Tuesday, December 29, 2015

Ainda o Rendimento Básico Incondicional (II)

Agora vamos à outra questão - se é possível um RBI financiado por algo que não "especulação financeira"; realmente suspeito que é muito mais fácil implementar um RBI quando este é financiado por rendimentos gerados a partir de bens/recursos propriedade do Estado/município/tribo/etc. (como no citado caso do Alasca, ou então das tribos índias norte-americanas que também têm uma espécie de RBI, financiado, nuns caso também por petróleo, e noutros por lucros de casinos) do que por impostos, por duas razões:

- por um lado, o RBI é mais fácil de "vender" assim; é difícil convencer as pessoas a pagarem impostos para "dar dinheiro a quem não faz nenhum", mas, pelo contrário, a ideia de os lucros dos bens que são "de todos" serem divididos igualitariamente por todos já é mais intuitiva

- por outro, mesmo economicamente faz mais sentido: lançar impostos para financiar um RBI (ou outra coisa qualquer, já agora) tem o problema de desincentivar a atividade económica (a exceção serão impostos sobre atividades nocivas, como a poluição, em que "desincentivar" é mesmo a ideia; mas, por outro lado, impostos sobre a poluição também podem ser vistos como uma forma peculiar de "rendimentos gerados a partir de bens propriedade pública"); esse problema já não existe quando se trata de rendimentos não-fiscais que, de qualquer maneira, o Estado já está a receber e o que é preciso é apenas decidir onde os gastar

É verdade que um RBI financiado por rendimentos gerados a partir de bens propriedade pública não implica forçosamente investimentos especulativos, mas há uma grande proximidade entre as duas coisas; sobretudo, nos casos de rendimentos derivados de recursos naturais finitos (como o petróleo), os tais investimentos especulativos são quase inevitáveis - desde o principio que é sabido que essa fonte de receita vai acabar um dia, logo é necessário re-investir os lucros noutras coisas e viver, não com os lucros iniciais, mas com os lucros dos lucros. Mas eu diria que isso não é tanto um problema do RBI, mas um problema geral de uma economia petrolifera e/ou  mineira, tenha ou não RBI (poderá quando muito parecer um problema do RBI por uma espécie de ilusão derivada de se calhar ser mais provável uma economia mineira/petrolífera vir a ter RBI) - já agora, um exemplo do que pode acontecer a uma economia mineira quando as reservas se acabam e os investimentos correram mal.

Ainda a respeito da ideia de um RBI financiado por impostos sobre a poluição (ou, mais exatamente, pela venda de quotas para poluir), eu em tempos fiz umas contas, e cheguei à conclusão que daria 800 euros/ano por pessoa; mas entretanto conclui que deveria haver algum erro nesses cálculos, porque vi contas parecidas para os EUA dando valores muito menores (mais exatamente, dando uma receita total de 80 mil milhões de dólares, o que daria uns 250 dólares/ano - cerca de 225 euros - por pessoa).

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Ainda o Rendimento Básico Incondicional

Numa discussão no Facebook sobre o RBI, um amigo dizia que simpatizava com a ideia, mas só a defenderia quando lhe demonstrassem que era viável com um valor que não fosse miserável nem financiado por "especulação financeira".

Um pouco de contexto - a referência ao valor miserável tinha a ver com a ideia que eu tinha sugerido de um RBI de 200 euros por adulto e 100 por menor; a referência à especulação financeira tinha a ver com o exemplo do Alasca, cujo RBI é financiado pelos rendimentos dos investimentos feitos com os direitos de exploração petrolífera.

Vou tentar responder a essas questões aqui, quer porque comentários do Facebook não são o meio mais adequado para exposições aprofundadas, quer porque isto pode ser de interesse para mais gente do que apenas para quem estava a ler a conversa (penso que o meu amigo não se vai importar).

Primeiro, a questão do "valor miserável" - o valor de 200 euros (um pouco mais que os 178,15 euros do RSI, um pouco menos que os 201,53 euros da pensão não contributiva) será assim tão pouco? Imagine-se uma família com um pai, uma mãe (ambos com um ordenado de 600 euros) e um filho; 200 euros por adulto mais 100 euros por criança levaria a que o rendimento mensal desta família passasse de 1200 para 1700 euros - não me parece um salto assim tão pequeno (se calhar é quase a diferença entre estar na "classe baixa" ou na "classe média"). Bem, a minha ideia era a implantação do RBI ser acompanhada pela abolição do RSI, das pensões não contributivas, do abono de família e talvez do valor mínimo da dedução especifica do IRS, pelo que o aumento do rendimento desta família não iria ser bem 500 euros (iriam perder 26,5 euros do abono de família, e talvez pagar mais - em conjunto - 88 euros de IRS por mês).

Eu suponho que a referência a "valor miserável" resulta do que eu penso ser um equívoco à volta do RBI - que a ideia seria dar a cada pessoa um rendimento que lhe permitisse deixar de trabalhar se assim o entendesse (e o "incondicional" tem vindo a ser interpretado sobretudo como "mesmo que não faça nada" - e a crescente tendência para apresentar o RBI como solução para o problema imaginário do desemprego supostamente causado pela automatização imaginária vai nesse linha), e efetivamente seria difícil alguém viver só com 200 euros por mês (ou uma família de 3 pessoas com 500 euros); mas a ideia não é (ou, pelo menos, não era) essa - de certa maneira, é (era?) quase a oposta: criar uma prestação social que abranja também quem trabalha e não apenas os desempregados e "excluídos" (como, seja por decisão explícita - como no subsídio de desemprego - ou por resultado implícito - como no RSI - acaba por acontecer com os subsídios atualmente existentes), e sem os desincentivos a procurar trabalho que tendem a ocorrer nos sistemas atuais (ou seja, a ideia implícita no "incondicional" até era mais "recebes sempre, mesmo que até tenha um bom emprego com um bom ordenado" e não tanto "recebes sempre, mesmo que a única coisa que faças na vida seja tocar guitarra na Rua do Comércio").

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Monday, December 28, 2015

Um argumento a evitar na defesa do Rendimento Básico Incondicional

Com sabem, eu simpatizo com a ideia de um rendimento básico incondicional (RBI); no entanto, cada vez mais tenho visto ser usado em defesa do RBI um argumento que não acho muito forte: a de que o RBI seria a melhor solução para o problema da falta de empregos causada pela automatização (ver, p.ex., este post do João Vasco Gama).

Já à partida, noto que outro argumento que costuma ser usado para defender o RBI é que desincentiva menos o trabalho que outros mecanismos de proteção social; logo o facto de umas pessoas serem a favor do RBI por estimular mais as pessoas a trabalhar (comparando com sistemas alternativos) e outras acharem que é a melhor solução para o problema de não haver empregos disponíveis leva-me a pensar que alguém deve estar enganado aqui (as duas posição não são propriamente contraditórias, mas penso que há uma clara tensão entre elas).

E qual é a meu principal problema com o argumento "destruição dos empregos por causa da automatização"? É que, se formos, não ler os artigos de opinião sobre o futuro da economia e/ou da tecnologia (onde a conversa da destruição de empregos por via da nova revolução tecnológica tem vindo a ganhar popularidade), mas ver as estatísticas, essa revolução-tecnológica-que-vai-destruir-montes-de-empregos-por-causa-da-automatização, simplesmente... não existe!

A melhor maneira de medir a automatização talvez seja pela evolução da produtividade do trabalho - a produtividade é calculada dividindo a produção total pelo número de trabalhadores (ou pelo número de horas trabalhadas - mas as duas metodologias não costumam dar resultados muito diferentes), logo quanto maior a automatização, maior a produtividade.

Um gráfico do Bureau of Labor Statistics norte-americano com a evolução da produtividade nos EUA nas últimas décadas:



Atualmente o crescimento da produtividade até é substancialmente menor ao que foi no período de 47-73 (que até foi talvez a época em que o mundo ocidental esteve mais próximo do pleno emprego). Logo, se a automatização maciça que as estatísticas indicam que terá ocorrido nos anos 50/60 não provocou nenhum desemprego por aí além, não há de ser a automatização insignificante (mesmo o período recente de maior crescimento da produtividade, de 2000 a 2007, não chegou ao ritmo de 47/73) que está a ocorrer hoje em dia que o vai provocar. É verdade que a crise económica pode ter contribuído para esse baixo crescimento da produtividade (porque muitas vezes as empresas, mesmo com menos encomendas, não despedem trabalhadores, ficando à espera que as coisas melhores, o que diminui a produção por trabalhador), mas duvido que seja só por causa disso.

[Já agora, uma nota sobre o conceito de "produtividade do trabalho" - ou, mais exatamente, de "produtividade aparente do trabalho": como disse, trata-se apenas de um rácio matemático, sem nenhuma ligação necessário com se trabalhar "bem" ou "mal", "muito" ou "pouco"; digo isto porque por vezes parece-me que este aspeto se perde nalgumas discussões, nomeadamente no clássico "os trabalhadores portugueses têm baixa produtividade; mas quando vão para fora toda a gente diz que são muito bons", como se a produtividade do trabalho fosse, não o tal rácio matemático, mas uma característica do trabalhador]

Claro que se poderá dizer que, mesmo com uma taxa de crescimento menor, a produtividade hoje em dia é maior do que era há 40 anos (e ainda maior do que há 300 anos...), logo temos a tal automatização, mas parece-me que para isto é mais relevante o nível de variação do que propriamente o valor absoluto (senão em cada ano teríamos uma revolução tecnológica sem precedentes, com um nível de produtividade nunca visto até então na história).

