma agência de segurança privada contratada por um capitalista para defender a sua propriedade é um "Estado com outro nome". Ou seja, adoptam uma definição totalmente subjectiva de "Estado" que permite a qualquer facção existente ou imaginária de "anarquistas" dizer "nós é que somos os verdadeiros anarquistas - os outros são estatistas disfarçados!".

(1) para falar a verdade, creio que o autor a que linko (George Reisman) não é "anarco-capitalista" mas "minarquista", mas essa linha de raciocínio é frequente nos ancaps e, de qualquer forma, se Reisman não é ancap, é um "compagnon de route" dos ancaps do Mises Institute.

"Muito movimento - isto já é Verão"

Foi o que pensei quando me estava a deslocar para um debate na sede do BE de Portimão. Depois lembrei-me que estava a passar na rua da Policia Judiciária.

Wednesday, May 16, 2007

Teoria dos jogos (III)

[depois da I e da II]

Num contrato vitalício, cada uma das partes têm interesse em fingir que não o quer revogar, mesmo que queira (já que o primeiro a mostrar interesse perde força negocial).

Assim, a duração desses contratos pode-se prolongar muito alêm do que ambas as partes desejariam.

Sigestão de leitura: jogo da galinha.

Porque é que as pessoas se casam?

Para falar a verdade, suspeito que é mais por inércia que por outra coisa qualquer, mas há algumas razões racionais para as pessoas se casarem além disso.

João Miranda acha que "[n]inguém precisa de casar por amor. As pessoas casam porque duvidam do amor", penso que para criticar o divórcio unilateral.

Bem, eu creio que a razão fundamental para as pessoas se casarem é mesmo porque, como seria incómodo para as mulheres sustentarem os filhos sozinhas (ainda mais atendendo ao elevado tempo que as crias humans demoram a se tornarem produtivas), como fazem as gatas (note-se que as larvas de louva-a-deus nascem já auto-suficientes), dá jeito que os pais também comparticipem no seu sustento. E a maneira mais eficiente de ter uma certeza de quem é o pai é através de um contrato do gênero "a) Manuel compromete-se a reconhecer a paternidade de todas as crianças nascidas de Maria durante a vigência do contrato; b) Maria compromete-se a só ter relações sexuais com Manuel durante a vigência do contrato"; este contrato pode ser complementado com outras cláusulas, nomeadamente em muitas sociedades por uma cláusula c) simétrica de b) (o que é racional da perspectiva da Maria, já que a comparticipação de Manuel para o sustento dos seus filhos ficará reduzida se este também tiver que alimentar os filhos que ir espalhando por aí); além disso, num número muito restrito de sociedades, os direitos/deveres associados ao "Manuel" são exercidos em conjunto por vários homens (por regra, irmãos), mas o principio geral é o que assinalei.

Além disso, há outros beneficios, quer em termos de privilégios que o Estado concede aos casais (alguns dos quais têm a sua razão de ser), quer em termos de facilitar contratos com terceiros (poderem logo comprar coisas em nome dos dois sem grandes complexidades contratuais).

Assim, o divórcio unilateral não prejudica a principal função do casamento (garantir o sustento conjunto de eventuais crias), já que supostamente, mesmo após um divórcio, o conjugue que não fica com a guarda dos filhos continua a contribuir para o seu sustento (muitas vezes não contribui ou contribui pouco, mas isso é um detalhe que pode ser facilmente alterado), ou seja, para o que fundamentalmente interessa no contrato de casamento, ele é vitalicio de qualquer maneira.

Já agora, recorde-se que o contrato de casamento não impede ninguém de ser abandonado fisicamente pelo conjugue, apenas de ser "abandonado juridicamente".

Tuesday, May 15, 2007

Imposto óptimo (II)?

Nos comentário ao post Imposto óptimo?, JLP escreve:

"Bem, um imposto sobre a propriedade também desincentiva a construção. Afinal, vai haver menos pessoas interessadas em ter, por exemplo, segundas casas, casas de férias, ou mesmo em terem casas próprias que não sejam apartamentos."

"Afinal, qual a diferença em termos de incentivo à poupança entre taxar um terreno e um depósito bancário do mesmo valor?"

Para perceber porque um imposto sobre a propriedade de terrenos (em que um terreno com uma dada localização paga o mesmo, quer esteja ocupado por uma vivenda, por uma moradia de 10 andares ou por nada) temos que nos lembrar que a quantidade de solo existente é quase fixa (ou talvez mesmo sem o "quase" - pode-se argumentar que mesmo situações como marinas, aterros, etc. não representam criação de novo solo, mas apenas mudanças na forma como um dado pedaço de solo é utilizado).

