"E é precisamente esse o erro metodológico mais frequente na economia neoclássica: a EN inicia a sua abordagem assumindo o indivíduo. Este indivíduo tem um conjunto de preferências (gostos entre os vários bens que tem à sua disposição) que são dadas, ou seja, não são explicadas pelo próprio modelo e são assumidas como imutáveis no período de análise. Depois de assumidas estas preferências, o indivíduo enfrenta um conjunto de preços para os bens em causa, que não pode alterar, e assumindo esses preços e as suas preferências ordena as suas compras de modo a tornar o seu bem-estar o maior possível. Esta é a única escolha que o indivíduo faz, e fá-la em total liberdade"
Nesta descrição que LG faz do método neo-clássico, ficaram de fora as dotações iniciais. E é exactamente nas dotações iniciais que as classes sociais (pelo menos, se as definirmos numa base económica) se distinguem. E a EN (economia neo-clássica), ao assumir que as dotações iniciais afectam as escolhas dos individuos, está implicitamente a reconhecer que as escolhas não são feitas em "total liberdade" (independentemente da terminologia que usem).
"Depois, os economistas neoclássicos (incluindo Krugman) consideram que este indivíduo não é apenas um indivíduo como todos nós o conhecemos, mas sim um indivíduo representativo. Este indivíduo, médio, representa o que quisermos: uma classe, um país. A humanidade. O céu é o limite."
Como Luis-Aguir Conraria já disse nos comentários, não há nada na EN que obrigue a se usar um "individuo representativo"; pode-se perfeitamente assumir indivíduos com preferências diferentes - a razão porque muitas vezes se usa o "individuo representativo" é porque dá menos trabalho e, em muitos modelos, não é relevante para os resultados assumir preferências diferentes entre os indivíduos.
"No caso de uma classe, porque a própria escolha do indivíduo não é livre, mas condicionada socialmente. Experimente andar numa escola de meninos bem com ténis da Zara com remendos, ou passear-se por um bairro da Amadora com uma mala Louis Vuitton da última colecção. O indivíduo pode ter um conjunto de preferências próprios, mas não o irá maximizar porque não vive em isolamento. O próprio acto de maximização do bem-estar individual é quanto muito uma característica de uma classe em específico (a alta), e não de todas: nos bairros pobres, haver alguém que anda com um bom carro mas deixa a mulher e os filhos passar fome é visto com desdém, impedindo a sua inclusão o que, para muita gente (mas não para os economistas, aparentemente), é uma coisa má. "
Em primeiro lugar, um aparte: se, como me parece, com "maximização do bem-estar individual" o LG se refere ao individuo não ligar à pressão social nas suas decisões, até me arriscava a dizer que isso será mais uma característica da classe média do que da alta: afinal, se há grupo que tem fama (não sei se o proveito, ou se é apenas um estereótipo) de agir em função da "manada", é exactamente o chamado jet-set.
De qualquer forma, não há nada que impeça que num modelo neo-clássico sejam incluídos também variáveis como "aceitação social", "estar bem com a sua consciência", etc., na "função utilidade".
Por exemplo, se o razão para um individuo querer um determinado bem for o facto de os indivíduos do seu "grupo de referência" possuírem esse bem (qual é a razão para alguêm ir ao Sacha Beach? Pelas pessoas que vão ao Sacha Beach), penso que é facílimo integrar isso num modelo neo-clássico: basicamente, é um caso muito semelhante ao QWERTY, algo que já está há uns 20 anos integrado na EN.
Seja como for, penso que essa questão (a das preferências e da sua origem) até é irrelevante para a questão das classes sociais - mesmo que os indivíduos das várias classes sociais (isto é, com diferentes dotações) tivessem a mesma ordenação de preferências, não era por isso que deixavam de constituir classes distintas, com potencial de conflito entre elas - na verdade, pode-se argumentar que até há mais potencial de "luta de classes" se os indivíduos das várias classes tiverem uma ordenação de preferências semelhante (se tiverem preferências muito diferentes, o resultado talvez até seja mais uma sociedade à Ancien Regime - classes fortemente divididas e cada um "feliz no seu lugar").
Aqui parece-me que LG está a usar uma definição de "classe social" muito diferente da minha: o que define um individuo como pertencente à classe social A ou B não é o seu "padrão de comportamento", é a sua dotação de factores (isto é, o que ele possui): dois operários, não proprietários dos "meios de produção", pertencem à mesma classe social, mesmo que, nas horas vagas, um vá para a taberna e outro para a biblioteca municipal (e um "pequeno-burguês" que goste de Iron Maiden não passa a ser "operário" por causa disso).
Por exemplo, se o razão para um individuo querer um determinado bem for o facto de os indivíduos do seu "grupo de referência" possuírem esse bem (qual é a razão para alguêm ir ao Sacha Beach? Pelas pessoas que vão ao Sacha Beach), penso que é facílimo integrar isso num modelo neo-clássico: basicamente, é um caso muito semelhante ao QWERTY, algo que já está há uns 20 anos integrado na EN.
Seja como for, penso que essa questão (a das preferências e da sua origem) até é irrelevante para a questão das classes sociais - mesmo que os indivíduos das várias classes sociais (isto é, com diferentes dotações) tivessem a mesma ordenação de preferências, não era por isso que deixavam de constituir classes distintas, com potencial de conflito entre elas - na verdade, pode-se argumentar que até há mais potencial de "luta de classes" se os indivíduos das várias classes tiverem uma ordenação de preferências semelhante (se tiverem preferências muito diferentes, o resultado talvez até seja mais uma sociedade à Ancien Regime - classes fortemente divididas e cada um "feliz no seu lugar").
"Além deste problema, ao considerarmos um indivíduo representativo uma classe entramos num raciocínio circular: queremos explicar o seu comportamento (escolhas) com as suas preferências, mas estamos implicitamente a assumir que as suas preferências (a sua função utilidade) são ditadas pelo padrão de comportamento (classe social)."
Aqui parece-me que LG está a usar uma definição de "classe social" muito diferente da minha: o que define um individuo como pertencente à classe social A ou B não é o seu "padrão de comportamento", é a sua dotação de factores (isto é, o que ele possui): dois operários, não proprietários dos "meios de produção", pertencem à mesma classe social, mesmo que, nas horas vagas, um vá para a taberna e outro para a biblioteca municipal (e um "pequeno-burguês" que goste de Iron Maiden não passa a ser "operário" por causa disso).
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