E, se olharmos em volta, nomeadamente para o trabalho mais "físico" e/ou menos qualificado, vemos alguma automatização por aí além comparando com, digamos, os anos 90? Olhe-se para uma loja, um restaurante, um estaleiro de construção civil, uma exploração agrícola, um hotel, uma traineira de pesca, etc; será que usam significativamente mais máquinas e menos pessoas do que há 20 anos? Pelo que vejo (e admito que é mais fácil "ver" nuns sectores do que noutros), não me parece - por exemplo, o barbeiro onde eu vou desde os 6 anos cortar o cabelo parece-me igualzinho. Ok, no caso das lojas, admito que haja uma automatização "invisível" - uma loja "física" (seja de que produto for) tem mais ou menos o mesmo pessoal e tecnologia que uma loja de há 20 anos, mas agora há também as lojas virtuais, que suponho tenham muito menos pessoal (mas até que ponto o menos pessoal no atendimento ao cliente não é compensado por mais pessoal a entregar encomendas é discutível). De qualquer maneira, parece-me que nesses sectores as grandes inovações tecnológicas poupadoras de trabalho ocorreram nos anos 50, 60, 70, um pouco nos 80 (sobretudo em Portugal, em que demoramos um bocado a adotar tecnologias que já estavam generalizadas noutras países), e que hoje em dia o que há é inovações aqui e ali, mas nenhuma revolução tecnológica digna desse nome (e muitas das inovações poupadoras de trabalho parecem-me ser, não via automatização, mas simplesmente pôr os clientes a fazer o trabalho que antes era feito pelos empregados).

Veja-se, aliás, a popularidade que, na banda desenhada e/ou na ficção cientifica, o robot antropomórfico (ou pelo menos com braços e algo similar a pernas) tinha nos anos 50-60-70, desde o "Lampadinha" (um personagem criado em 1956) até aos robots da Guerra da Estrelas (1977) ou os cylons da Gallactica (1978), enquanto hoje em dia parece-me que quase só aparece em obras que são continuações de obras anteriores (como as séries Guerra das Estrelas/Star Wars ou Exterminador Implacável) - provavelmente o sinal de uma época em que a expetativa era de que o trabalho físico fosse ser quase todo feito por máquinas.

Nos dias de hoje, o grande progresso tecnológico parece-me sobretudo centrado num sector especifico - o trabalho mental não-criativo, como empregos "de escritório" e afins, que é o género de trabalho que é facilmente feito por computadores (nem o trabalho físico nem o trabalho criativo parecem-me muito adequados a serem feitos por computadores) - e, voltando ao tema da cultura popular, parece-me que nas últimas décadas o computador tem ganhado grande terrenos ao robot como protagonista de filmes e livros (um indicio que ultimamente a automatização tem sido sobretudo ao nível do trabalho mental e vez do físico?). Mas talvez seja por isso que entre as classes intelectuais é popular a ideia que está a haver uma grande destruição de empregos por causa da automatização: a automatização até não é muita no conjunto da economia, mas está a ocorrer ao pé deles (não tanto nos seus trabalhos, mas nos trabalhos de pessoas muitas vezes nos mesmos edifícios).

Leituras recomendadas, que podem parecer não ter nada a ver com o assunto, mas acho que até têm:
America, the Boastful, por Paul Krugman (1998)
- The Skill Content of Recent Technological Change: An Empirical Exploration [PDF], por David H. Autor, Frank Levy e Richard J. Murnane

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Ainda sobre a dominação ideológica da classe dominante

Ainda acerca disto, noto que, se substituirmos o Pai Natal pelo distribuidor de presentes da minha infância (o "menino Jesus", que por sua vez acaba por ser um semi-sinónimo de Deus), temos simplesmente as críticas tradicionais à religião; sobretudo os pontos 1 e 2 são equivalente às críticas de que a ideia de Deus é usada para legitimar como justas a desigualdade económica e a autoridade dos governantes.

Friday, December 25, 2015

Pai Natal - agente da burguesia?

5 Signs That Santa Claus Is Actually a Puppet for the 1%:

[U]pon closer examination, I began recognizing Santa for what he is: a tool for the 1%.

It’s time to pull back his beard and expose Santa for who he really is; here are 5 clues that Mr. Claus is in lockstep with the elite

Tuesday, December 22, 2015

Uma nota sobre bancos

Será que a melhor coisa que pode acontecer aos paises da "periferia" europeia não é exatamente os "seus" bancos ficarem nas mãos de grandes grupos bancários internacionais?

Veja-se o caso da Grécia - se a Grécia não tivesse bancos próprios, se calhar tinha conseguido encostar "as instituições" à parede no Verão passado, já que o BCE já não teria a arma de cortar (ou, em rigor, não aumentar) o financiamento à banca grega para os obrigar a aceitar o acordo com os credores; no fundo, uma das razões porque as cidades dos EUA podem ir à falência (por outras palavras, reestruturar a dívida) sem haver risco de sairem do dólar é exatamente porque os balcões bancários abertos nessas cidades são agências de bancos pan-norte-americanos, não são bancos locais.

Sugestão de leitura: Do the Greeks need Greek banks?, por Nick Rowe (Worthwhile Canadian Initiative)

A minha visão da situação política em Star Wars - Episódio 7

[Possíveis spoilers]

Thursday, December 17, 2015

A dieta vegetariana é a que mais prejudica o meio ambiente?

Parece que sim, mas tenho dificuldade em perceber a lógica - afinal, comer carne implica que antes esses animais comam vegetais, e ainda por cima para produzir uma caloria animal, esse animal vai ter que ingerir mais que uma caloria vegetal (se fossêmos pelo que é ensinado nas aulas de biologia do 8º ano, seria necessário 10 calorias vegetais para produzir uma caloria animal, mas no caso do gado doméstico o rácio é menor do que os 10:1, já que as espécies foram selecionadas durante milénios para maximizarem a rentabilidade); ou seja, comer carne não implicaria ter tudos os custos ambientais associados à produção inicial dos vegetais que vai ser comidos pelos animais, e depois ainda os custos associados à criação dos animais? A menos que produção de vegetais para serem comidos por animais tenha custos ambientais muito inferiores à produção de vegetais para consumo humano direto (afinal, normalmente não são os mesmos vegetais - nós nem conseguimos digerir erva, e "fibras" em geral).

Este parece ser o estudo original, Energy use, blue water footprint, and greenhouse gas emissions for current food consumption patterns and dietary recommendations in the US.

já agora, uma coisa que acho irritante é quando na comunicação social portuguesa (incluindo na online) se faz referência a "estudos" sem indicar quase nenhuma pista (como um link, ou o nome do estudo, ou o jornal acadêmico que o publicou) que permita chegar ao estudo; aqui, a notícia do SAPO Lifestyle nem sequer linkava para o artigo de The Independent que referiam (suponho que fosse este). Se na imprensa escrita ainda se percebe (mas mesmo aí poderiam publicar os títulos dos estudos), na on-line não têm grande sentido não terem links para o estudo original (ou nem sequer para o artigo jornalístico onde foram buscar a notícia).

Wednesday, December 16, 2015

A extinção progressiva da sobretaxa (alterado)

Versão original:

Se foi isto[pdf] que foi aprovado na reunião de hoje da Comissão Parlamentar do Orçamento[pdf], não parece ter nada a ver com o que tem sido anunciado - basicamente, parece-me uma redução para metade para toda a gente (sem os tais escalões e progressividades que se falava).

Mas talvez a proposta tenha sido entretanto alterada (talvez só nos próximos dias se saiba exatamente o que foi aprovado).

Alterado:

Afinal, é uma versão diferente, já com a tal progressividade[pdf]

Adenda 2:

O ponto 5 do artº 2º-A da proposta aprovada ("Da aplicação das taxa da tabela constante do nº 1 não pode resultar, em caso algum, a obtenção pelo sujeito passivo de um resultado líquido de imposto inferior ao que obteria se o seu rendimento coletável correspondesse ao limite superior do escalão imediatamente inferior") não anulará este suposto problema?

"Não representa o tradicional professor de matemática"

Nesta entrevista a Cédric Villani, o Expresso diz pelo menos 3 vezes que não corresponde ao estereótipo do matemático; pois a mim a impressão que fiquei (sem nunca ter ouvido falar dele antes) é que corresponde exatamente ao estereótipo de "excêntrico" associado aos matemáticos.

Sunday, December 13, 2015

Politica franco-portuguesa

O partido A fica em primeiro lugar, o B em segundo e o C em terceiro.

O partido B está à esquerda do partido A e à direita do partido C.

Os partidos B e C têm, em conjunto, mais votos que o partido A.

O partido C "dá" os seus votos ao B, e a aparente vitória do partido A transforma-se numa derrota em toda a linha.

Tuesday, December 08, 2015

restituição versus retribuição

Stephen Kinsella, um jurista anarch-libertarian faz a defesa interessante que a retribuição é prioritária em relação à restituição (numa sociedade, digamos, anarquista).

O problema de pré-fixar níveis de indemnização monetárias por morte como espécie de restituição (indemnização civil) é os ricos... poderem pagar.

Eu penso que esse problema talvez não exista - eu tenho a ideia que um sistema de restituição (em que os crimes são punidos com o pagamento de indemnização à vítima - ou aos seus herdeiros) pode sempre ser convertido num sistema de retribuição "olho por olho, dente por dente", se a vitima (ou os herdeiros) assim o entender.