Ora, assim, qual é o resultado de um imposto sobre o solo? À partida, um imposto sobre a propriedade do solo diminui a procura de solo (seja na forma pura de solo, seja com um prédio em cima); mas como a oferta de solo é (quase?) fixa, essa redução da procura apenas originará uma redução de preço:
























Ou seja, o lançamento de um imposto sobre o solo leva a um decréscimo do preço desse solo equivalente ao valor do imposto (note-se que escreve "equivalente" e não "igual"), de forma a que, na perspectiva de quem vai comprar um terreno (ou uma casa, um apartamento, etc.), a situação ficará igual ao que estava antes. P.ex., não haverá menos incentivo para comprar casas - é verdade que um apartamento teria que pagar o "imposto sobre o solo" correspondente à fracção de solo ocupado, mas, ao mesmo tempo, o seu preço diminuiria (já que o preço do terreno também diminuiria).

Da mesma forma, este tipo de imposto não desincentiva a poupança - um imposto sobre depósitos bancários diminui a rentabilidade desses depósitos; pelo contrário, o imposto sobre o solo não reduz a rentabilidade do investimento em solo (já que diminui tanto o rendimento como o preço da terra, ficando a rentabilidade na mesma).

O lado oposto da moeda (face à quase perfeita eficiência deste imposto) é o que pode ser considerado uma profunda injustiça - é que nem sequer é correcto dizer que só os proprietários fundiários o pagam; o caso é ainda mais radical: as únicas pessoas que verdadeiramente iriam pagar esse imposto seriam as que tivessem o azar de possuir terreno (repito, em estado puro ou incorporado em casas, apartamentos, quintas, etc.) no dia em que o imposto fosse criado (ou no dia em que fosse anunciado?), que iriam ver o seu património desvalorizar (talvez brutalmente); todas as pessoas que comprassem terrenos daí para a frente iriam pagar nominalmente o imposto, mas não o iam realmente pagar (já que o imposto já vinha descontado no preço de venda).

Existe um argumento a favor da "justiça" deste imposto, mas penso que nem eu, como socialista, nem o JLP, como liberal, concordaremos com ele (por razões opostas). Muitos defensores deste imposto (p.ex. nos EUA, certas facções dentro dos Partidos Democrata e Libertário) argumentam que cada individuo tem direito "ao fruto do seu trabalho" e que todos têm igualmente direito aos recursos da natureza; assim, esta corrente - o "georgismo"- defende que os impostos sobre o trabalho, capital e consumo sejam abolidos, deixando apenas impostos (elevados) sobre a terra (e, em regra, também sobre a poluição, as frequências hertzianas, etc.), sendo a receita deste imposto (ou o que sobrar, depois de cumpridas as funções de um "Estado mínimo") distribuída igualitariamente por toda a gente.

Como já disse, tenho grandes dúvidas acerca da justiça de um sistema desses, mas em termos de eficiência, tirando alguns detalhes, parece fazer sentido.

Divórcio e Despedimento

Devido à actualidade, fui buscar este post de 23/03/2006 cá para cima:

O Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei para possibilitar o divórcio por vontade de um dos conjúgues. Há quem argumente que esta posição é contraditória com a oposição ao despedimento sem justa causa. Mas não é.

Qual é o principal problema do despedimento sem justa causa? É que o trabalhador fica sujeito, sem defesa, ao poder do empregador: se se recusar a fazer trabalho extraordinário não pago (ou a dormir com o patrão), se se sindicalizar, se escrever uma carta à administração da empresa referindo "a ignorância dos membros do C.A. acerca dos processos de trabalho", etc. corre o risco de ser despedido. Claro que se pode contra-argumentar que um patrão também corre sempre o risco do trabalhador se demitir, mas este risco é muito menor: como, por norma, um trabalhador só tem um patrão (no máximo uns dois ou três), ser despedido é, para ele, um incómodo muito maior do que é para uma empresa (se calhar com centenas de trabalhadores) um trabalhador demitir-se.

Pelo contrário, num casamento, quanto mais fácil for, legalmente, um processo de divórcio, mais fácil é alguém escapar de uma relação de poder arbitrária que eventualmente se estabeleça. Ou seja, o conteúdo social do "despedimento sem justa causa" e do "divórcio sem justa causa" é exactamente oposto: o primeiro contribui para reforçar a autoridade hierárquica, o segundo para impedir que uma "autoridade hierárquica" se estabeleça.

No fundo, é a mesma diferença que, no Aspirina B, Nuno Ramos de Almeida referiu neste comentário ao post de Valupi acerca do "direito à discriminação": "nas relações pessoais estamos todos ao mesmo nível de poder: eu posso não escolher a rapariga e a rapariga, escolher ou não me escolher a mim. Nas relações laborais ou entre Estado e cidadão, há quem tenha a faca e o queijo na mão."

Nomes

Já repararam como o Cavaco Silva mudou de nome com o tempo (isto não tem nada a ver com o contéudo do post, mas ocorreu-me)?

Monday, May 14, 2007

"Ladrões de bicicletas", desigualdade, etc.