Explicando o meu raciocínio: imaginemos que o castigo por matar alguém é pagar, digamos, 22.800 euros aos herdeiros da vítima; à primeira vista pode pensar-se que assim quem tenha muito dinheiro pode assassinar impunemente - afinal, o que são menos 22.800 euros? Mas a partir do momento em que ele paga os 22.800 euros aos herdeiros da vítima, estes podem sempre matá-lo também, e pagar o "preço de sangue" usando os 22.800 euros novinhos em folha que acabaram de receber (por outro lado, se ele não pagar, ainda mais fácil é - matam-no e dizem "ele devia-nos 22.800 euros, temos que pagar 22.800 euros aos herdeiros - é só fazer o acerto de contas e ninguém deve nada a ninguém").

Generalizando, num sistema em que o crime X é punido pagando à vitima/herdeiros a indemnização Y, a vítima/herdeiros tem sempre a possibilidade de cometer ele o crime X e usar o Y recebido para pagar o indemnização compensatória; e assim, na pratica um sistema restituitivo pode sempre se tornar num retributivo se a vítima/herdeiros assim o entender.

Estou assumindo um sistema sem "custos de transação" ou intermediação (comissões, taxas, honorários de advogados, etc.) - se esses custos existirem, afeta um pouco o raciocínio exposto (já que o que se paga para cometer um crime passa a ser um valor mais elevado do que o que se recebe por se ser vítima de um crime) mas penso que não no essencial (só se os tais custos de intermediação fossem muito elevados).

direito penal, restituição, retribuição e o ricos

Stephen Kinsella, um jurista anarch-libertarian faz a defesa interessante que a retribuição é prioritária em relação à restituição (numa sociedade, digamos, anarquista).

O problema de pré-fixar níveis de indemnização monetárias por morte como espécie de restituição (indemnização civil) é os ricos... poderem pagar.

Mas se a prioridade fosse a retribuição (sim, um olho por olho), um rico culpado por uma morte premeditada, estaria sujeito à retribuição de ser morto (pelas vítimas-herdeiros). Se pudesse negociar com as vítimas-herdeiros a não aplicação da retribuição (morte) iria em princípio pagar algo proporcional à sua riqueza, ou quem sabe, toda, ou sujeito a ser morto.

PS: A pena de morte seria pouco reivindicada mesmo no caso de pessoas com menos posses, se as vítimas-herdeiros tiverem a capacidade de negociar com o criminoso, o pagamento de indemnização futura, fruto do seu trabalho e rendimento futuro, teriam interesse que o pudesse fazer em boas condições. Instituições especializadas com espaços próprio (em vez das prisões actuais com os problemas que sabemos...) iriam oferecer a proporcionar essas condições. E ainda prévio a tudo isso, existiria a possibilidade de seguros de responsabilidade (do criminoso) sobre terceiros serem accionados. Seguros que seriam exigidos como norma standard para poder residir, trabalhar, circular.

Sunday, December 06, 2015

A democracia de Atenas: tentado evitar os problemas... da democracia



 * Demosthenes offers an example of the latter from Locri, a Greek colony in Italy, where the introduction of hasty or frivolous bills in the legislature was discouraged as follows:
In that country the people are so strongly of opinion that it is right to observe old-established laws, to preserve the institutions of their forefathers, and never to legislate for the gratification of whims, or for a compromise with transgression, that if a man wishes to propose a new law, he legislates with a halter round his neck. If the law is accepted as good and beneficial, the proposer departs with his life, but, if not, the halter is drawn tight, and he is a dead man.2
We’ve seen that the Athenians sought to avoid devices of representation wherever possible.  But when representation was necessary, Athenians preferred to select representatives by lot, via the method of “sortition.”  This is how we pick juries today, but the Athenians filled most other offices by the same means. They reasoned that elections tend to be won by those who are wealthy and prominent – in other words, by members of the upper classes. Sortition, by contrast, ensures that those selected will be a representative cross-sample of the population. 

*Democratic worries about the ability of the rich to translate their wealth into political power were likewise embodied in the institution of ostracism, whereby an individual could be voted into temporary exile with no charges or opportunity for defense.

*Juries, as I noted in the previous installment of this series, were extremely large by our standards, ranging from hundreds to thousands of members. This was partly to ensure proportional representation, and partly to prevent jurors from being bribed or intimidated.

* The Athenian solution, in the event of a guilty verdict, was for the prosecutor and the defendant each to propose a penalty, and the jury would then choose between the two penalties. This policy gave the litigants an incentive to avoid proposing excessively harsh or lax penalties; while the defendant would of course propose a laxer penalty than would the prosecutor, too lax a proposed penalty would risk leading the jury to pick the prosecutor’s harsher penalty, while too harsh a  penalty from the prosecutor would risk the reverse.

* A wealthy person chosen for the “honor” of funding a public festival was allowed to shift the burden to someone even wealthier; the means of determining comparative wealth was for me, say, to challenge you to exchange all of your wealth for all of mine, on the assumption that if you refused, you thereby acknowledge that you’re wealthier.

Even slaves benefited to some extent (though of course not terribly greatly) from the incentive structure of Athenian law. A slave could escape abusive treatment by resorting to a special place of sanctuary – but could then leave the sanctuary only if he found a new buyer. That’s admittedly not much as checks and balances go, but the option does introduce a slightcompetitive element into the slave system and thus a slight incentive for masters to treat their slaves less cruelly.

Saturday, December 05, 2015

10 anos do Vento Sueste

Faz hoje 10 anos que comecei este blogue; assim vou relembrar alguns posts (ou séries de posts) que escrevi desde então:

- Democracia Participativa vs. Representativa A Democracia Participativa na América, Democracia Participativa e Representativa (II), A "Segunda República de Vermont", Democracia Directa na Revolução Francesa?, Democracia Directa na Revolução Francesa (II)?, Democracia Directa na Revolução Francesa (III)?, Democracia Directa na Revolução Francesa (IV)?, Democracia Directa na Revolução Francesa (conclusão)?, Afinal não foi a conclusão, Guérin e o "socialismo real", de dezembro de 2005 (parte dos posts são em debate com "Joana" do blogue Semiramis; o blogue foi entretanto apagado após o desaparecimento ou morte da autora, pelo que reencaminhei alguns links nesses posts para um arquivo com a cópia do blogue original, para se perceber o contexto da conversa)

- Linux, Wikipedia, etc. - capitalistas, comunistas ou o quê?, O anarco-comunismo é absurdo?,Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo?, Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo? - II, Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo? - III, Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo? - Um aparte final, Afinal ainda vou escrever mais qualquer coisa, Anarquismos - 3º Round - Parte I, Anarquismos - 3º Round - Parte II, Anarquismos - 3º Round - Parte III, Anarquismos - 3º Round - Parte IV, Anarquismos - 3º Round - Parte V, Anarquismos - 3º Round - Parte VI, Anarquismos - 3º Round - Parte VII, Anarquismos - 3º Round - Parte VIII, Ainda a questão de quem decide do uso da propriedade comunitária, Continuando com a discussão sobre o anarquismo, Acerca de Ayn Rand, Continuando..., Espero que ainda tenham paciência para me aturarem com este assunto..., A polémica Carson-Reisman, A propriedade "natural" e Re: Comentários Finais, de  junho de 2006; a maior parte da conversa consiste num debate com Dos Santos do blogue My Guide to your Galaxy

-  A minha análise aos rankings das escolas públicas e privadas, de outubro e novembro de 2007; atenção que são 25 posts, pelo que quando chegarem ao fim da página, vão ter que clicar algumas vezes em "Older Posts" até os conseguirem ler todos (o primeiro a ser publicado - e portanto o mais abaixo - foi este e o último - ou seja, o primeiro que vão ver - foi este)

- Kika, gestora de activos financeiros Mercados financeiros - informação intercalar, Balanço dos investimentos da Kika, de fevereiro e março de 2008, onde se compara a capacidade de gestão de investimentos da equipa de gestão de um fundo de investimento bolsista com as de uma gata siamesa (esses posts podem ser conjugados com este, A "hipótese da eficiência dos mercados" e as suas implicações, de dezembro de 2011)

- Porque o liberalismo está condenado ao fracasso (I), (II), (III), (IV), (V) e (VI), de outubro de 2009

- Há benefícios sociais na educação?, Há benefícios sociais na educação? (II), (III),  Há prejuizos sociais na educação? e Há prejuizos sociais na educação (II)?, de setembro de 2010

- A vontade indómita e a sociedade "industrial-burguesa", de maio de 2011, acerca, entre outras coisas, da obra de Ayn Rand "Vontade Indómita"/"The Fountainhead" (que nunca li)

- Quando é que começa a vida de um zangão?, de março de 2012

- Re: Impossibity of Anarcho-Capitalism, Re: Impossibity of Anarcho-Capitalism (II) e Re: Impossibity of Anarcho-Capitalism (III), de maio de 2013, uma análise ao artigo Impossibility of anarcho-capitalism [pdf], de Tony Hollick

- Keynes contra Hayek? e Keynesianismo e Estatismo, de maio de 2014

- Razão e emoção (I), (II), (III), (IV), (V), (VI) e (VII), de outubro de 2015

10 anos

Parabéns ao Miguel Madeira pelo muito que aqui tem escrito. Em vez de listar aqui alguns dos meus posts passados prefiro deixar a intenção de aqui voltar a escrever. Acho que por ter revisitado uma pequena pérola-americanada. Enquanto existirem anarquistas pacifistas-armados um pouco por todo mundo, há esperança.