Em resposta a um artigo nos Ladrões de bicicletas, aonde se argumentava que "[m]as não foi só como um dos grandes construtores da social-democracia europeia que [Gunnar Myrdal] ganhou o seu lugar na história do pensamento económico. Através do seu «Teoria Económica e as Regiões Subdesenvolvidas», dedicou-se à Economia do Desenvolvimento. Podem-se tirar três grandes conclusões deste trabalho: 1- sem políticas públicas activas a desigualdade tende a crescer, quer dentro dos países, quer entre estes; 2- é uma maior igualdade na distribuição do rendimento, e não o contrário, o grande alicerce do crescimento económico; 3- a intervenção do Estado é decisiva no lançamento do desenvolvimento dos países mais pobres ao desencadear um ciclo cumulativo virtuoso de crescimento", BrainstormZ, no Insurgente, coloca as seguintes questões:

  1. Será preferível um país com menor desigualdade e baixo crescimento económico a outro com maior desigualdade mas superior crescimento?
  2. “Maior igualdade na distribuição do rendimento é o grande alicerce do crescimento económico”??? Mas então como explicar o falhanço, em vários países, do mais igualitário sistema político? E porque os EUA apresentam, há décadas, taxas de crescimento do rendimento per capita superiores à relativamente mais igualitária Suécia, terra-natal de Myrdal?
  3. Se a intervenção do Estado resulta em “virtuoso crescimento” como explicar o comum fenómeno dos “elefantes brancos”?
Não sei se os "ladrões" (um deles foi quase meu colega de faculdade) responderam, mas eu vou também responder ao ponto 2.

A respeito do falhanço do "mais igualitário sistema político" - na verdade os regimes comunistas tinham uma desigualdade, a nível de rendimentos, bastante elevado: por exemplo, segundo um artigo publicado em Junho de 1984 no Journal of Comparative Economics ("Income distribution in East European and Western Countries", de Christian Morrison), a desigualdade na URSS era um pouco menor que nos EUA, quase igual à do Canadá e muito superior à da Suécia e da Grã-Bretanha (já a Checoslováquia era mais igualitária que esses todos). E já antes (por exemplo, nas criticas de Cornelius Castoriadis a Charles Betelheim) que era um dado assente a existência de grandes desigualdades na URSS (que os porta-vozes de Moscovo no Ocidente normalmente justificavam com a "escassez original de pessoal qualificado") .
Quanto ao crescimento superior dos EUA face à Suécia, efectivamente esta cresceu menos meio ponto percentual ao ano no periodo em questão (já agora, o BZ não podia ter arranjado um gráfico logo com as taxas de crescimento para eu não ter que estar a fazer contas?!) . Mas por outro lado, no periodo de de 1950 a 1989 a Suécia teve um crescimento económico superior ao dos EUA (como a fonte é diferente, é de esperar algumas diferenças face aos dados de BZ) . Alêm disso, o periodo de maior crescimento nos EUA foram os 30 anos a seguir à II Guerra Mundial, provavelmente um dos periodos em que as politicas de tipo social-democrata foram mais activas.
Em alternativa, a comparação entre os EUA e a América Latina pode ser elucidativa, tanto para comprovar como para rejeitar parte dos argumentos de Myrdall.
Os EUA, mais igualitários que a América Latina, tem, nos ultimos séculos, tido um desempenho económico claramente superior - e, dentro dos EUA, a Nova Iglaterra "igualitária" sempre foi mais próspera que o Sul "aristocrático". No século XIX tal foi notado por Lysander Spooner (que, se ressucitasse, voltaria a morrer se soubesse que estava a ser usado para defender Myrdall) que (em "Poverty: its Illegal Causes and Legal Cure") argumentou que as sociedades em que a riqueza está mais distribuida tendem a crescer mais, já que as inovações técnicas tendiam a ser obra da classe média (segundo ele, os pobres não tinham meios - dinheiro, tempo, instrução, etc. - para tal e os ricos não ligavam a isso); alterando um pouco a tese de Spooner, arrisco-me a dizer que a capacidade inventiva do individuo é, entre outras coisas, função da sua instrução, e que, por sua vez, a sua instrução é uma função positiva mas decrescente do rendimento (i.e., quanto mais "rico"/menso "pobre" alguêm é, mais instrução tende a adquirir, mas a relação é menos que proporcional) , o que dá mais ou menos o mesmo resultado.
Mas, se confirma a 2º tese de Myrdall, o caso da América Latina pode desmentir a primeira: nomeadamente parece ser um indicador que as desigualdades extremas são o resultado, não tanto da omissão do Estado no combate a essas desigualdades, mas sim da acção do Estado para as criar. Afinal, a grande diferença na origem das formações sociais das Américas do Norte e do Sul é que na primeira a colonização foi feita quase pela "iniciativa privada", i.e., um grupo de familias chegava a um sitio, cada qual desbravava o seu pedaço de terreno e construia a sua casa, dando assim origem uma sociedade de pequenos agricultores. Pelo contrário, na América do Sul a colonização foi feita pelo método de os vice-reis (ou mesmo os reis lá do outro lado do oceono), concederem dominios a encomienderos ou a capitães-donatários, que por sua vez faziam outras doações de terras, gerando assim uma espécie de réplica transatlantica do feudalismo europeu.

In dubia pro reu

No Speakers Corner Liberal Social, Filipe Melo Sousa escreveu (há uns tempos) "Não vi até hoje um argumento válido para este dogma: in dubia pro reu."