Uma análise "oposicionista de esquerda" às eleições venezuelanas

El derrumbe del gobierno y el rol de la izquierda, por Simón Rodríguez Porras, candidato do Partido Socialismo e Liberdade (o PSL é um partido "trotskista-morenista", mas de uma sub-corrente do "morenismo" diferente da que em Portugal é representada pelo MAS).

Friday, December 04, 2015

A posse de armas e os direitos cívis nos EUA

How Guns Helped Secure Civil Rights and Expand Liberty, por Damon Root, no blogue da Reason:

Yesterday's brutal shootings in San Bernardino, California, have reignited America's long-running debate over guns. Much of that debate is currently focused on violent criminal acts committed with the help of firearms. That focus is understandable in the aftermath of this horrific event. But it's important to remember that firearms routinely serve noble purposes as well. For example, guns played a key role in the Civil Rights Movement and its long campaign to achieve racial equality. To illustrate that point, here are three stories from the Reason archives that discuss the ways in which privately owned guns helped to expand freedom and secure civil rights for countless numbers of black Americans.

Wednesday, December 02, 2015

A decadência ideológica de "Arrow"?

Na primeira época, o herói dedicava-se sobretudo a lutar contra criminosos de colarinho branco e enfrentava uma conspiração das pessoas mais ricas da cidade.

Na quarta, a série parece ir pelo caminho de achar que "anarquia" (e o género de anarquia que usa o símbolo do A dentro do círculo) significa caos e violência.

Thursday, November 26, 2015

Afinal muita coisa é só para 2017

Impostos. O que muda (e o que não muda) em 2016 :

Em meados deste mês, o economista Mário Centeno (...) anunciou em entrevista que (...) seria criado um novo escalão de IRS para os mais pobres. Este escalão estaria ligado "à questão do complemento salarial anual, que é a criação do imposto negativo de um crédito fiscal", ou seja, "criar um novo escalão de IRS abaixo dos escalões que já existem". Mas este objetivo não se deverá cumprir através do Orçamento de Estado (OE) para 2016, segundo Fernando Rocha Andrade. (...)

A progressividade do IMI, outra promessa do Governo, também terá de esperar por 2017. Os socialistas pretendem, entre outros aspetos, introduzir no Imposto Municipal sobre Imóveis mecanismos semelhantes ao que existem no IRS: casas mais caras pagam mais; casa mais baratas pagam menos. Até agora, o sistema tem sido proporcional: a percentagem para todos os imóveis é igual, definida pelas autarquias, independentemente do valor do que é tributado. Esta é outro a tema a "exigir estudo", pelo que "nuca será aplicada antes de 2017", referiu o secretário de Estado.

O aumento da taxação dos dividendos também ficará adiada por outro ano. Atualmente, só paga imposto quem detenha participações inferiores a 2%. Agora, o novo Governo pretende alargar a base de incidência do imposto, fixando a fasquia de isenção em 10%. A medida, prevista no acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda, será mais uma das que precisa de ser analisada com mais tempo.

Do mesmo problema padece a questão das compensações de crédito. Neste momento, uma empresa que seja devedora ao Fisco de mil euros (devido aos pagamentos especiais por conta) e tenha a receber dez mil euros (em devolução por acerto de IVA), não poderá receber esta quantia enquanto não pagar o que deve. O Governo socialista pretende que estes dois pagamentos possam ser acertados. Apesar de esta medida possa ser criada por despacho governamental, sem ter de ser aprovada em Parlamento, também não será para já implementada: "precisa de ser estudada".

Wednesday, November 25, 2015

A pobreza causa terrorismo?

O papa parece considerar que sim.

No entanto, tal parece ser desmentido pela evidência empírica:

Cash rewards and poverty alone do not explain terrorism [PDF], por Alan Kruguer (2003):

The stereotype that terrorists are driven to extremes by economic deprivation may never have held anywhere, least of all in the Middle East. New research by Claude Berrebi, a graduate student at Princeton, has found that 13 percent of Palestinian suicide bombers are from impoverished families, while about a third of the Palestinian population is in poverty. A remarkable 57 percent of suicide bombers have some education beyond high school, compared with just 15 percent of the population of comparable age.

This evidence corroborates findings for other Middle Eastern and Latin American terrorist groups. There should be little doubt that terrorists are drawn from society's elites, not the dispossessed. (...)

It is still possible that well-off people in poor countries with oppressive governments are drawn to terrorism. (...)

To investigate this possibility, I have analyzed data the State Department collects on significant international terrorist incidents. The home countries of the perpetrators of each event were identified. More terrorists do come from poor countries than rich ones, but this is because poor countries tend to lack civil liberties.

Once a country's degree of civil liberties is taken into account -- measured by Freedom House, a nonprofit organization that promotes democracy, as the extent to which citizens are free to develop views, institutions and personal autonomy without interference from the state -- income per capita bears no relation to involvement in terrorism. Countries like Saudi Arabia and Bahrain, which have spawned relatively many terrorists, are economically well off yet lacking in civil liberties. Poor countries with a tradition of protecting civil liberties are unlikely to spawn terrorists.

Evidently, the freedom to assemble and protest peacefully without interference from the government goes a long way to providing an alternative to terrorism. (...)

The ultimate joke would be if civil liberties are sacrificed in the fight against terrorism, as a lack of civil liberties seems to be a main cause of terrorism around the world. Support for civil liberties should be part of the arsenal in the war against terrorism, both at home and abroad.
Apesar de tudo, pode haver um efeito indireto - por regra geral, os países com um nível de vida elevado tendem a ter mais liberdades civis do que os países em que há muito pobreza; o sentido da relação causa- efeito (se é que há algum) é discutível, mas se a pobreza contribuir para restrições das liberdades civis, e se (como parece demonstrado) poucas liberdades civis conduzem a terrorismo, então poderá haver aqui um canal indireto pelo qual a pobreza acabe por causar terrorismo; note-se que este mecanismo indireto não implica que os terroristas sejam pessoalmente pobres: mesmo que seja a pobreza a causar regimes autoritários, o autoritarismo afeta toda a gente vivendo nessas sociedades, sejam pobres ou, digamos, jovens universitários ou recém-licenciados da classe média-alta.

Sunday, November 22, 2015

Cavaco Silva, o presidente que sabe como reforçar as alianças?

Recordo o que escrevi em 2013:

...talvez a recomendação presidencial de negociações tripartidas PSD-PS-CDS tenha contribuído para melhor as relações entre o PSD e o CDS: nas negociações bilaterais entre o PSD e o CDS, gerava-se automaticamente uma dinâmica de "eu contra ti", com cada partido a tentar extrair concessões do outro; a partir do momento em que passaram a trilaterais, provavelmente gerou-se uma dinâmica de "nós contra ele", com o PSD e o CDS a fazerem "frente unida" contra o inimigo comum (aliás, a existência de um inimigo externo sempre foi, ao longo da História, uma das melhores receitas para juntar facções até então desavindas)...

Será que não se está a passar algo parecido agora com os acordos entre o PS, o BE e o PCP (neste momento suponho que os 3 partidos dão-se melhor do que se dariam se Costa tivesse sido logo indigitado)?

Tuesday, November 17, 2015

Porque os bancos andaram a emprestar a Portugal?

No Destreza das Dúvidas, Fernando Alexandre interroga-se sobre "o que terá levado os mercados financeiros a cederem-nos crédito a jorro, mesmo depois de se terem tornado evidentes os bloqueios estruturais que conduziram à estagnação da nossa economia desde o início do século XXI. O rendimento de Portugal deixou de crescer, o desemprego não parou de aumentar e os activos da economia portuguesa desvalorizaram-se, mas continuaram a emprestar-nos dinheiro."

 É verdade que em termos reais a economia portuguesa quase não cresceu este século - mas será que da perspetiva de um credor o crescimento real será o mais relevante? Imagine-se que eu emprestava 100.000 euros a alguém (um estado, um indivíduo, uma empresa, penso que não faz grande diferença) no estrangeiro, vivendo num país (usando o euro como moeda) com um crescimento económico real de -10% (ou seja, com a economia em recessão profunda)... e uma inflação de 80%; apesar da recessão seria um investimento muito arriscado? Talvez não - mesmo que o rendimento real do meu devedor estivesse a diminuir, o seu rendimento nominal estaria a aumentar, e é sobretudo o rendimento nominal dele que me interessa para saber se ele vai ter capacidade para me pagar os 100.000 euros (e mais os juros) de volta.

Pode-se dizer que se a inflação nesse país é assim tão alta, não é boa ideia emprestar dinheiro a alguém nesse país, já que a inflação vai reduzir bastante os juros reais (ou, então, só emprestar a um juro nominal elevado) - mas a mim a taxa de inflação no país onde vivem os meus devedores não me interessa para nada para o meu juro real, faço as contas é com a inflação do meu país; um exemplo, se eu vivo no país A com uma inflação de 2%, é melhor negócio fazer uma aplicação financeira no país B, com um juro nominal de 5% e uma inflação de 6%, do que no país C, com um juro nominal de 3% e uma inflação de 0%.

Bem, e então como evoluiu o crescimento nominal e real da economia portuguesa neste século?

Foi à base de dados do Eurostat, peguei nas estatísticas "GDP and main components - Current prices [nama_gdp_c]", "GDP and main components - Price indices [nama_gdp_p]" e "GDP and main components - volumes [nama_gdp_k]" (confesso que não estou seguro que estas sejam as melhores estatísticas para investigar o que quero saber, mas foram as primeiras que achei), de 2000 a 2010 para alguns países, trabalhei-as um bocadinho, e cheguei a estes resultados:



Taxa de crescimento
PIB real Inflação PIB nominal
Euro-18 12,1% 20,7% 35,2%
Alemanha 10,0% 10,8% 21,9%
Irlanda 27,4% 17,5% 49,7%
Grécia 22,3% 31,7% 61,1%
Espanha 22,4% 35,6% 66,0%
França 11,7% 20,4% 34,5%
Itália 3,7% 24,9% 29,5%
Portugal 7,1% 26,8% 35,8%

Atenção que estas percentagens são o crescimento total de 2000 a 2010, não é uma taxa anual de crescimento; bem, e o que concluo daqui? Que em termos de crescimento real Portugal foi uma desgraça no século XXI, mas em termos de crescimento nominal não foi mau de todo (esteve abaixo dos outros PIIGS, mas a um nível similar à média da zona euro); logo, se fizer sentido assumir que para os credores o crescimento nominal seja mais importante que o real, poderá estar aqui uma explicação para estes terem demorado uma década até deixarem de emprestar dinheiro?

"Matar em nome de Deus é converter Deus num assassino"

Muitos dos meus amigos andam a repetir isso nas redes sociais; é intenção deles é boa, mas a verdade é que a aceitarmos como verdadeira a suposta biografia autorizada de Deus (a.k.a. Bíblia - sobretudo o Antigo Testamento, aceite tanto por judeus como cristãos, e creio que mesmo os muçulmanos discordam nos detalhes - estilo se era Isaac ou Ismael que ia ser sacrificado - mas aceitam o geral da linha narrativa) já temos vários episódios que fariam de Deus um assassino - dilúvio, Sodoma e Gomorra, primogénitos do Egito, etc. (e aí nem são casos de alguém a matar em nome de Deus - é mesmo Deus propriamente dito a proceder a assassínios em massa).

Thursday, November 05, 2015

O que é a classe média (post n+1 sobre o assunto)?

What Middle Class?, por Marian Coombs, em The American Conservative:

Everyone loves the middle class. Everyone claims to be middle-class—some to put a gloss on their sketchy escutcheons, others to dodge chastisement for their awkward riches. But in fact both the socioeconomic reality and the concept of the middle class have been turned on their heads and, at the same time, trivialized into a mere lifestyle choice.

Economically, the middle classes were once proprietors, self-employed owners of property and their own labor. Morally, they were the equivalent of “solid citizens”: decent, hard-working, law-abiding, temperate, proper, staid, virtuous, and—well, moral. The qualifications for being middle class have gotten a whole lot looser, to say the least. (...)

Circa 1800, 80 percent of Americans were self-employed. By 1870 it was 41 percent. By 1940 it was 18 percent. By 1967 it was only 9 percent. (The figures are from Victoria Bonnell and Michael Reich, Workers in the American Economy: Data on the Labor Force.) Now, we are told, it is really only the “One Percent.” 

“Middle class,” meanwhile, came to mean anyone who works for a living. It is not unusual to see “middle class” and “working class” used interchangeably, which has led to the cheesy equivalence of “white collar” and “blue collar.” Even the unemployed are now eligible for elevation to the great middle. Anyone who has clung to a part-time job or might get one via state largesse is potentially middle-class. Only the rich don’t qualify.

Middle class, in other words, has completely lost its socioeconomic bearings.

Wednesday, November 04, 2015

"Rendimento Básico Incondicional", "Rendimento Social de Inserção" e "Complemento Salarial" - hipótese de um entendimento mínimo?

Em primeiro lugar, para quem não saiba bem a diferença entre os três, ver aqui ou (numa versão mais complexa) aqui (o "complemento salarial" é o que eu nos posts chamei "estilo EITC").

Apesar das polémicas entre os defensores de cada um dos três modelos, talvez haja uma coisa em que possam concordar; atualmente, por cada euro de rendimentos do trabalho auferido por beneficiários do RSI, são descontados 85 cêntimos no valor do subsídio; e se esse valor for reduzido (p.ex., para 75 cêntimos), de forma a que o ritmo a que o RSI desce à medida que o rendimento familiar aumenta seja menos acentuado?

- Os defensores do sistema RSI poderiam ser a favor, já que significaria à mesma mais dinheiro para grande parte dos beneficiários do RSI

- Os defensores do sistema RBI também poderiam ser a favor, já que é um passo no sentido de universalizar a prestação (no fundo, se o desconto por euro recebido descesse para 0 cêntimos, o RSI tornaria-se algo quase igual a um RBI)

- os defensores do sistema EITC/Complemento Salarial também poderiam ser a favor, já que esse aumento dos subsídios seria canalizado exatamente para os trabalhadores com baixos salários, que é suposto serem os destinatários do "complemento"

Agora, uma potencial objeção - uma medida dessas não poderá ter exatamente a mesma objeção que eu aqui faço ao Complemento Salarial, que se pode converter indiretamente num subsídio ao empregadores (pelo efeito de aumentar a oferta de trabalho e assim fazer baixar os salários)?

Depende do que estivermos a comparar - um RSI em que se desconte 75 cêntimos por cada euro ganho poderá levar a uma maior oferta de trabalho do que um RSI em que se desconte 85 cêntimos por euro (digo "poderá" por causa dos dois possíveis efeitos contraditórios que refiro no fim deste post), logo a salários mais baixos; mas nunca serão mais baixos do que num sistema em que não exista RSI (pelo contrário, dependendo dos moldes em que for desenhado, um sistema de EITC/Complemento Salarial, poderá levar mesmo a salários mais baixos do que haveria se o estado não fizesse nada).

[Post publicado no Vias de Facto - podem comentar lá]

Patriotismo - uma forma de "politicamente correto"?

Patriotism as Political Correctness: The Conquest of America, por Bryan Caplan:

I scorn political correctness in all its forms - and its most widespread and successful form is patriotism.  Think about it: Schools take millions of kids, then endlessly tell them they all belong to the same glorious blameless imaginary community.  Any child who thinks otherwise - who insists that his so-called "fellow Americans" are mere strangers with no special claim on his time or affection - is a pariah.  The patriotism of political correctness is so powerful that only a few iconoclasts treat it as controversial.

Tuesday, November 03, 2015

As revoluções são violentas?

A Paradise Built in Hell, por Robert Kirchner (Center for a Stateless Society):

Solnit’s discussion of the similarity between disaster responses and political revolutions includes a striking insight. We are used to thinking of revolutions as often violent events; indeed, it is a staple of classic conservatism, from Burke onwards, that revolutions inevitably lead to bloodbaths. In fact, revolutions proper, i.e. the sudden overthrow of existing state power, are typically relatively bloodless (e.g. the storming of the Bastille, the establishment of the Paris Commune, the Zapatista uprising in Chiapas). It the reconquest of such a society by those who want to establish a new state, or a return of the old state, that results in bloodbaths.
[O artigo é sobretudo sobre desastres naturais - esta referência às revoluções até aparece numa nota de rodapé]

Monday, November 02, 2015

Decapitações

Algo que li num comentário a um artigo da Reason (artigo isso que provavelmente voltarei a linkar daqui a uns dias ou semanas, mas achei que este comentário mereceu o seu próprio post):

So she either defers to French law or she defers to Islamic tradition.

Knowing full well the barbaric extent of Islamic tradition, I think I'd rather "suffer" the imposition of laicite. France hasn't beheaded anyone since 1789. Muslim-majority societies haven't had a beheading since, uh... 20 minutes ago?

Wednesday, October 28, 2015

As carnes processada são tão perigosas como o tabaco?

Nos últimos dias têm-se dito que "as carnes processadas - como o bacon, as salsichas, os hambúrgueres e o presunto - provocam cancro e são tão perigosas como o tabaco".

Não são nada - sim, a OMS colocou-as no mesmo grupo que o tabaco, mas os grupos da OMS não são organizados pelo critério "dimensão do risco de provocar cancro", mas sim pelo critério "grau de certeza que existe sobre o risco de provocar cancro"; neste caso, o tal grupo em que foi incluído tanto o tabaco como as carnes processadas representa as substâncias em que há certeza que aumentam o risco de desenvolver cancro - mas inclui tanto aquelas em que há certeza que aumentam bastante o risco de ter cancro (como o tabaco) como aquelas em que há certeza de que aumentam pelo menos ligeiramente o risco de ter cancro (como é o caso das carnes processadas); o fator relevante aqui é a certeza, não o aumentarem muito ou pouco o risco (para os leitores que percebam de estatística, o que interessa aqui é se o efeito é estatisticamente significativo, não se é grande ou pequeno).

Tuesday, October 20, 2015

"Frente Popular"?

Tem sido usual chamar a uma eventual aliança PS/BE/CDU de "Frente Popular".

No entanto, tecnicamente (pelo menos se quisermos fazer uma analogia com as "frentes populares" dos anos 30), uma frente popular seria uma aliança entre o PS, o BE, a CDU... e o PSD (que será o mais parecido em Portugal com o Partido Radical em França, ou com a Esquerda Republicana de Azaña e sobretudo com a União Republicana de Martinez Barrio em Espanha): as frentes populares eram suposto serem alianças entre socialistas, comunistas, esquerdsitas diversos (como o POUM ou o BE) e a "burguesia liberal".