Vou então tentar alguns argumentos a favor desse principio.

Para começar, vamos comparar o custo de condenar um inocente com o de inocentar um culpado - o custo de condenar um inocente é, obviamente, o incómodo que o inocente sofre por ter que cumprir uma pena (em teoria, haverá outro custo - a partir do momento em que se condena um inocente, a policia já não procurará o verdadeiro culpado; mas penso que este fenómeno não será significativo, já que a maior parte dos casos de condenação de inocentes deve ser em situações em que é impossivel achar o verdadeiro culpado).

Os custos de libertar um culpado serão:

a) reduz o potencial de dissuasão das penas (se houver a ideia que é facil um criminoso "safar-se", mais gente cometerá crimes;

b) dá-lhe a possibilidade de repetir o crime (penso que o exemplo clássico do assassino que volta a matar não é o mais apropriado - acho que, excluindo os "malucos" e os "profissionais", os assassinos raramente reincidem - mas já será o caso com ladrões e violadores)

c) priva a vitima de uma eventual compensação (seja uma indeminização paga pelo criminoso, seja a satisfação psicológica de o ver condenado)

Os custos a) e b) podem ser facilmente compensados incluindo-os na pena - isto é, se concluirmos que a existência de muitas garantias processuais está a reduzir a dissuasão ao crime e a deixar criminosos na rua, isso pode ser resolvido aumentando as penas para os criminosos condenados em vez de correndo o risco de condenar inocentes

Quanto ao custo c) penso que é preferivel que fiquem vítimas por indemnizar (economica ou psicologicamente) do que inocentes a "pagar" indemnizações (seja tanto a indeminização propriamente dita como a punição criminal). Porquê? Porque o risco de uma vitima não ser compensada pode ser segurado (seja pelo Estado, por uma seguradora privada ou por uma associação de socorros mútos); pelo contrário, o risco de alguêm ser condenado injustamente não pode ser segurado, já que, por definição, não se sabe que os "falsos culpados" são "falsos culpados" (se se soubesse não teriam sido condenados).

Além disso, à partida o sistema judicial está enviesado contra os acusados - há uma policia inteira à procura de culpados, mas não à outra procura de provas para inocentar falsos culpados (e duvido que o detective privado contratado para ilibar um acusado exista fora do mundo da ficção); logo o "in dubia pro reu" pode ser considerado uma reposição do equilibrio.

Finalmente, o "in dubia pro reu" tem algum (pouco, mas algum) poder de ricochete - se em culpado for declarado inocente e a vitima (ou alguêm em seu nome) fazer justiça pelas próprias mãos, o principio também pode jogar a seu favor. Pelo contrário, o principio oposto ("in dubia contra reu"?) não vejo como podesse ser usado por um falso culpado para obter compensação.

Sunday, May 13, 2007

Estatisticas

Os blogs do meu blogroll por serviço:

Blogger - 81
Wordpress - 11
Weblog - 6
Sapo - 3
Blogsome - 1
Blog.com - 1
Typepad -1

Observações (como é óbvio, referem-se apenas aos blogues a que linko):

a) O blogger é claramente maioritário
b) Quase todos os blogues alojados em servidor próprio são "powered by wordpress" (apenas um utiliza o blogger)
c) Mais de 2/3 dos blogues do Weblog são claramente "de esquerda"
d) Não há blogues portugueses alojados no Typepad (aliás, creio que é um serviço pago)

Saturday, May 12, 2007

Questão para os "austriacos"

Tenho aqui uma questão para "o outro lado da barricada" - os adeptos da "Escola Económica Austríaca" (p.ex., Insurgente, Causa Liberal, Arte da fuga, Ação Humana, penso que o Blasfémias, etc.).

Para começar, não sei se já percebi bem o que é isso, logo se calhar vou dizer alguns disparates.

Ao que me parece, entre outras coisas, vocês rejeitam o modelo neo-clássico, em que as empresas não têm lucro, e vêem a economia como um sistema em que há os empreendedores, que descobrem oportunidades de negócio lucrativas; vendo que esse negócio dá dinheiro, mais empreendedores entram nele, fazendo baixar os preços (ou subir os preços das matérias-primas utilizadas), até que os lucros desse negócio acabam por tender para zero (caracterizei bem a vossa posição?).

Agora, imagine-se que há um empreendedor que tem uma "pancada" qualquer que o leva, perante uma oportunidade de negócio, em vez de aproveitar para ter lucro, aproveitar para vender mais barato aos clientes e/ou comprar mais caro aos fornecedores, tendo logo o tal lucro zero.

A minha questão - acham que a actividade de "empreendedores" (que até podem nem ser indivíduos - pode ser uma associação, p.ex.) desse género é:

a) má para a economia
b) boa para a economia
c) nem boa nem má

Agora, apresento um argumento no sentido de que essa actuação é boa - os fornecedores ficam a ganhar, os clientes ficam a ganhar e o referido "empreendedor" não fica a perder (afinal, se ele prefere isso a ter lucro, quer dizer que, na sua análise, fica a ganhar com isso). E, em termos de beneficio geral, até é melhor do que um "empreendedor" que tenha lucro e depois dê-o para caridade, já que o beneficio para os consumidores de ele vender a "preço de custo" é maior que o lucro que ele obteria se vendesse a um preço mais alto (já que os consumidores poupam o que ele deixa de ganhar e há ainda o beneficio adicional para os consumidores que não comprariam se o preço fosse mais alto) - o mesmo raciocínio, claro, aplicasse se a linha de acção for comprar mais alto aos produtores em vez de vender mais barato aos consumidores.