Monday, October 12, 2015

Razão e emoção (VII)

Mas talvez haja aqui um problema mais profundo - talvez seja mesmo difícil definir o que quer dizer "razão" (tal como é difícil definir "inteligência", conceito que é quase a mesma coisa do que "razão"), tendo como corolário que seja difícil definir o que é o oposto de "razão" (p.ex., suspeito que muita gente terá reticências ao que fiz em vários dos posts anteriores - apresentar "bom senso" como sendo o antónimo de "razão"*).

Em tempos, vi um episódio da série televisiva House, M. D. em que ocorre um bom exemplo do que pode ser a ambiguidade à volta de conceitos como "razão" e "racional": o "Dr. Foreman" (o chefe do protagonista) está a tentar obrigar o protagonista a aceitar qualquer coisa e está a conversar sobre isso com o "Dr. Wilson" (o melhor amigo do protagonista). O diálogo:
Dr. Foreman - Ele vai aceitar; ele é racional.

Dr. Wilson - Ele não é racional!

Dr. Foreman - Ele é racional; às vezes é tão racional que até irrita

Claramente os dois personagens estão usando diferentes definições de "racional" (para quem não conheça a série, uma descrição da personalidade do protagonista)

* este ponto pode ser ele próprio uma ilustração da diferença entre "bom senso" (ou o que lhe queiramos chamar) e "razão" - quando se houve falar de "razão" e "bom senso", a ideia que nos vem naturalmente à cabeça (ou seja, o "bom senso") é de que serão conceitos quase idênticos; já a ideia que poderão ser opostos implicará uma reflexão analítica e aprofundada (ou seja, a "razão").

[Para os leitores - assumindo que ainda alguém lê blogs... - que já estejam fartos desta temática - este deverá ser o último post da série]

Razão e emoção (VI)

Mais um argumento indiciando que não há à partida nenhuma contradição entre "razão" e "emoção" - o fenómeno que alguns designam como "paixão intelectual": isto é, pessoas que adoram atividades intelectuais que impliquem uso da razão (jogar xadrez, "piratear" sites informáticos, etc.). Aqui temos, ao mesmo tempo, emoção (já que essas pessoas gostam ou adoram essas atividades) e razão (pela natureza das atividades).

Wednesday, October 07, 2015

Razão e emoção (V)

Ainda a respeito deste assunto, outra coisa que me ocorre é a conversa que por vezes aparece de que os modelos económicos neoclássicos assumem que os agentes serão desprovidos de emoções ou de paixões.

Isso é um disparate, claro - as emoções estão mais que incorporadas nos modelos económicos: o que são as "preferências", as "funções utilidade" ou as "curvas de indiferença" se não a formalização das emoções/sentimentos/paixões dos agentes?

Se alguma coisa, os economistas (incluindo os que seguem a metodologia neoclássica) até são muito mais dados a aceitar a validade das emoções/sentimentos/paixões do que grande parte das pessoas "normais" (exemplo - para a maior parte das pessoas, alguém abandonar um curso com excelentes perspectivas de emprego - digamos, engenheiro informático - para se dedicar à flauta é algo "irracional", mas um economista achará esse comportamento como perfeitamente racional, significando apenas que a utilidade que o agente deriva de tocar flauta é maior da que obteria com o dinheiro que ganharia tirando o outro curso - e assim deixar o curso é a opção que maximiza a utilidade).

A ideia de que os economistas ignoram as emoções/sentimentos/paixões vem, é claro, de os modelos neoclássicos assumirem agentes puramente racionais; e como na cultura popular "razão" e "emoção" são vistos como opostos, gera-se a ideia que os economistas ignorarão as emoções.

Razão e emoção (IV)

Uma forma de testar isto ou isto talvez fosse testado a correlações entre os chamados "5 grandes" fatores da personalidade e provavelmente também inteligência: o ser "emocional" poderia ser medido pelo fator "neuroticismo"; o ser "racional" será provavelmente uma combinação de inteligência e de "abertura" (esta é complicada, porque "abertura" é um índice composto que mistura coisas como interesses intelectuais e sensibilidade artística - o ideal seria comparar apenas com uma sub-escala referente à parte intelectual).

Uma correlação negativa entre "neuroticismo" e inteligência e/ou "abertura intelectual" seria um ponto a favor da dicotomia tradicional; uma correlação próxima do zero, a favor da independência entre "razão" e "emoção"; uma correlação positiva a favor da minha segunda hipótese (de uma associação positiva entre "razão" e "emoção", ou, por outras palavras, de uma associação negativa entre "bom senso" e "sensibilidade")

Provavelmente fazendo uma busca na internet rapidamente se encontrará montes de artigos sobre o assunto (eu tentei fazer essa busca no Google, mas como na primeira página não encontrei nada que me parecesse relevante desisti).

Tuesday, October 06, 2015

Razão e emoção (III)

Ainda a respeito da suposto dicotomia razão-emoção, para falar a verdade, ocorre-me uma tese mais radical da que exponho aqui, de que "os eixos razão vs. instinto/bom senso/senso comum/intuição e emoção vs. calma parecem-me perpendiculares, sem qualquer oposição entre entre razão e emoção". Será que, no mundo real, até não há uma correlação positiva entre "razão" e "emoção" (ou, dito de outra maneira, uma oposição entre "sensibilidade" e "bom senso")?

Isto é, o que suspeito é que muitas vezes as pessoas mais racionais e analíticas (que fazem sempre grandes reflexões e análises antes de chegar a qualquer conclusão, e muitas vezes com interesse em temas como xadrez, matemática, filosofia, programação informática e/ou discussões teóricas) até são as mais dadas a serem afetadas por emoções intensas (sejam essas emoções ataques de fúrias, nervosismo, paixões obsessivas, ansiedade, entusiasmo, etc, etc. - o catálogo é provavelmente infinito), enquanto as pessoas que vivem mais de acordo com regras expeditas (o tal "bom senso") e que não perdem muito tempo com "especulações" até não serão muitas vezes as mais calmas e emocionalmente equilibradas?

Há uns tempos esteve na moda a teoria da distinção entre inteligência e "inteligência emocional", com os seus proponentes a dizerem que muitas vezes as pessoas com alta inteligência tinham baixa "inteligência emocional"; se assumirmo que "inteligência" e "razão" andam perto ("razão" será talvez um misto de "inteligência" e "tendência para a reflexão") e que "inteligência emocional" (ao contrário do que o nome pode dar a entender) parece-me, na prática, siginificar ser pouco emocional (creio que a definição teórica será mais algo como saber controlar as emoções, mas na prática acho que isso vai dar em ser pouco emocional), não será algo parecido com a tese que avento neste post?

Mais dois ponto:

Compare-se as seguintes frases: "Fulano é uma pessoa muito emocional, que pensa sempre muito antes de fazer qualquer coisa" e "Fulano é uma pessoa muito nervosa, que pensa sempre muito antes de fazer qualquer coisa"; estas duas frases são quase iguais em significado (quase, porque "muito nervoso" implica "muito emocional", mas o inverso não), mas a segundo soa como algo relativamente normal de se dizer, enquanto à primeira audição a primeira parece quase um contra-senso (um exemplo dos efeitos do framing?).

Se a hipotese que proponho neste post fizer sentido, terá alguma ligação com o que deu origem à conversa (a tendência para a esquerda ou para a direita)? Talvez; não me admirava que as pessoas "racionais" e "emocionais" tenham tendência para a esquerda, para o extremismo e/ou para posições minoritárias, enquanto as pessoas com mais "bom senso" e emocionalmente equilibradas tenham tendência para a direita, para a moderação e/ou para posições maioritárias (mas isto, claro, são puros palpites a partir de uma tese que é ela própria apenas um palpite).

Razão e emoção (II)

Mas há uma reflexão mais profunda que me ocorre acerca da suposta dicotomia razão-emoção; imagine-se uma dicotomia entre pessoas que gostam ir à praia e pessoas que gostam de costeletas de borrego.

Perante esta suposta dicotomia, a maior parte das pessoas reagiria "Hum?? Mas o que tem uma coisa a ver com a outra? Podem perfeitamente haver pessoas que adoram praia e costeletas de borrego, e inversamente pessoas que detestam ambas as coisas".

E é exatamente aí que eu quero chegar a respeito da razão-emoção: a mim parece-me que o oposto de "razão" é, conforme as circunstancias, "instinto"/"bom senso"/"senso comum"/"intuição" (abaixo, escrevo um pouco mais sobre isso), e o oposto de "emoção" é "calma"; à partida, os eixos razão vs. instinto/bom senso/senso comum/intuição e emoção vs. calma parecem-me perpendiculares, sem qualquer oposição entre entre razão e emoção.

A respeito do "instinto", do "bom senso", do "senso comum" e da "intuição" - são conceitos diferentes, mas têm todos em comum a ideia de tomar decisões e/ou chegar a conclusões sem precisar de pensar no assunto, por um processo quase automático similar a um reflexo físico (enquanto "razão" significa chegar as conclusões através da reflexão e da análise): "instinto" costuma ser usado quando se parte do princípio que é algo natural que já nasceu com a pessoa (mas por vezes é usado figurativamente, quando por exemplo se fala em "desenvolver o instinto de...", no sentido de qualquer automatismo mental, mesmo que adquirido), "senso comum" a algo que uma pessoas interioriza por desde sempre ter convido com essas ideias, "intuição" quando - ao contrário do "senso comum" - se refere a uma ideia excêntrica que ocorreu à pessoa em causa, e "bom senso" é quase a mesma coisa que "senso comum", com um pouco de "instinto" à mistura. Diga-se que, embora haja vários substantivos para designar o tal processo de "reflexo mental", o adjetivo "intuitivo" é usado em geral para todos eles.