Friday, May 11, 2007

Imposto óptimo?

Ainda a respeito da demanda pel'«a forma óptima de alcançar certos objectivos de eficiência e de equidade» em termos de impostos, uma sugestão para o Tiago Mendes (ou para quem quisesse fazer um estudo nessa matéria):

Um imposto sobre a valor da propriedade do solo (note-se que escrevo"solo", não "propriedade imobiliária") e/ou um imposto sobre as externalidades negativas, conjugando com um subsidio de igual valor para todos os individuos (i.e., um "imposto negativo").

P.ex, imagine-se um imposto equivalente a 3% do valor dos terrenos que o contribuinte possuisse (incluindo os terrenos debaixo de casa), conjugado um subsidio anual de 275 euros.

Quem possuisse terrenos no valor de 30.000 euros, pagaria 625 euros de imposto por ano (30.000*3% - 275); já alguêm que possuisse terrenos no valor de 5.000 euros, receberia 125 euros por ano (5.000*3% - 275).

Em termos de "eficiência", penso que este imposto seria perfeito, sem quaisqueres efeitos distorcedores; em termos de equidade, talvez fosse menos progressivo que o sistema actual, mas mais progressivo que a taxa plana sobre o rendimento, já que a distribuição do património costuma ser mais desigual que a do rendimento (embora, por outro lado, se levantasse a questão sobre a justiça de cobrar mais impostos a quem decida investir o seu dinheiro em terrenos em vez de noutra coisa qualquer); já em termos de capacidade de gerar receitas suficientes para as funções do Estado, tenho quase a certeza que um imposto desses não funcionaria, mas pode ser que alguêm queira fazer o tal estudo que refiro acima.

Taxa plana, taxa óptima? (II)


"se tiveres tempo e pachorra, seria interessante calcular qual seria a taxa marginal única que permitiria que:

1. Aqueles com rendimentos abaixo do rendimento médio não ficassem pior;

2. Aqueles com rendimentos abaixo do rendimento mediano não ficassem pior;

A minha ideia é que será algo entre os 20% e os 22%. É possível também ajudar o limite de isenção. Normalmente, isto é feito tendo em conta o valor do salário mínimo. Em parte, escolhi valores "redondos" para poder ilustrar, de forma "comunicativa", a progressividade da taxa plana, desde que com alguma isenção inicial."

Não é lá muito claro se com "aqueles com rendimentos abaixo do... não ficassem pior", TM pretende dizer "ninguém com rendimentos abaixo de... fique pior" ou "o contribuinte típico com rendimentos abaixo de... não fique pior", pelo que vou fazer o cálculo nas duas maneiras (assumindo um limiar de isenção de 400 euros).

Também não tenho pachorra para tentar descobrir o rendimento mediano português, logo vou assumir um valor por volta de 800 euros.

Assumindo as actuais tabelas de retenção na fonte para solteiros sem filhos, a taxa marginal para que os impostos não aumentassem para ninguém nos rendimentos inferiores teria que ser de 7,5%: actualmente, alguém que ganhe 500 euros/mês desconta 1,5%, ou seja 7,50 euros; numa taxa plana com 400 euros de isenção, isso implicaria uma taxa marginal de 7,5%.

[Ou talvez a taxa tivesse que ser 2,8%, para os contribuintes que ganham 490 euros, sujeitos a uma taxa de 0,5%, não ficassem pior]

Vamos agora ver como seria para o contribuinte típico com um rendimento abaixo do mediano (que assumimos que seria 800 euros). Vamos supôr que esse contribuinte tinha um rendimento de 600 euros/mês (é de esperar que a média dos rendimentos inferiores a 800 ande por aí). No sistema actual, pagará 21 euros de imposto (3,5% de taxa); numa taxa plana, essa não poderia ser maior que 10,5% (de novo, para um limiar de isenção de 400 euros).

Para um contribuinte com o tal rendimento de 800 euros, actualmente descontaria 52 euros (6,5%); numa taxa plana, isso implicaria uma taxa marginal de 13%.

Agora, o rendimento médio - segundo a Wikipedia, o PIB p.c. nominal português é de 18.105 dólares; como o cambio deve andar por 1 dólar = 0,8 euros e assumindo que metade da população não tenha rendimentos próprios, isso daria, para quem tenha rendimentos, um rendimento mensal médio de 2.000 euros.

Se pagarmos como "representante típico" de quem ganha menos de 2.000 euros alguém com um rendimento de 1.250 euros, no sistema actual esse contribuinte iria pagar 156,25 (12,5%) - no sistema proposto, a taxa marginal teria que ser de 18,4% para ele não ficar prejudicado.

Refira-se que eu fiz todas estas contas para "solteiros sem filhos" - quem tenha filhos paga taxas mais baixas. No entanto, não é muito claro como o "factor filhos" influenciaria numa "taxa plana" - o limiar de isenção seria maior conforme o número de filhos (ou a taxa marginal ligeiramente menor)?

[daqui a pouco estou a acusar a "taxa plana" de ser "uma espécie de plano de ajustamento estrutural do FMI com vista a uma sociedade pinochetiana"]

Thursday, May 10, 2007

Momento reacionário

Quero o sitemeter antigo!

Wednesday, May 09, 2007

Taxa plana, taxa óptima?

Tiago Mendes escreve a defender a "taxa plana":

"Uma das vantagens da “taxa plana” de imposto sobre o rendimento pessoal é a existência de uma única taxa marginal, que torna o processo de cálculo e pagamento de impostos consideravelmente mais simples para todos. Dependendo do seu valor, e da forma como a economia reage a uma dada mudança fiscal, as receitas arrecadadas podem subir ou descer."

(...)

"São duas as críticas àquela que é mais conhecida por ‘flat rate’: (1) que não permite progressividade fiscal e (2) que prejudica os mais pobres. Duas ideias bastante insustentadas. Para que exista progressividade fiscal, com a taxa plana, é condição necessária e suficiente que algum rendimento inicial esteja isento de imposto. Por exemplo, uma taxa marginal de 25%, com isenção fiscal sobre os primeiros 400 euros mensais, faz com que a taxa média de imposto para quem aufere 500, 1.000, 2.000 e 10.000 euros mensais seja, respectivamente, de 5%, 15%, 20% e 24%. Para que os mais pobres não fiquem pior, basta que a taxa adoptada não seja demasiado elevada – e tendo em conta o valor de rendimentos isentos."

Antes de tudo, um pormenor: o que Tiago Mendes (e a maior parte dos defensores da taxa plana) propõe não é verdadeiramente um sistema com uma única taxa marginal de imposto - é um sistema com duas taxas marginais, sendo uma de 0%.

Vamos fazer umas simulações de como essa taxa plana funcionaria.

Imaginemos uma pessoa com um rendimento ilíquido de 743 euros/mês: actualmente desconta 6,5% de imposto, pagando 48 euros; aplicando a fórmula de TM sugere passaria a descontar 85 euros (400*0% + 343*25%).

Alguém com um rendimento de 1.307 euros/mês actualmente desconta 13,5%, ou seja 176 euros; passaria a descontar 226 euros (400*0% + 907*25%).

Efectivamente, em ambos os exemplos a carga fiscal aumenta, mas, em termos relativos, o aumento é maior para o contribuinte de rendimentos mais baixos (que tem um aumento equivalente a 5% do seu rendimento, enquanto o contribuinte que ganha mais tem um aumento equivalente a 3,8% do rendimento).

Isto é um gráfico comparado as actuais taxas de IRS (a vermelho) com a taxa que resultaria da regra hipotética sugerida por TM:











Conforme se vê, para os contribuintes com rendimentos entre os 500 e 2.200 euros/mês haveria um aumento de impostos; só daí para cima uma redução.

Vamos agora comparar com as taxas marginais de imposto - para tal, em vez da comparação com base no rendimento mensal, vou comparar com o anual (já que para esse é mais fácil determinar a taxa marginal de imposto), assumindo que, na taxa plana o limiar de isenção seria de 5.600 euros.

Taxas marginais de IRS (usando os valores de 2006)

De a Sistema Actual Taxa Plana
0,00 4.451,00 10,50% 0%
4.451,00 5.600,00 13% 0%
5.600,00 6.732,00 13% 25%
6.732,00 16.692,00 23,50% 25%
16.692,00 38.391,00 34% 25%
38.391,00 55.639,00 36,50% 25%
55.639,00 60.000,00 40% 25%
60.000,00
42% 25%

Assim, a taxa marginal de IRS desceria para os contribuintes com rendimentos anuais menores que 5.600 euros (nesses talvez não descesse, já que, de qualquer forma, com os abatimentos acabam, em regra, por não pagar IRS) ou maiores que 16.692 euros e aumentaria para os contribuintes com rendimentos dentro desse intervalo (recordo que a taxa marginal aumentar ou diminuir não significa que a taxa real de imposto vá aumentar ou diminuir); ou seja, em principio essa taxa plana "estimularia" o trabalho de quem ganhasse mais que 16.692 euros e "desestimularia" para quem ganhasse menos.

Claro que se poderá argumentar que os valores sugeridos por TM (25% com 400 euros de dedução) são apenas um exemplo, mas a questão é que, se se quiser aumentar a progressividade do imposto (a fim das classes média e baixa não ficarem prejudicadas) isso significa aumentar o limiar de isenção - mas aumentar o limiar de isenção significa também (para obter a mesma receita fiscal) ter que aumentar a taxa marginal. Ou seja, parece-me que, se se pretender que uma taxa plana tenha um grau de progressividade comparável ao do sistema fiscal actual, provavelmente isso implicará uma taxa marginal bastante alta, pelo que uma taxa plana pode ser ainda mais ineficiente económicamente do que o sistema de escalões progressivos.