Aliás, a própria ideia de uma dicotomia razão-emoção parece-me ela própria um exemplo de "reflexo mental" - é uma ideia que nos ocorre intuitivamente, mas creio que não sobrevive a uma análise lógica (que é o que tentei fazer neste post).

Razão e emoção (I)

Luís Aguiar-Conraria fala aqui da tendência que por vezes existe para a esquerda falar como se tivesse o monopólio do coração e a direita como se tivesse o monopólio da razão. Também há uns tempos Chris Dillow escreveu um artigo sob o mesmo tema.

Mas uma coisa que me ocorre é que me parece, sobretudo acerca da esquerda, haver dois estereótipos quase contrários - por um lado, há a tal tendência para achar que a esquerda será mais emocional e a direita mais racional; mas, ao mesmo tempo, também há uma tendência para achar que os esquerdistas são teóricos frios e abstratos, cuja dita "consciência social" é motivada menos por uma empatia afetiva com as pessoas que sofrem, e mais por uma adesão cerebral a um sistema ideológico para, supostamente, melhorar o mundo (e que daí a darem tiros ou guilhotinarem pessoas de carne e osso em nome da Humanidade e do Progresso abstratos pode ir um saltinho) - creio que Edmund Burke até escreveu qualquer coisa de o espirito revolucionário ser o resultado da mentalidade dos geómetras e dos químicos, que levariam para a política a mentalidade criada nos seus diagramas e tubos de ensaio.

Essas duas visões talvez não sejam necessariamente contraditórias, mas parece-me haver uma potencial tensão entre elas (uma confissão pessoal - fazendo uma auto-análise, acho que a segunda descrição aplica-se mais a mim que a primeira; a maior parte dos leitores não me conhecem pessoalmente, mas duvido que alguém que me conhecesse fosse dizer que eu teria "coração mas não razão", ou coisa assim). Ou será que se trata de esquerdas diferentes, e o estereótipo do "coração sem razão"/"bleeding hearts" será mais dirigido à soft left anglo-saxónica, e o do "teóricos abstratos e geométricos" à esquerda revolucionária continental?

Monday, October 05, 2015

Se António Costa fosse do PSD

Nesta altura estaria a defender a demissão de Passos Coelho da liderança do partido e a apresentar-se como candidato à sucessão.

Monday, September 28, 2015

Qual a causa da força do Bloco em Portimão? (revisitado)

Há 6 anos, interrogava-me sobre qual a causa da força do Bloco de Esquerda em Portimão.

Há muito que planeava escrever mais um post (com um estudo mais sólido) sobre o assunto - como em poucos dias tudo pode ficar desatualizado, vou postá-lo agora, com dados de 2011 (ou seja, tudo isto é antes de lideranças bicéfalas, Livres, Agires, e, já agora, antes de o Bloco ter apresentado um cabeça-de-lista de Portimão).

Poderá argumentar-se que os bons resultados do Bloco de Esquerda em Portimão, em particular, e no Algarve em geral, serão em grande parte resultado do papel desempenhado pelo bloquista portimonense João Vasconcelos (o cabeça-de-lista em 2015) no movimento contra as portagens na Via do Infante; provavelmente é o caso, mas se for isso continua por explicar o porquê de, pelos vistos, no Algarve elementos ligados ao BE terem tido mais influência nos movimentos sociais locais do que noutras regiões do país; ou seja, acho que mesmo assim se mantêm (por vias travessas) a questão "onde vem a força do BE em Portimão e no Algarve".

Uma regressão econométrica tentando explicar as votações concelhias (2011) do Bloco de Esquerda:

Modelo 31: Mínimos Quadrados (OLS), usando as observações 1-308
Variável dependente: BE

                 coeficiente    erro padrão    rácio-t    valor p
  ----------------------------------------------------------------
  const          -3,87600        0,409201      -9,472    8,84e-019 ***
  escolaridade    0,0925719      0,00909473    10,18     4,43e-021 ***
  Litoral         1,15293        0,142350       8,099    1,43e-014 ***
  PS1995          6,66949        0,677741       9,841    5,71e-020 ***
  CDU1995         3,58233        0,658800       5,438    1,13e-07  ***
  UDP1995        68,2910        16,8607         4,050    6,53e-05  ***
  id0_14         12,1584         2,59345        4,688    4,20e-06  ***
  densidade      -0,000357814    8,13896e-05   -4,396    1,53e-05  ***
  Ilhas          -1,20755        0,241932      -4,991    1,02e-06  ***
  Salvaterra      3,35424        0,978159       3,429    0,0007    ***

Média var. dependente   4,194935   D.P. var. dependente    1,964762
Soma resíd. quadrados   281,1634   E.P. da regressão       0,971340
R-quadrado              0,762753   R-quadrado ajustado     0,755588
F(9, 298)               106,4528   valor P(F)              1,15e-87
Log. da verosimilhança -422,9938   Critério de Akaike      865,9877
Critério de Schwarz     903,2887   Critério Hannan-Quinn   880,9023

escolaridade - percentagem da população com pelo menos a escolaridade obrigatória em 2001 (fonte)
Litoral - se o concelho fica num distrito do litoral ao do interior (atenção que todos os concelhos de, p.ex., Faro ou Beja estão contados como "litoral")
PS1995 - votação do PS nas eleições legislativas de 1995 (fonte)
CDU1995 - votação da CDU nas eleições legislativas de 1995
UDP1995 - votação da CDU nas eleições legislativas de 1995
id0_14 - percentagem da população até aos 14 anos em 2011 (fonte)
densidade - densidade populacional em 2011 (fonte)
Ilhas - variável dummy indicando Madeira ou Açores
Salvaterra - variável dummy indicando o concelho de Salvaterra de Magos

Em primeiro lugar, alguns resultados fáceis de esperar - a votação do BE está positivamente associada com a escolarização, com o litoral e com a proporção de menores de 15 anos (que é provavelmente uma proxy para "muitos casais jovens com filhos nessas idades"); poderia-se pensar que essas variáveis estariam fortemente associadas e no fundo medissem a mesma coisa, mas penso que não: qualquer uma destas 3 variáveis tem com cada uma das outras correlações da ordem dos 0,42.

Em termos partidários, também há uma associação positiva às votações em 1995 do PS, da CDU e da UDP (não há associação significativa com os resultados do PSR); o principal efeito é com a votação do PS, provavelmente devido ao seu maior peso absoluto (e talvez a uma maior disponibilidade - dos próprios eleitores ou dos seus filhos - para "desertar" do que na CDU); o efeito não significativo do PSR talvez seja o resultado, por um lado da sua baixa votação global, de forma que mesmo que todos os antigo eleitores do PSR tenham passado para o BE isso afeta pouco a votação final (o inverso do PS?), e por outro de o PSR quase não ter implantação fora de Lisboa e algumas localidades dispersas (ao contrário da UDP, em que altas votações num dado concelho provavelmente significavam a existência num núcleo ativo nesse concelho, o que daria logo uma vantagem para a implantação original do BE nessa localidade).

O efeito negativo da variável "Ilhas" e positivo da variável "Salvaterra" era o de esperar.

O grande mistério aqui é mesmo a associação negativa entre a densidade populacional e a votação do BE; antes que alguém diga "impossível; as contas têm que estar mal feitas; o BE sempre teve os seus melhores resultados nas grandes cidades!", lembro que o modelo já capta a associação positiva entre escolaridade/juventude/litoralidade (tudo coisas comuns nas grandes cidades) e a votação no Bloco; o que pelos vistos acontece é que o BE tem ainda melhores resultados nas pequenas localidades que se parecem socialmente com grandes cidades do que nas grandes cidades propriamente ditas (fazendo lembrar o que o Jorge Candeias escrevia acerca de Portimão ser  "uma grande cidade de pequenas dimensões, isto é, uma cidade pequena... com espírito, mentalidade e ambiente de grande cidade").

Mas que motivo poderá haver para isso? Uma hipótese seria de que pessoas cujas habilitações escolares sejam mais elevadas que o seu rendimento e posição social possam ser particularmente inclinadas à "esquerda radical" (o estereótipo da "intelligentsia revolucionária" sempre andou muito a volta disso - um mundo de professores de província, economistas em funções obscuras, tradutores free-lancers que não sabem bem de onde virá o próximo trabalho, etc.), e de que essas pessoas se encontrem mais nas pequenas cidades e nos subúrbios do que nas grandes cidades (onde viverão as pessoas de altos rendimentos e/ou alta posição social, como altos quadros dirigentes). No entanto, juntando uma variável referente ao poder de compra concelhio não se verifica efeito nenhum nos resultados, logo não deve ser por aí.

Outra possível explicação seria eu estar a inverter a relação causal - a associação entre boas votações no BE e baixa densidade populacional seja simplesmente o resultado da boa votação do BE no Algarve, e como o Algarve tem um densidade populacional relativamente baixa, isso crie uma ligação ilusória; mas repetindo a regressão excluindo os 16 concelhos algarvios os resultados são mais ou menos os mesmos, logo também não é por aí.

Uma terceira hipótese é de haver aqui um efeito não-linear e a partir de certa ponto maior escolaridade e/ou uma população mais jovem deixem de significar maior força adicional para o BE, e que a relação negativa "densidade populacional - votação no BE" seja uma ilusão matemática provocada por essa não-linearidade; talvez seja essa a explicação, mas talvez seja difícil de testar.