"Se é consensual que são os ricos quem mais facilmente foge aos impostos, talvez conviesse lembrar a alguma esquerda que tantos anos de taxas de IRS progressivas não pareceram ter grande efeito sobre a elevada variância na nossa distribuição de rendimentos"

Dizer que "as taxas de IRS progressivas não parecem ter grande efeito sobre a desigualdade de rendimentos" implica saber como seria essa desigualdade numa realidade paralela com IRS sem taxas progressivas.

Monday, May 07, 2007

A atitude da esquerda portuguesa face a Chavez

Em resposta a este texto de Rui Faustino (ou mais exactamente, a um comentário feito noutro blogue nas mesmas linhas-chave).

Qual deve ser a linha da esquerda portuguesa (nomeadamente do BE) face a Chavez (digo da esquerda portuguesa, não de grupos da esquerda venezuelana como o Partido Revolucion y Socialismo ou a CCURA)? Nós não temos grande possibilidade de influir directamente no processo venezuelano, logo esse processo terá para nós uma importância sobretudo pedagógica (no sentido de a experiência venezuelana servir de exemplo para outros povos, como nós).

Ora, como RF diz, o processo venezuelano tanto pode dar a "a mais trágica derrota ou a mais gloriosa das vitórias". Ora, se nós andarmos a cultivar a "chavofilia" entre os simpatizantes e activistas da esquerda portuguesa e se, depois, Chavez, na altura do "embate final", ceder à contra-revolução (como aconteceu, p.ex, com Sukarno, na Indónesia), isso representará uma desmoralização da esquerda mundial comparável à que a queda das ditaduras estalinistas representou.

Portanto, se algo é necessário, fora da Venezuela, não é andar a propangandear o chavismo (já há muito apoio não-crítico a Chavez por aí), mas sim alertar as massas (ou, pelo menos, as poucas massas que nos prestam atenção) para as contradições internas do chavismo, e para as possibilidades de correr para o bem ou para o mal, de forma a maximizar o seu potencial positivo em termos de desenvolvimento da consciência politica, no primeiro caso, ou a minimizar o seu papel negativo, no segundo caso.

[Ver também este meu post de há uns meses]

Sunday, May 06, 2007

Why do Finland's schools work?

Um texto sobre a educação num país que há uns meses estava muito na moda:

Finland has repeatedly been rated top of the class in international comparisons of educational standards, even though spending on education is low, and Finnish children spend much less time in school than kids in other countries. . .

Foreign educationalists are particularly interested because Finland's success does not seem to be related to money: OECD statistics show that Finland spends just 6.1% of its gross domestic product on education, significantly below the OECD average of 6.3%, and well below spending levels in many similarly wealthy countries.

Another factor to discount is the amount of time children spend in the classroom. For a start, Finnish kids only graduate from the kindergarten sandpit to the primary school at age 7. Their schooldays remain short, often ending as early as midday or one o'clock, and their 10-week summer holidays must be the envy of kids all over the world. All in all, Finnish pupils spend an OECD record low total of some 5,523 hours at their desks, compared to the average of 6,847 hours. . .

The results of Finland's brightest students are not significantly above those from other successful countries, but where Finland really shines is in the scores of the lowest performing students. This means that very few Finnish schoolchildren are falling fall through the educational net. . .

Looking after low achievers The Finnish system is designed along egalitarian principles, with few fee-paying private schools, and very little streaming of pupils into different schools or classes according to their exam results. . .

Another factor behind Finland's success could be the narrow focus of the PISA tests. Levels of reading literacy are extremely high in Finland. Many children learn to read before they even start school. Although many foreigners find Finnish hard to learn, the language is so phonetically logical that words are always simple to read and write correctly. . .

The atmosphere in Finnish schools is generally informal. Teachers are given considerable freedom to teach as they see fit, without overbearing supervision or bureaucratic reporting. . .

Extrema-esquerda: os "canários das minas" das revoluções?

Um post de Larry Gambone:

Anarchists and the Ultra-Left– the Mine Canaries of the Revolution.

You all know what a mine canary is. The bird was brought down into the mine and if it passed out this showed gas was present and the mine was unsafe. So how are anarchists and ultra leftists the mine canaries of the Revolution?

Should a successful revolution be overtaken by an authoritarian or undemocratic party, which group truely threatens their power? Not the reactionary right, though it may commit terrorist acts. For the simple reason that it is discredited. Workers and peasants do not wish to see this lot back in. Furthermore, authoritarian revolutionary states tend to coopt many members of the old ruling class, putting them back in charge of the masses, but now working for the new state rather than old system – think of the Tsarist officers and bureaucrats coopted by the Bolsheviks and Mao's "Patriotic Capitalists". No, the parties and organizations to the left of the revolutionary rulers are the threat to their power. Such groups appeal to the egalitarian and libertarian desires of the people and of the revolution itself. They oppose the centralization of political and economic power and speak of popular power rather than party dictatorship. Hence, the first groups to be attacked by an authoritarian revolutionary state are the anarchists, left populists and ultra-left marxists.

Barely six months into the October Revolution, Lenin's Bolsheviks were harassing anarchists. Soon after they went for the Maximalists (far-left populists) By 1921, most anarchists and left-populists were in concentration camps or exile. Finally, in 1922, left-Bolshevik factions like the Workers Opposition were banned. Mao suppressed the anarchists and Trotskyists. The Viet Minh slaughtered Vietnam's large Trotskyist party. Soon after Castro's turn toward the Cuban Communist Party, the anarchists were all in exile or in prison.

There is nothing inevitable about this process. Revolutions do not necessarily "devour their children." The Costa Rican Revolution of 1948 and the Bolivian Revolution of 1952 did not see the liquidation of the far left, even though the Bolivian regime did eventually fall into corruption and was overthrown by the military. Not all left groups supported the Sandinistas. The Nicaraguan Maoists considered them "bourgeois", created their own trade union federation and ran as a separate party in elections. The Sandinistas, while not liking the Maoists, did not suppress them .

This is the test we must apply when judging the new revolutionary governments such as in Venezuela, Bolivia and perhaps now Ecuador.

Thursday, May 03, 2007

3 de Maio de 1937


O principio do fim da Revolução Espanhola.

Trabalho por conta própria, "empreendedorismo", etc.

Hoje, o Jornal de Negócios publicou um conjunto de artigos sobre o tema em epigrafe. Num deles escreve-se:

"A comissão Europeia inaugurou o debate público ao publicar, no inicio de 2003, um Livro Verde sobre «Empreendedorismo na Europa» que se centrava em duas questões em particular: por que razão tão poucos europeus abrem o seu próprio negócio e por que motivo tão poucos negócios florescem na Europa?"

"Segundo as conclusões de um estudo de 2004 da EOS Gallup Europe, encomendado pela CE, os europeus preferem o estatuto de trabalhador por conta de outrem, ao passo que os americanos optam pelo de empresário em nome individual"

Vamos lá comparar essa sondagem com a realidade e relembrar esta tabela com a percentagem de trabalhadores por conta própria por país (dados da OCDE):

País Auto -emprego
Greece 30,1
Turkey 29,1
Mexico 28,5
Korea 27
Italy 24,9
Portugal 23,5
Poland 20,4
New Zealand 17,8
Ireland 16,6
Spain 16,5
Czech Republic 15,3
Iceland 14,1
Belgium 13,6
Hungary 13,3
United Kingdom 12,7
Slovak Republic 12,6
Australia 12,6
Finland 12
Austria 11,8
Germany 11,2
Netherlands 11,1
Japan 10,2
Sweden 9,6
Switzerland 9,3
Canada 9,2
France 8,9
Denmark 7,8
United States 7,3
Norway 7,1
Luxembourg 6,5

A conclusão que podemos tirar é que os norte-americanos são uns frustrados, porque nas sondagens dizem que querem ser empresários em nome individual mas depois são dos países da OCDE aonde mais gente trabalha por conta de outrém (a hipótese alternativa é que os norte-americanos só dizem que querem ser empresários porque acham que "dá estilo").

E quando se passa para a distinção entre trabalhador por conta própria e "empreendedor", então é que a conversa atinge os píncaros da "venda de banha da cobra":

"Portugal tem muitos trabalhadores por conta própria mas poucos empreendedores"

(...)

"De acordo com o Global Entrepeneurship Monitor (...) as diferenças de crescimento do PIB são atribuidas aos variados graus de actividade empreendedora. «Portugal tem uma das mais baixas taxas de actividade empreendedora da UE. Tem apenas 4 empreendedores por cada 100 pessoas com idades compreendidas entre os 18 e os 64 anos", referia o estudo de 2005"

Ora, a partir do momento em que a definição de "empreendedor" se torna dependente de factores difíceis de medir objectivamente*, é relativamente fácil dizer "a chave do desenvolvimento está no empreendedorismo", já que o raciocínio acaba por ser um bocado circular (se um país tiver muitos empresários mas pouco desenvolvimento, é só dizer que esses empresários não são "empreendedores" e a tese nunca é desmentida).

Já agora, se nem todos os trabalhadores por conta própria são "empreendedores", isso não deveria significar que os trabalhadores por conta de outrém também podem ser considerados "empreendedores"? - afinal, nas grandes empresas o desenvolvimento de novos produtos e/ou "estratégias empresariais" é, fundamentalmente, da responsabilidade de assalariados. No entanto, quando no discurso politico se diz "temos que adoptar medidas favoráveis aos empreendedores", isso é sempre usado no sentido de advogar medidas favoráveis aos empresários (ou seja, empresário e empreendedor são conceitos diferentes e iguais, conforme calha)

*penso que o GEM define "empreendedor" como pessoa ligada a uma nova empresa mas será que uma pessoa que abre um restaurante é um "empreendedor" quando o abre e deixa de o ser depois dele estar a funcionar?