Assim, vamos ver até que ponto as diferenças de resultados entre Portimão (9,63% para o BE em 2011) e Lisboa (5,58%) podem ser explicadas por este modelo:

Tuesday, September 22, 2015

Um imposto sobre as bebidas más para saúde não funciona?

Why a Soda Tax Is Unlikely to Work: Yours Truly in the Washington Post, por Marc Bellemare (via Tyler Cowen):

The fact that those taxes have no (economically and, often, statistically) significant effect is unsurprising. One, even in the US–which consumes way, way more soda than Europe in per capita terms according to the Euromonitor data–soda represents a minuscule share of the average consumer’s budget. Two, from casual empiricism, the demand for soda strikes me as relatively inelastic; there are few substitutes for sweet, fizzy drinks: club soda does not contain any sugar, fruit juices aren’t fizzy, and many people cannot stand the taste of diet sodas.

(Tamar spoke to a number of other economists for her article. In his post on the topic, Jayson generously referred to those of us quoted in the article as “a slew of top food and agricultural economists,” which I imagine is what it feels like if George Clooney tells you that you’re handsome.)

So, notwithstanding what some people in the public health community seem to to take as an article of faith, taxing soda is unlikely to help with this country’s (or any other country’s, for that matter, given my European estimates) love affair with obesity, though it is certainly likely to contribute to the revenues of governments that levy a tax on soda.

Esta raciocíno tem um erro de raiz, que é assumir que o objetivo de um imposto sobre o consumo de "soda" (palavra que não sei bem a tradução exata, mas na prática parece incluir a generalidade das bebidas açucaradas) é reduzir o seu consumo; não é - o objetivo de um imposto desses é reduzir os custos sociais do consumo de "soda" (em termos de políticas públicas, os custos diretos para o indíviduo do consumo não interessam para nada; a única coisa que deve ser relevante para o Estado são os custos que o individuo que bebe "soda" possa eventualmente impor ao resto da sociedade; p.ex., uma subida generalizada dos prémios dos seguros de saúde); para esse efeito, à partida tanto faz que um imposto reduza o consumo de "soda" ou que o consumo se mantenha, originando o imposto simplesmente um aumento de receita:

- se o consumo diminuir, os custos sociais diminuem pelas razões óbvias

- se o consumo se mantiver, os custos sociais também diminuem, já que os custos sociais que o consumo implica são compensadas pelo aumento da receita pública (seja esse aumento de receita canalizado para mais despesa pública ou para uma redução dos outros impostos, em ambos os casos significa um benefício para os não-consumidores de "soda")

Claro que se poderá argumentar que o valor dos impostos poderá não ser suficiente para compensar os custos sociais criados pelo consumo de "soda", mas mesmo que seja o caso a solução é simplesmente subir o valor do imposto - continua a ser completamente irrelevante que os consumidores reduzam ou não o consumo por causa do imposto.

Na verdade, o que Bellemare está a dizer é que o benefício que os consumidores derivam do consumo de "soda" é mais que o imposto (e mais o preço) que pagam (no fundo, é isto que significa os impostos não levaram a uma redução do consumo), mas o que interessa, em termos de maximização do bem-estar social, é se os impostos são maiores ou menores que o prejuízo para a sociedade do consumo de "soda".

Friday, September 18, 2015

"Como" ou "apesar"?

A respeito da possibilidade de o PSD/CDS ter menos votos mas mais deputados que o PS, no Expresso escreve-se "[e]m Portugal, o método matemático utilizado para converter votos em mandatos é o método de Hondt. Contudo, como se segue o sistema de representação proporcional, existem sempre votos nos círculos eleitorais que não chegam para eleger deputados".

Quem leia essa conversa até poderia ficar a pensar que é por causa do sistema ser proporcional que há votos que não elegem deputados - na verdade há muitos mais votos desperdiçados num sistema maioritário (estou convecido que no Reino Unido a maior parte dos votos não contam para eleger deputado nenhum e que a maioria dos eleitores acabam por não ter verdadeiramente nenhum deputado que os represente), sendo muito mais prováveis os casos de "maiorias invertidas" (se o Expresso escrevesse "apesar de se seguir o sistema de representação proporcional" em vez de "como se segue..." já faria algum sentido).

Já há umas semanas tinham uma notícia sobre a Catalunha, em que diziam que a coligação separatista não tinha a maioria absoluta dos votos, mas que devido ao sistema proporcional poderia eleger a maioria dos deputados - como se num sistema maioritário não fosse acontecer a mesma coisa (na verdade, suspeito que se num sistema maioritário o partido mais votado tiver 40% dos votos e o segundo mais votado 15%, o resultado será o partido mais votado eleger os deputados quase todos).

Monday, September 14, 2015

A bússola eleitoral do Expresso

O Expresso e a SIC lançaram uma ferramenta, a "bússola eleitoral", que pretende ver qual é o partido político de que estamos mais próximos:


Muitas críticas têm sido levantadas a esse quadro, como a CDU ser mais "libertária-cosmopolita" que o Bloco de Esquerda, ou o PNR (de extrema-direita) estar ao centro.

Estive a tentar perceber porque é que a CDU aparece como mais "libertária-cosmopolita" que o BE; nas perguntas de "Sociedade", a única que poderia explicar essa diferença era a CDU "discordar" no ponto "Independentemente dos seus recursos, as famílias numerosas devem receber benefícios sociais e fiscais" e o BE "concordar totalmente"; mas porque é que os autores dizem que a CDU "discorda" e o BE concorda "totalmente"? Segundo eles a CDU discorda porque votou contra uma alteração ao código do Imposto sobre Veículos criando isenções para famílias numerosas (o BE votou contra na primeira votação e absteve-se na votação final) e as alterações ao IMI criando bonificações para as famílias numerosas (por mais voltas que dê ao site da Assembleia da República, não consigo descobrir quem votou contra e a favor disso, mas em muitas Assembleias Municipais o BE tem votado contra).


Ou seja, não me parece que a diferença de posição entre o PCP/PEV e o BE na questão das famílias numerosas seja tão grande que faça sentido um "discordar completamente" e outro "concordar" (e mesmo a posição do BE sobre o abono de família parece-me mais uma defesa da universalidade dos serviços públicos - na linha "programas para pobres tendem a ser programas pobres" - do que propriamente uma defesa das famílias numerosas).

Também me parece discutível que o BE "discorde completamente" de que "Deve haver um alargamento das áreas em que a União Europeia define as políticas" - sim, realmente o BE no seu manifesto eleitoral para as europeias [pdf] fala em "desobediencia democrática à EU e suas imposições, recusando de forma intransigente, quaisquer perdas de soberania"; mas no mesmo documento também diz que "a UE deve passar a ter instrumentos próprios de gestão de dívida que representem um recurso dos Estados-membros, mas beneficiem dos custos de financiamento que um espaço como a União Europeia pode proporcionar" e que "[a] definição de mínimos europeus para a tributação de todos os rendimentos do capital (lucros, dividendos, etc.) é a única forma de travar a dinâmica da concorrência fiscal no espaço europeu".

De qualquer maneira tenho dúvidas que faça sentido juntar (como parece ter sido feito) juntar a atitude face à UE com a atitude em questões sociais numa única dimensão ("tradicionalista-nacionalista vs. libertária-cosmopolita"); em países como o Reino Unido e  nalguns da Europa de Leste há efetivamente uma forte ligação entre conservadorismo social e euroceticismo, que justifica juntar esses pontos numa única dimensão; mas em Portugal não sei se será o caso (talvez um gráfico tridimensional - com "europeísmo vs. euroceticismo" como a 3º dimensão - fizesse mais sentido; aliás, num inquérito semelhante acercas das eleições europeias foi esse o sistema usado).


Ora, o problema desse arranjo gráfico (que divide a esquerda da direita pela economia e considera as questões sociais como transversais à divisão esquerda-direita) é que no mundo real das ideologias, tanto as questões económicas como as questões sociais são questões esquerda vs. direita; afinal, o que creio ser a questão esquerda-direita original (direita - o rei deve poder vetar definitivamente as leis aprovadas pelo parlamento; esquerda - o veto real apenas pode adiar a aprovação da lei) hoje em dia seria de certeza considerada uma questão social. Nesse aspeto, gráficos similares norte-americanos, como o de On the Issues ou o dos Advocates for Self-Government parecem-me melhores: os eixos do gráfico são basicamente os mesmos, mas o gráfico tem uma inclinação de uns 45º, de forma que tanto liberalismo económico como conservadorismo social vão para a direita. Aplicando isso ao gráfico do Expresso, teríamos:


É verdade que, mesmo assim, o gráfico continuaria a ter coisas talvez contra-intuitivas, como o Livre ficando o partido mais à esquerda (provavelmente devido ao seu europeísmo, que reforça a componente libertária-cosmopolita) - mas mesmo no gráfico anterior o Livre aparecia como um dos dois partidos/coligações mais à esquerda, junto com a CDU; mais estranho seria o MRPP ficar à direita do PS, mas de qualquer forma já era algo de estranho no gráfico original estar à direita da CDU, do Bloco e do Livre (os autores da "bússola" têm mesmo certeza que o MRPP "discorda totalmente" da reestruturação da dívida?? Só se for "discordar totalmente" no sentido de não quererem reestruturação mas repúdio puro e simples da dívida - mas essa posição é mais defender uma forma extrema de reestruturação do que verdadeiramente ser contra).